Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que distingue um logograma de um ideograma? Se é que há alguma distinção. Consultei os mais variados dicionários e sítios online e, apesar de a maioria parecer tentar distingui-los, não consegui depois, lendo as definições, perceber o que os distingue de facto.

Resposta:

Encontro a distinção entre ideograma e logograma formulada num sítio de língua inglesa, The History of Visual Communication:

«Um ideograma é mais um símbolo gráfico que representa uma ideia do que um grupo de letras dispostas de acordo com o fonemas da língua falada, tal como se faz nas linguagens alfabéticas. Os exemplos de ideogramas incluem a sinalização para encontrar caminho, como em aeroportos e outros espaços onde muitas pessoas podem não conhecer a língua do lugar em que estão, bem como os números árabes e a notação matemática, que são usados em todo o mundo independentemente de como são pronunciados em diferentes línguas. O termo ideograma é comummente usado para descrever sistema de escrita logográficos como os hieróglifos egípcios e os caracteres chineses. Contudo, os símbolos dos sistemas logográficos representam palavras e morfemas em vez de simples ideias.

Um logograma é um grafema simples que representa uma palavra ou morfema (uma unidade linguística significativa). Este símbolo gráfico contrasta com outros sistemas de escrita, tal como os alfabetos, nos quais cada símbolo (letra) representa principalmente um som ou uma combinação de sons.»1

Assinale-se, porém, que esta distinção não é contemplada em dicionários gerais.2

1 A citação é a minha tradução do seguinte original em inglês:

«An ideogram or ideograph is a graphical symbol that represents an idea, rather th...

Pergunta:

A região de "Ungro-Valáquia" (Europa Oriental) deve ter o seu nome escrito em português assim mesmo, ou seria melhor grafarmos "Húngaro-Valáquia"? O Aulete Digital consiga moldo-valaco e moldo-valáquio como gentílicos de Moldo-Valáquia, antigo principado e berço da atual Romênia, em que o elemento antepositivo é forma reduzida de Moldávia ou moldávio. Como o adjetivo húngaro, extenso, faz também as vezes de adjetivo antepositivo reduzido, creio que provavelmente é ele que devemos usar no caso. Já do topônimo Hungria, penso não haver forma reduzida dele.

Com a palavra o nosso auríssimo Cibedúvidas.

Muito obrigado.

Resposta:

É melhor Húngaro-Valáquia e húngaro-valáquio (ou húngaro-valaco), porque, além de já existir o modelo facultado pelo termo húngaro-romeno (cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa), a forma húngaro- é a que dicionários prevêem que ocorra em compostos (cf. Dicionário Houaiss). As formas "ungro", sem h, e "hungro" estão atestadas em português, mas não são de aceitar no padrão moderno; encontro-as referidas por José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, quando afirma: «[...] os vocábulos húngaro e hungro só os atesto no século XVI [...], mas são certamente anteriores, isto porque Hungria já aparece no XV: "... posto que fosse no reyno d Ungria...", L[eal] Cons[elheiro], capítulo 44 [...]. A var[iante] Ongria em 1512: "... e que elRey d Ongria que já tinha mandado o cardeal ungro..." [...].»

Pergunta:

Ao abrigo do AO 1990, debate-se se se deveria grafar "co-herdeiro" ou "coerdeiro". A minha pergunta não é essa, mas está-lhe intimamente ligada e é, por esse debate, inspirada: co + hóspede resulta em "coóspede", ou "co-hóspede"?

Reza o AO 1990 que «Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por "o"...». O texto não esclarece que fazer quando o segundo elemento começa por "h", e também não é claro o alcance daquela cláusula "em geral", dando a entender que existem excepções.

Resposta:

A razão para, no Brasil, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (São Paulo, Editora Global, 2009, 5.ª edição conforme ao Acordo Ortográfico de 1990 — AO 1990), da Academia Brasileira de Letras (ABL), registar coerdeiro está no facto de existir um conjunto de medidas da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL (VOLP, págs. LI-LIII) que introduz alguns ajustamentos ao AO 1990, entre eles, um que se refere ao prefixo co-:

«9) Excluir o prefixo co- do caso 1.º, letra a, da Base XVI, por merecer do Acordo exceção especial na observação da letra b da mesma Base XVI e por também poder ser incluído no caso 2.º, letra b, da Base II (coabitar, coabilidade, etc.). Assim, por coerência, co-herdeiro passará a coerdeiro

Seguindo este critério (controverso, no contexto do mundo de língua portuguesa), parece-me lógico que se escreva coóspede, até porque no AO 1990 se lê assim (Base XVI, n.º 1, alínea b):

«Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.»

Este é o critério seguido pelo VOLP da ABL. Resta saber, neste momento, quais as soluções propostas para estes casos pelos VOLP em versão europeia.

Pergunta:

De acordo com as regras de regência verbal, os verbos morar e residir devem apresentar a preposição em posposta ao verbo.

Por exemplo: «Eu moro em Rio Preto.»

Gostaria de saber se essa regra é válida quando me refiro a um bairro, e não a uma cidade. Por exemplo:

«Eu moro em Jardim Maracanã» ou «Eu moro no jardim Maracanã».

Qual construção é correta?

E quando me refiro a um estado como o Acre, por exemplo?

«Eu moro em Santa Catarina» me parece uma construção correta, mas «Eu moro em Acre» soa estranho.

Agradeço desde já.

Resposta:

A pergunta que é feita não tem que ver com os verbos morar e residir, mas antes com o uso de artigo com topónimos. Já aqui nos referimos a este assunto, mas o critério geral é o de usar artigo se o substantivo que designa o lugar ou a região tem origem num substantivo comum: por isso se diz «moro no Rio» (cf. rio), mas «resido em Belém» (Belém é sempre substantivo próprio). No entanto, como já explicámos, há numerosas excepções a este critério, porque ocorrem exemplos contraditórios como «moro no Porto» e «moro em Porto Alegre» ou «moro no Rio de Janeiro» e «resido em Rio Preto». É, portanto, necessário saber qual é o uso corrente que se dá a esses topónimos, o qual pode ter consagrado a falta ou presença de artigo quando seria de esperar o contrário.

Quanto aos exemplos que aponta, direi o seguinte:

1. Não sabendo eu qual é o uso adoptado no Brasil ou na região brasileira, mesmo assim, parece-me correcta a expressão «Eu moro no Jardim Maracanã», mas é de admitir que, por se tratar de um bairro, isto é, uma zona urbana de certa extensão, se tenha disseminado o emprego da expressão sem artigo («estou em Jardim Maracanã»), na intenção de se diferenciar de um eventual Jardim Maracanã («estou no Jardim Maracanã»)1, que é mesmo um jardim, ou de a assemelhar a certos nomes de cidade («moro em S. Paulo»).

2. Apesar de não ter origem num substantivo comum, Acre usa-se com artigo (cf. Dicionário Houaiss, que define acriano «como relativo ao Estado do Acre ou o que é seu natural ou habitante»).

1 Em Portugal, em consonância com o

Pergunta:

A palavra "vantajosidade" existe e está correta? Li essa palavra em vários artigos de direito, no entanto, não a achei no dicionário.

Grato.

Resposta:

A palavra não se encontra dicionarizada, mas consultas na Internet revelam que é usada em textos de natureza jurídica procedentes do Brasil. Embora seja uma palavra bem formada (deriva de vantajoso, tal como solidariedade deriva de solidário), não vejo a sua utilidade, até porque a sua leitura composicional é redundante ou mais propriamente tautológica: se vantajoso é «aquilo que tem vantagem», então "vantajosidade" significa «qualidade/propriedade daquilo que tem vantagem», donde se conclui que tal qualidade só pode ser vantagem. Por conseguinte, recomendo apenas a palavra vantagem.