Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a origem da palavra cachupa?

Resposta:

A cachupa ou catchupa é, como toda a gente saberá certamente, um prato tradicional cabo-verdiano.

«[…] feito basicamente com milho pilado [ou cutchido], feijão ou favona e carnes (lombo ou entrecosto de porco, eventualmente galinha, toucinho) ou peixe.

Não vou alongar-me sobre os diferentes tipos de cachupa, questão que terá mais que ver com um programa de culinária. Mas também não vou dizer muito acerca do tópico da pergunta que é feita, porque as fontes consultadas não dizem praticamente nada sobre a origem desta palavra. Dicionários como o Houaiss e o etimológico de José Pedro Machado apenas referem que o termo tem origem obscura. Um estudioso do crioulo de Cabo-Verde, Baltasar Lopes da Silva, aventava a hipótese de cachupa ter origem africana num livro que publicou sobre o assunto em 1957 (O Dialecto de Cabo Verde, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa). No entanto, Lopes da Silva não nos diz de que língua africana se trata, quando sabemos que elas se contam às centenas, distribuídas por diferentes famílias linguísticas.
Mas gostaria aqui de deixar uma hipótese:

Numa consulta ao Dicionário da Real Academia Espanhola, encontro os vocábulos cachupín e cachupina. O primeiro significa «espanhol estabelecido na América», isto é, na actual América Latina, e o segundo, «reunião de pessoas, em que se dança e há diversões». É tentador relacionar com a palavra espanhola cachupina a cachupa cabo-verdiana, por intermédio da ideia de r...

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra espedaça existe, ou deve, unica e simplesmente, dizer-se despedaça.

Obrigado.

Resposta:

Espedaça é a terceira pessoa do singular do verbo espedaçar, que é uma variante de despedaçar. Existem alguns casos em que a forma es- ocorre como variante do prefixo des-: «em alguns casos, es- equivale ao pref. des- (ver): escabelado/descabelado, esfazer/desfazer, esperdiçar/desperdiçar» (Dicionário Houaiss). Note-se, porém, que as variantes com es- têm menor frequência e são tidas por arcaicas.

Pergunta:

Ao procurar informação sobre Gales, encontrei referências a uma lenda sobre "The Curse of Pantannas".

Achei curioso o nome ser tão parecido com o nosso pantanas e ainda maior coincidência referir-se mais ou menos à ruína duma casa, tal como o nosso «pôs a casa em pantanas».

Parece-me pouco provável passar de mais do que uma coincidência, mas poderão informar-me se há alguma coisa em comum entre os dois termos?

Poderá o nosso termo dalguma maneira ter tido origem naquela história?

Ou poderá ser um termo de origem celta, comum às duas regiões e com significado actual aproximado?

Agradeço qualquer informação sobre o assunto.

Resposta:

Há, de facto, uma semelhança sonora e semântica de pantanas (como em «estar/ficar em/de pantanas», isto é, «arruinado», «destruído») e o nome Pantannas, que é emblemático do conteúdo da história. Contudo, não há dados sobre a origem de pantanas em português: o Dicionário Houaiss diz que a palavra tem origem obscura, e o Dicionário Etimológico, de José Pedro Machado, pouco mais adianta, a não ser sugerir alguma relação com pântano, também de origem obscura, talvez pré-romana (mas não necessariamente céltica).

Refira-se ainda que não consegui ter aceso a fontes fidedignas sobre a etimologia ds nomes próprios galeses. Restou-me a Internet, para dar com uma pequena passagem que explica assim a origem de Pantannas:

«em relação ao significado de Pantannas, há grande controvérsia. Algumas pessoas consideram que é propriamente Pant yr Aros ou a "Cova dos Que Ficam", porque os viajantes passavam a noite aí retidos por causa do transbordamento do rio vizinho; outras interpretam o nome como Pant yr Hanes, a "Cova da Lenda", aludindo à história que se segue. Mas antes da construção do cemitério, o sítio chamava-se Rhyd y Grug, ou "Vau do Feno", que cresce em abundância ali à volta.»1

1 Em inglês no original: «[...] as to the meaning of [Pantannas] there is much controversy. Some will have it that it is properly Pant yr Aros, or the Hollow of the Staying, ...

Pergunta:

No sítio da Academia Brasileira de Letras encontrei na busca no Vocabulário a palavra majorina s. f. Busquei seu significado nos mais importantes dicionários, o Houaiss e o Aurélio, não encontrei!

Não encontrei também os femininos de tenente, cabo e major!

De antemão agradeço!

Resposta:

É verdade que a versão em linha do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras regista majorina como substantivo feminino, mas é também verdade que a palavra não vem acompanhada de nenhuma indicação que nos garanta claramente que se trata do feminino de major. Também posso confirmar que nem o Dicionário Houaiss nem o Dicionário Aurélio XXI acolhem este termo. Além disso, verifica-se que a palavra majorina não ocorre em corpora para análise linguística e surge escassamente em páginas não tratadas da Internet.

Por conseguinte, recomendo que continue a usar a palavra major para os dois géneros: «o/a major.» O mesmo me parece ser de aplicar a tenente: «o/a tenente», seguindo o modelo de presidente.

Quanto a cabo, já a questão se complica, porque é muito estranho manter o índice temático da palavra que marca tipicamente o masculino e depois combiná-lo com a forma feminina singular do artigo definido: «a cabo». Não obstante, parece que é assim que se usa a palavra quando aplicada a um militar do sexo feminino.

Pergunta:

Existem palavras e expressões consideradas erradas que já se encontram tão enraizadas na nossa sociedade, que, quando as usamos correctamente, arriscamos não ser compreendidos. Um exemplo típico é a palavra despoletar. Se a usarmos numa frase no seu sentido correcto, arrisco-me a dizer que a maior parte das pessoas não compreenderá o que se quer dizer. Por outro lado, se se usar palavra espoletar em sua substituição numa frase em que esta seja mais correcta, poderá ser compreendida, mas não terá o mesmo impacto.

A minha pergunta é a seguinte: nestas situações, que palavra escolher? Nenhuma das situações é perfeita. E quando é que podemos considerar que um erro se tornou correcto? Quando chega aos dicionários? Mas eu vejo palavras que chegaram a um grande número de dicionários com significados que, em outros locais, são considerados errados.

Agradecido pelo tempo dispensado.

Resposta:

Não me parece que se possa falar de perfeição a propósito de norma, porque esta consagra muitas vezes estruturas linguísticas que em determinada altura foram vistas como agramaticais ou inaceitáveis. Há é uma série de ajustamentos a uma série de convenções e regras linguísticas, ajustamentos que, em última análise, são sociais, porque transmitidos em família ou recebidos durante a escolarização, permitindo o reconhecimento de um falante como membro de um grupo que tem um nível de educação entre médio e alto.

Quanto ao papel dos dicionários numa comunicação adequada, é necessário dizer que eles são instrumentos importantes, havendo complementaridade entre eles no tempo e no espaço, ou seja, não há o dicionário único que acabe com todas as dúvidas. E para saber qual é o melhor, é preciso também desenvolver conhecimento gramatical explícito, com a consulta de gramáticas, e sensibilidade sociolinguística, mediante o acompanhamento atento das formas de expressão da sociedade e dos seus grupos, bem como da avaliação positiva ou negativa do uso respectivo.

Quando se torna o erro correcto? Trata-se de uma mudança que normalmente não se faz por decreto. Quando acontece assim, é porque o uso já há muito impôs o erro.