Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Preciso conhecer o significado do nome "Anfilófio" ou "Amphilófio".

Resposta:

O nome Anfilófio foi ou é mais usado no Brasil. Encontramos dicionarizado Anfilóquio, mas não Anfilófio. No entanto, a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira regist{#|r}a como substantivo comum a forma anfilófio, «género (Amphilophium) da família das bignoniáceas, estabelecido por Kunt (= Amphilobium)», que «compreende cinco espécies das Honduras e do México» e que «são plantas trepadeiras». A palavra deriva de termos gregos: amphi, «em redor, de ambos os lados», e lophus, «crista, pincel».

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do provérbio «antes quebrar que torcer». Tenho a indicação de que será de um poema do séc. XVII... Não sei se está correcta...

Resposta:

A expressão aparece numa das cartas de Sá de Miranda (1481-1558), mas não é certo que seja este poeta o seu autor (Carta I, XXIV):

«Homem de um só parecer
Dum só rosto, uma só fé,
De antes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser,
Mas de corte, homem não é.»

Note que a maior parte da vida de Sá Miranda decorreu no século XVI.

Pergunta:

Como se pronuncia o e de pregador?

Resposta:

Pregador pode ser a grafia de duas palavras com pronúncias ligeiramente diferentes:

«aquele que prega, que faz pregação»: pr[ɛ]gador (é aberto na primeira sílaba, como o de ), derivado do verbo pregar (também com é aberto).

«adorno que se põe ao peito, pregado na roupa»: pr[ɨ]gador (com é mudo, como na preposição de), derivado de pregar, «fixar com prego» (também com é mudo).

Como têm a mesma grafia mas pronúncias diferentes, diz-se que as duas palavras são homógrafas.

Pergunta:

Na frase «Macário e Luísa passearam pelas ruas apinhadas», o elemento «pelas ruas» é um agente da passiva, ou é um complemento circunstancial de lugar por onde?

Resposta:

A expressão «pelas ruas apinhadas» só pode ser um complemento circunstancial de lugar por onde, porque o verbo passear é intransitivo, logo não tem voz passiva e, consequentemente, não tem agente da passiva.

Mesmo que tivesse sido utilizado um verbo transitivo na frase, é improvável que «pelas ruas apinhadas» pudesse ser agente da passiva, uma vez que o substantivo rua não costuma ser usado como agente de uma acção. Por exemplo:

(1) «A Rita foi arrastada pelo namorado pelas ruas apinhadas.»

(2) «A Rita foi arrastada pelas ruas apinhadas.»

Em (1), o agente da passiva é «pelo namorado» (é o agente da acção) e, em (2), não ocorre. A interpretação de «pelas ruas apinhadas» é, pois, a de complemento circunstancial em ambas as frases.

Pergunta:

Antes de mais, parabéns pelo excelente trabalho aqui feito.

Gostaria de tirar dúvidas em relação ao uso da preposição de conjuntamente com os artigos definidos a, o, as, os.

Em documentos antigos dos anos 60 e 70 vê-se na maior parte das vezes termos como: «Associação dos Estudantes», «Junta da Freguesia», «Concelho da Chamusca»; hoje em dia apenas se vê «Associação de Estudantes», «Junta de Freguesia», «Concelho de Chamusca», etc., etc., etc. O que se terá passado?

Resposta:

Sem mais contexto a acompanhar as expressões em causa, é difícil explicar exactamente o que se passou. Mas calculo que, relativamente a «associação dos estudantes» e «junta da freguesia», deve ter mudado um pouco a perspectiva em que se encaravam os estudantes e a freguesia: antes tratava-se de indicar que esses estudantes e essa freguesia já estavam identificados e eram conhecidos — são uns certos estudantes e uma certa freguesia. O uso veio a impor a omissão do artigo nas referidas expressões, tornando-as mais genéricas e dando-lhes uma função muito semelhante à de um adjectivo: «associação de estudantes» = «associação estudantil».1

A alternância entre «concelho da Chamusca» e «concelho de Chamusca» é de outra ordem, porque se prende com o uso de artigo definido com topónimos. O uso de artigo indica normalmente que o nome de lugar tem origem num substantivo comum. José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, considera que Chamusca tem origem no substantivo comum chamusca, o que explicaria o artigo definido associado. Regista ainda Chamusco, também um substantivo comum convertido em topónimo, e atesta o seu uso com artigo definido (Monte do Chamusco).2 Assim, concluo que Chamusca se tem usado com artigo definido («a Chamusca»).

Mas arrisco uma explicação para a perda de artigo em «concelho de Chamusca», que não considero melhor que «concelho da Chamusca». Penso que a supressão do artigo é, para muitos falantes, sinal de prestígio, uma vez que muitos nomes de cidades e vilas se usam sem artigo por não terem origem em nomes comuns (Lisboa é um bom exemplo, apesar de «o Porto» ser um bom contra-exemplo: tem artigo e nem por isso deixar de ter prestígio). Sugiro, pois, que a expressão «concelho de Chamusca» seja encar...