Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por favor, o que é um encadeamento vocabular? Li alguns artigos no Ciberdúvidas, mas ainda não está claro para mim.

Obrigada.

Lúcia Vieira

Resposta:

Encadeamento vocabular é uma associação ocasional de palavras, muito comum, por exemplo, quando se refere uma relação entre duas ou mais entidades: «a cimeira Estados Unidos-Rússia»; «o percurso Rio de Janeiro-São Paulo»; «o jogo Inglaterra-França» (no contexto futebolístico, também se encontra o sinal ×, especialmente na imprensa brasileira: «jogo Fluminense × Flamengo»).

A expressão encadeamento vocabular encontra-se no Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945) e no de 1990 (AO 1990), nos seguintes contextos (sublinhado meu):

AO 1945:

«32 É o hífen que se emprega, e não o travessão, para ligar duas ou mais palavras que ocasionalmente se combinam, formando, não propriamente vocábulos compostos, mas encadeamentos vocabulares: a divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade; a estrada Rio de Janeiro-Petrópolis; o desafio de xadrez Inglaterra-França; o percurso Lisboa-Coimbra-Porto

AO 1990

«BASE XV:

BASE XV: DO HÍFEN EM COMPOSTOS, LOCUÇÕES E ENCADEAMENTOS VOCABULARES

[...] 7 Emprega-se o hífen para ligar duas ou mais palavras que ocasionalmente se combinam, formando, não propriamente vocábulos, mas encadeamentos vocabulares (tipo: a divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade, a ponte Rio-N...

Pergunta:

Caiu-me nas mãos uma revisão de tradução para fazer em que aparecia a palavra "rádiocontrolada" («estação meteorológica "rádiocontrolada"»). É claro que essa grafia "rádiocontrolada" não é possível, pois aí teríamos uma palavra acentuada na sexta sílaba da direita para a esquerda. As outras duas opções que me restaram foram "rádio-controlada" e "radiocontrolada" e acabei optando pela última, já que todos os compostos com o elemento rádio- que encontrei no dicionário se escrevem numa palavra só. Fiz bem?

Outra pergunta que lhes faço relacionada a este assunto: é possível que não tenha encontrado "radio-controlado" ou "radiocontrolado" porque não respeita exatamente a morfologia e a sintaxe da língua portuguesa por se tratar de palavra em que o primeiro elemento serve como advérbio de instrumento ou por que não dizer agente da passiva, construção que é típica de línguas como o alemão e o inglês. Na revisão também considerei «controlado a rádio», que entretanto não é tão comum quanto "rádio-controlado"/"radiocontrolado", pelo menos se se leva em consideração o que aparece na internet. O que acham de tudo isso?

Muito obrigado pelo espaço.

Resposta:

1. Fez bem, porque radio- se tem usado sem hífen, mesmo antes de elemento começado por o (ver Dicionário Houaiss: radioopaco e radiopaco).1

2. No padrão em questão, ao primeiro elemento também pode ser atribuído um valor instrumental: por exemplo, hidroterapia é um «tratamento que faz uso da água», o mesmo é dizer «tratamento pela água»; do mesmo modo, radiocomunicação é «comunicação de sinais, sons ou imagens efetuada por meio de ondas eletromagnéticas». No caso de radiocontrolado, o particípio passado torna mais saliente a leitura que remete para uma construção passiva; no entanto, esta forma pressupõe radiocontrolar, ou seja, «controlar por meio de rádio», dando passo ao valor instrumental de radio-.

1 Com o Acordo Orotgráfico de 1945, fica-se na dúvida, porque no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras se regista, por um lado, rádio-opaco e rádio-opacidade, com hífen, e, por outro, radiopaco e radiopacidade, sem ele, perdendo a vogal de ligação -o-. Cf. resposta Radiouvinte

Pergunta:

Qual a expressão que está correcta?

«Pingos de chuva», ou «pingas de chuva»?

Resposta:

No contexto em causa, pingo ou pinga são usos correctos. Ambas as palavras significam «porção mínima de líquido; gota». Trata-se, portanto, de sinónimos, que, como a maioria, não são inteiramente intersubstituíveis: por exemplo, só à palavra pinga se associa o significado de «porção, dose de bebida alcoólica».

Pergunta:

Gostaria de saber se o nome colectivo gente é contável ou não contável.

Obrigada

Resposta:

O substantivo gente pode ser interpretado de várias maneiras, a saber:

a) Como um colectivo, significando «pessoas»: «Havia muita gente na praia.»

b) Com valor pronominal, equivalente a nós: «A gente vai ao cinema.»

c) Já num registo arcaico, como sinónimo de povo, nação: «Na época dos Descobrimentos, Lisboa era cidade de muitas gentes.»

Calculo que a pergunta se refira ao uso de gente como colectivo, como em a). Nesse caso, há de facto dificuldade em empregar como contável, uma vez que o seu sentido já é o de um plural («pessoas»).

Pergunta:

A palavra ferroviário é formada por justaposição, ou por aglutinação?

Obrigada!

Resposta:

A palavra ferroviário deriva por sufixação de ferrovia. Esta, por sua vez, é, na terminologia gramatical portuguesa mais antiga, um composto erudito (radical latino ferro + via; cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 109). Actualmente, tendo em conta o Dicionário Terminológico, pode-se classificar ferrovia também como um composto morfológico, porque «associa um radical a outro(s) radical(is) ou a uma ou mais palavras» (ver Textos Anteriores).