Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se está correcto o seguinte:

— O que usas quando sais?

— Calças de ganga e T-shirt na moda.

Resposta:

Se disser «na moda», está a deixar subentendido o verbo estar: «Calças de ganga e T-shirt (que estejam) na moda.» Mas pode recorrer a «da moda» também, subentendendo o verbo ser: «Calças de ganga e T-shirt (que sejam) da moda.»

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma correta:

«"tranche" de salmão assada» ou «"tranche" de salmão assado». O género do verbo concorda com a palavra "tranche", ou com a palavra "salmão"? Qual é a regra gramatical a aplicar aqui?

Resposta:

Depende do que se queira dizer e neste caso não há uma regra gramatical.

Se a peça de salmão — a tranche ou a posta ou o filete — foi previamente cortada em cru, dir-se-á que foi a peça que foi assada e não toda a carcaça do animal donde foi retirada: «tranche de salmão assada», ou seja, «uma tranche de salmão que foi assada».

Se toda a carcaça é que foi cozinhada, então a tranche foi cortada após o salmão ter sido assado; daí, «tranche de salmão assado». Também se pode interpretar de outro modo: é «tranche de salmão assado», porque «salmão assado» é o alimento de que a tranche é feita.

Penso que o mais frequente em restaurantes portugueses é a peça ter sido cortada em cru e depois cozinhada, pelo que creio também que o mais frequente é encontrarmos «tranche/posta de salmão assada» nas ementas. Note-se que o vulgar em Portugal, falando por exemplo de carne de porco, é dizer/escrever «febras de porco assadas» e não «febras de porco assado», justamente porque as febras já estão cortadas antes de serem cozinhadas.

Pergunta:

O historiador judeu Yosef ben Matityahu, ao se tornar cidadão romano, adotou o nome latino de Titus Flavius Josephus, com o qual escreveu vários clássicos da historiografia universal.

Ao ser aportuguesado (em português moderno), o seu nome romano só poderia ficar Tito Flávio José. Deveria, portanto, ser deste modo que nós, os lusoparlantes, teríamos de nos referir a ele ou, abreviadamente, apenas como Flávio José.

De qualquer forma, por descargo de consciência, indago a vós, infalíveis consultores, se a forma Tito Flávio Josefo e sua abreviação, Flávio Josefo, a qual é mais usual, têm cabimento no português moderno falado por nós todos.

Lembro-vos que em português hodierno temos apenas Josefa como feminino de José, o qual é o correspondente do prenome latino de origem hebraica Josephus.

Muitíssimo obrigado.

Resposta:

A forma Flávio Josefo fixou-se no uso da língua portuguesa, apesar de Josefo ter a forma divergente José. Mas é necessário recordar que em português há muitos casos de palavras divergentes, isto é, que evoluíram de um mesmo étimo, sobretudo latino ou em forma latina:

ATRIU- > adro (forma popular)/átrio (forma erudita)

RUGA- > ruga (forma popular)/rua (forma por via do francês do século XII)

O mesmo acontece quando confrontamos a onomástica com os topónimos, pelo menos em Portugal:

CIPRIANU- > Cipriano (nome próprio) vs. Cibrão (como em São Cibrão, aldeia do concelho de Vinhais, em Portugal).

Pergunta:

Li vários textos onde aparece a palavra reatribuição, mas não está contemplada nos dicionários onde pesquisei. O termo existe, ou não?

Resposta:

O prefixo re- é actualmente muito produtivo em português (e noutras línguas próximas), pelo que muitos dicionários se dispensam de registar palavras que os incluam. De qualquer modo, use reatribuição à vontade: é o mesmo que dizer «nova atribuição» ou «atribuição feita de novo».

Pergunta:

«Preço neto», ou «preço líquido»? Ou é indiferente?

Resposta:

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa só acolhe net, como anglicismo correspondente a líquido. O Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não regista nem net nem neto com esse significado. E o Dicionário Houaiss indica que neto pode ser, além de «neto», isto é, «filho do filho», a forma de uma outra palavra de origem francesa, net, do latim nĭtĭdus.

Concluo que neto em «peso neto» ou «preço neto» é o aportuguesamento de uma palavra que tem origem francesa e passou ao inglês. Mas recomendo em seu lugar o adjectivo líquido, que há muito se usa em português em temas económicos. Diga-se e escreve-se, portanto, «preço líquido».