Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "colpoltor", que designa, salvo engano, um vendedor protestante e ambulante de exemplares da Bíblia e de outros livros, o qual, por vezes, é também pregador, integra o vocabulário da nossa língua, ou deve ser considerada um estrangeirismo.

De qualquer modo, gostaria que confirmassem o sentido da palavra, mencionado acima, e esclarecessem a sua etimologia.

Muitíssimo obrigado eternamente.

Resposta:

O termo correcto é colportor e não "colpoltor".1 O Dicionário Houaiss define este termo como relativo a quem «vende ou distribui livros, especialmente religiosos, de porta em porta». Segundo o mesmo dicionário, a palavra tem origem francesa: «fr[ancês] colporteur "vendedor ambulante de mercadorias em domicílio" (1388), alt[eração] de comporteur (sXIII), por infl[uência] da expr[essão] porteur à col, "o que transporta mercadoria em tabuleiro ou canastra presa por uma correia em forma de alça que passa pelo pescoço".»

 

1 A forma "colpoltor" é incorrecta, mas ocorre, em espanhol, num artigo em linha sobre a introdução do protestantismo no Chile:

«[...] la Sociedad Bíblica Británica primero y las otras cociedades bíblicas fundadas después, han empleado el sistema de "colpoltores": personas encargadas de recorrer campos y pueblos ofrecindo personalmente la Biblia, aún en los rincones más apartados.»

Parece-me, portanto, que a forma "colpoltor" começou por ser usada em países sul-americanos de língua espanhola, donde terá passado ao Brasil.

Pergunta:

Comparando a pronúncia predominante da palavra papel com a fala de um cacique, "papéw" e "papé" respectivamente, é uma supressão de uma consoante final, ou uma supressão de uma vogal final? O que significa supressão?

Resposta:

É difícil julgar se "papé" resulta da supressão da consoante final de papel ou da semivogal de "papéw", porque estas formas podem igualmente ter dado origem àquela.

A supressão de sons (ou de segmentos) é simplesmente a perda ou o apagamento de sons.

Pergunta:

Na pergunta que se encontra aqui, vocês indicam que o nome correcto para uma ligfiets, recumbent bicycle, ou, em alemão, Liegerad, seria «bicicleta recumbente», «de encosto», etc.

No meu entender, a melhor tradução é mesmo «bicicleta reclinada», a palavra recumbente é completamente desconhecida da maioria das pessoas, e o termo reclinado já vai sendo reconhecido por grande parte da comunidade ciclista (tal como também se pode verificar pesquisando online pelos dois termos).

Resposta:

Agradecemos a sua achega. Repare que a resposta em causa já tem dez anos, o que, em matéria de introdução ou criação de neologismos, pode ser tempo suficiente para mudanças importantes. É o caso de «bicicleta recumbente», que actualmente é mais conhecida pela designação «bicicleta reclinada»«Ir à morte», «seguir na roda», «descolar», «aguadeiro», «é corte!» são apenas alguns dos termos utilizados na gíria do ciclismo.

 

Cf. Ir à morte, seguir na roda ou descolar. O dicionário para totós da Volta a Portugal

Pergunta:

Qual o substantivo comum dos adjectivos finas, pequenos, novo?

Resposta:

Em primeiro lugar, é preferível reformular a pergunta: «Quais são os substantivos correspondentes a fino, pequeno e novoFinas e pequenos são formas, respectivamente, de fino e pequeno, que são as chamadas formas de citação ou de entrada num dicionário.

Quanto aos substantivos relativos a:

fino

Poderia dizer-se que finura e fineza são os substantivos correspondentes, não fora o facto de lhes ser dado um sentido psicológico («finura no trato», «ter a fineza» = «delicadeza»); por isso, é melhor considerar as palavras delgadeza, estreiteza, esguiez. Melhor ainda, quando falamos da escala da dimensão em que fino se opõe a grosso, é usar espessura ou grossura em perífrases como «uma parede de espessura mínima» ou «um fio de grossura mínima».

pequeno

O substantivo é pequenez; mas se a intenção é referir a escala de que pequeno é um dos valores (pequeno, médio, grande), use tamanho («pequeno tamanho»).

novo

Temo novidade (referido a coisas e factos) e juventude (a respeito de pessoas).

Pergunta:

Qual o plural, em português, do anglicismo gay: "gay" ou "gays"? Em inglês, gay, como adjectivo, é sempre singular. E em português? Exemplo: «As associações gays/gay existem há vários anos.»

Resposta:

O anglicismo gay, como adjectivo, segue a morfologia inglesa, isto é, não tem plural: «um casal gay»; «dois casais gay» (ver MorDebe). Como substantivo, tem plural: «um gay»/«dois gays».

Note-se, porém, que já existe o aportuguesamento guei, adjectivo uniforme e substantivo dos dois géneros (ver Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora), o qual permite o plural gueis; donde: «ele/ela é guei»; «um casal guei»/«dois casais gueis».

Cf. Bromance + A polémica expressão «pessoas que menstruam» + Nem todas as pessoas que menstruam são mulheres + “Mulher” é pouco inclusivo. E que tal “pessoa com vagina”?