Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«O presidente acusa o recebimento da seguinte preposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»

Existe alguma incorreção do ponto de vista gramatical na frase acima?1

Obrigado.

1 O consulente enviou dias depois um esclarecimento:

«A propósito do comentário do Professor Carlos Rocha à minha consulta, cumpre-me esclarecer que o meu reparo é feito à regência de relator. Não seria «da qual designou o relator citado a seguir», em vez de «para a qual...»?

Quem relata, relata algo; é relator de algo.

Peço na oportunidade desculpas por não ter sido mais específico.

Obrigado.»

Resposta:

Na frase em referência — «O presidente acusa o recebimento da seguinte preposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).» — é possível substituir «para a qual» por «da qual», mas não creio que tal se imponha, porque:

— não é obrigatório que o complemento de relator se realize, se este puder estar subentendido contextualmente;

— «para qual» forma uma estrutura relativa cujo antecedente é proposição ( e não "preposição") e que é complemento preposicional de designar.

Note que o referido verbo selecciona, além de um objecto directo, um complemento preposicional referente a cargo, posto, processo ou situação:

(1) O empresário contactou a empresa para a qual designou o novo gestor

(2) O gabinete adiou as provas para as quais designou novos examinadores.

Vemos, portanto, que designar e relator têm ambos complementos preposicionados, o que acarreta a opção pela realização completa da grelha argumental de apenas uma das palavras, já que a estrutura relativa não pode ser instanciada simultaneamente por complementos pertencentes a constituintes com funções sintácticas diferentes:

«O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, *para a qual da qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»1

Mas a análise da frase justifica mais dois comentários.

1. Acusar recebimento

Pergunta:

Na leitura de textos jurídicos, deparo-me freqüentemente com o termo "consumerista", significando "de ou relativo ao consumidor", porém nunca encontrei essa palavra nos dicionários que consultei. É correta a sua utilização?

Resposta:

No Ciberdúvidas, já se abordou o termo "consumerismo". Em Portugal, Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos (Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 55) propõem como mais correcta a forma consumidorismo. Nesta conformidade, a forma recomendável do adjectivo correspondente será consumidorista. Nos dicionários brasileiros consultados (Houaiss e UNESP), não constam os termos "consumerismo" e "consumerista".

Pergunta:

Dever-se-á dizer «Enfrentou inúmeros problemas, grande parte deles incompreensíveis à partida», ou «Enfrentou inúmeros problemas, grande parte deles incompreensível à partida»?

Resposta:

As duas frases estão correctas, mas há algumas considerações a fazer sobre a sua estrutura e aceitabilidade.

Primeiro, deve-se ter em mente que, relativamente a grupos nominais constituídos por expressões partitivas (p. ex., «parte de», «o resto de», «metade de») seguidas de substantivo ou pronome no plural, a concordância verbal faz-se ou com a expressão partitiva ou com as palavras que a completam (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 496).1 Mas, no caso da frase apresentada, a concordância não é verbal, é adje{#c|}tival. Aplica-se a mesma regra?

Aplica-se, até porque a sequência «grande parte deles incompreensíveis/incompreensível à partida» é um aposto que encerra uma predicação («existe algo que é incompreensível»), podendo todo o constituinte com essa função sintáctica ser parafraseado por uma oração relativa apositiva com o verbo numa forma finita ou no gerúndio: «grande parte dos quais eram incompreensíveis/era incompreensível à partida»; «sendo grande parte deles incompreensíveis/incompreensível à partida».

Em segundo lugar, parece-me que, num aposto como o descrito, se apresenta uma situação semelhante à da concordância com particípios verbais e adjectivos predicativos. Nestes casos, João Andrade Peres e Telmo Móia falam de uma preferência dos falantes pela concordância com o nome mais encaixado, isto é, o substantivo que complementa a expressão partitiva (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, 2.ª edição, 2003, pág. 480). Isto significa que, comparando as frases a seguir, (2) seja considerada melhor que (1) (exemplos de Peres e Móia, op. cit.):

(1) «Um terço dos professores foi convocado para vigiar a prova.»

Pergunta:

Preciso conhecer o significado do nome "Anfilófio" ou "Amphilófio".

Resposta:

O nome Anfilófio foi ou é mais usado no Brasil. Encontramos dicionarizado Anfilóquio, mas não Anfilófio. No entanto, a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira regist{#|r}a como substantivo comum a forma anfilófio, «género (Amphilophium) da família das bignoniáceas, estabelecido por Kunt (= Amphilobium)», que «compreende cinco espécies das Honduras e do México» e que «são plantas trepadeiras». A palavra deriva de termos gregos: amphi, «em redor, de ambos os lados», e lophus, «crista, pincel».

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do provérbio «antes quebrar que torcer». Tenho a indicação de que será de um poema do séc. XVII... Não sei se está correcta...

Resposta:

A expressão aparece numa das cartas de Sá de Miranda (1481-1558), mas não é certo que seja este poeta o seu autor (Carta I, XXIV):

«Homem de um só parecer
Dum só rosto, uma só fé,
De antes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser,
Mas de corte, homem não é.»

Note que a maior parte da vida de Sá Miranda decorreu no século XVI.