Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na expressão «nos idos do Império Romano», como o Império Romano não existe mais, remetendo-se, obviamente, a um passado distante, o uso do termo idos não seria redundante e desnecessário? Por fim, qual o equivalente vocabular mais próximo de idos?

Resposta:

Alguns dicionários1 incluem na entrada de ido, «o que se foi; passado», a expressão «nos idos de», em que ido ocorre no plural com o significado de «o tempo passado».

Assim como diz e escreve «idos da década de 80», também é correto «nos idos do Império Romano», com o significado de «no tempo do Império Romano» sem se detetar aqui uma clara redundância.

É de notar que também se regista idos, palavra que também denota uma localização temporal, mas no contexto do calendário da Roma Antiga: «o dia 15 de março, maio, julho e outubro, e o dia 13 dos outros meses, no calendário dos antigos romanos» (Dicionário de Caldas Aulete). Trata-se de palavra homónima da anteriormente mencionada, sem origem comum, porque o termo idos do calendário romano remonta ao latim «idus,ŭum (no sentido definido), do verbo latino idŭo, as, , ātum, āre no sentido de "dividir, separar", de origem etrusca» (Dicionário Houaiss).

 

1 Foram consultados o Dicionário Houaiss, o 

Pergunta:

O verbo frequentar é descrito como «ter certa convivência com» ("frequentar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa),  e «viver na intimidade de; conviver com» (Dicionário infopédia da Língua Portuguesa).

Encontro, no entanto, apenas um exemplo desta aplicação, no Dicionário Online do Português: «Possuir convivência com; ter intimidade ou ser íntimo de: "ele gostava de frequentar bares noturnos"», o que não se afigura de tudo um bom exemplo.

Em que medida e situações o verbo frequentar pode ser usado para exprimir «viver na intimidade de; conviver com»?

Resposta:

Encontram-se abonações da aceção em questão no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa:

«2. ter intimidade ou relações constantes com alguém ou com um determinado grupo social, passando algum tempo na sua companhia sinónimos conviver; «a história do senhor muito rico que, admoestando os rapazes que frequentavam as reuniões das filhas, recomendava que fizessem o que quisessem, mas não sujassem os resposteiros.» (J. De Sena, Sinais de Fogo, p. 48) [...].»

Note-se que, quando frequentar tem um complemento direto realizado por um grupo nominal com núcleo num nome que denota um ser humano, o significado torna-se sexual, associado, por exemplo, à prostituição:

«[...] «As prostitutas tinham predilectos, e nós frequentávamos de preferência esta ou aquela.» (J. De Sena, Sinais de Fogo, p. 104)» (ibidem).

Três equívocos e o velho erro
A atualidade nos tropeções da língua mediática

Continuando a surpreender confusões e velhas incorreções no que se ouve e lê nos media portugueses, o consultor Carlos Rocha regista quatro ocorrências: advento, por evento; aprender por apreender; encrostar por incrustar; e um velho erro, "interviu", por interveio.

Pergunta:

Venho por este meio pedir algum esclarecimento sobre os substantivos grémio (masc.) e guilda (fem.), que apresentam certo grau de sinonímia nas aceções recolhidas em vários dicionários embora nos textos de História, diversamente, pareçam corresponder a realidades diferentes. Transcrevo, para ilustrar, o seguinte trecho:

«Os soldados pertenciam frequentemente a associações conhecidas como collegia. Eram similares aos grémios comerciais ou às guildas do mundo civil e, à semelhança destes, a sua organização incluía oficiais, regras e protocolos.» Gladius. Viver, lutar e morrer no Exército Romano, De La Bédoyère, Guy. Ed.Crítica.

Indico também a seguir os significados dados por alguns dicionários para estes dois vocábulos.

Grémio • Dicionário Houaiss: «5.1 Corporação de ofício (Ex.: ).» • Porto Editora online: «Grupo de entidades patronais que exploram ramos de comércio ou indústria mais ou menos afins.»

Guilda • Dicionário Houaiss: «Associação que agrupava, em certos países da Europa durante a Idade Média, indivíduos com interesses comuns (negociantes, artesãos, artistas) e visava proporcionar assistência e proteção aos seus membros.» • Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: «Organização de mercadores, de operários ou artistas ligados entre si por um juramento de entreajuda e de defesa mútua.» • Porto Editora online: «(HISTÓRIA) associação corporativa medieval que agrupava os indivíduos de um mesmo ofício (mercadores, artesãos, etc.) para fins de assistência e proteção de interesses comuns, geralmente regida por regras próprias e com jurisdição e privilégios exclusivos.»

Poderão comprovar do anterior que grémio e guilda são ambos definidos como corporações de ofício.

Acho, contudo, que no contexto da História e dos estudos históricos não são sinónimos.

Visto que a minha procura n...

Resposta:

A palavra grémio tem uso mais corrente do que guilda, palavra que se usa sobretudo em informação e estudos históricos (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

A diferença que se faz na sequência citada na pergunta provém da tradução portuguesa de Gladius. The World of the Roma Soldier, resulta de um opção do tradutor. O que se lê no texto original em inglês é o seguinte:

(1) «These were similar to trade associations or guilds in the civilian world [...].»

Em português, a opção do tradutor foi como segue:

(2) «Eram similares aos grémios comerciais ou às guildas do mundo civil»

Contudo, também se poderia ter escrito «similares às associações de comércio ou aos grémios do mundo civil».

Note-se que, consultando, por exemplo, o Dicionário Houaiss, se constata que grémio é palavra atestada em português desde o século XVI, enquanto guilda só terá atestações a partir do século XX. Isto mesmo se confirma numa pesquisa no Corpus do Português: guilda só ocorre em textos recentes, sobretudo em enciclopédias, enquanto grémio tem uso bem mais antigo, desde Camões e António Vieira, muitas vezes como sinónimo de «seio, meio, colo, regaço» e, por extensão, «qualquer lugar, instituição etc. que ofereça repouso, abrigo», para mais tarde aparecer como sinónimo de sociedade e associação, na aceção de «conjunto de pessoas organizadas em torno de um objetivo político, cultural, social, religioso, desportivo etc.» (cf. Dicionário Houaiss).

Em conclusão, grémio tem ma...

Pergunta:

Como se chama a um habitante de Getafe, em Espanha? "Getafeños", em castelhano, pode ser traduzido por "getafenhos"? Ou será, antes, "getafenses"?

Obrigada.

Resposta:

Não há tradição de uso de nome e adjetivo (gentílico) para identificar um habitante ou residente da localidade espanhola de Getafe (Comunidade Autónoma de Madrid).

Em princípio, o sufixo mais corrente para formas gentílicos é com -ense – cf. portuense, bracarense, eborense, farense –, e, portanto, getafense é, à partida, uma boa opção. Mas pode aportuguesar-se getafeño como getafenho, tal como da vila fronteiriça de Barrancos se formou barranquenho.