Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O adjectivo superveniente usa-se com a/à, ou pode usar-se também com com?

Resposta:

A regência de superveniente, «que vem depois, subsequente», é construída com preposição a, como atesta o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (São Paulo, UNESP, 2004): «A cláusula foi revista em razão de factos supervenientes à assinatura do contrato.»

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem esta dúvida:

Por exemplo, diz-se «máquina de frutas», «máquina de sumos» ( estas com um sentido geral), mas porquê «máquina de café» e não «máquina do café» (quando esta é mais específica)?

Obrigada desde já.

Resposta:

Diz «máquina de café», como diz «máquina de sumos», porque se trata de uma máquina de «fazer café» ou «fazer sumos», sem artigo, porque esses substantivos se referem a bebidas sem as quantificar, especificar ou retomar em discurso. Não vejo, portanto, que haja maior especificidade em «máquina que faz café» do que «em máquina de fazer sumos».

Note que «máquina de café», «fazer café» e «comprar café» referem-se a um produto ou uma matéria indiferenciada, como «farinha» na expressão «juntar farinha». A palavra café leva artigo se quisermos mencioná-lo como produto diferenciado de outro («o café é mais aromático do que o chá»), quando se pretende referir o momento em que se bebe café («máquina usada no momento do café») ou quando se trata de uma máquina identificada em discurso como pertencente a um café, «estabelecimento onde geralmente se servem bebidas, acompanhadas ou não de bolos e sanduíches».

Pergunta:

No âmbito de um trabalho para a disciplina de Sociologia da Educação, analisei um texto de Manuel Pinto e Sara Pereira ("As crianças e os media: discursos, percursos e silêncios"), no qual encontrei as palavras "mediocêntrico" e "sociocêntrico". Podem explicar-me os significados destas palavras, que não consigo encontrar?

Muito obrigada.

Resposta:

Os termos em questão são neologismos e, pela análise dos seus elementos constituintes, propõem-se os seguintes significados:

mediocêntrico (medio-, «relativo a media» + cêntrico): «que está centrado nos media (= meios de comunicação social; mídia no Brasil)»;

sociocêntrico (socio-, «relativo à sociedade ou a grupo» + cêntrico): «que está centrado na sociedade ou num grupo».

Note-se que estes neologismos seguem geralmente o modelo de egocêntrico («centrado em si próprio»).

Pergunta:

É mais correcto dizer «roupa "enrodilhada"», ou «roupa "encorrilhada"», se é que ambas significam «roupa com rugas»?

Muitos parabéns pelo projecto.

Obrigada.

Resposta:

É realmente a mesma coisa na prática. Contudo, é de notar que enrodilhado e encorrilhado são adjectivos com origem nos particípios passados dos verbos enrodilhar e encorrilhar, respectivamente. Estes verbos não têm exactamente o mesmo significado: enrodilhar é o mesmo que «deixar enrugado», enquanto encorrilhar é «deixar enrolado, complicado» (ver dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora). Além disso, parece que a distribuição geográfica dos verbos não é a mesma: segundo o Dicionário Houaiss, encorrilhar é regionalismo minhoto, pelo que enrodilhar terá também a característica de ser termo mais corrente entre todos os falantes do português europeu. Sendo assim, direi que actualmente, em português europeu, enrodilhado e encorrilhado são sinónimos, embora esta relação seja resultado de diferentes percursos históricos e morfológicos.

Pergunta:

Gostaria da vossa ajuda no esclarecimento da seguinte dúvida:

Está correcto dizer-se «A dose inicial do medicamento é 10 mg», ou deverá dizer-se «A dose inicial do medicamento é de 10 mg»?

Agradeço já a vossa atenção.

Resposta:

Pode dizer de três maneiras:

a) «A dose inicial do medicamento é 10 mg.»

b) «A dose inicial do medicamento são 10 mg.»

c) «A dose inicial do medicamento é de 10 mg.»

Há uma diferença entre a) e b), por um lado, e c), por outro. No primeiro caso, há uma identificação ente duas expressões nominais, ou seja, entre «dose» e «10 mg»: nas frases, que também são chamadas equativas ou identificacionais, diz-se que «uma dose» é o mesmo que «10 mg» (neste tipo de frases, o verbo ser concorda geralmente com o predicativo do sujeito, se este for realizado por uma expressão nominal no plural). No segundo, a função de «de 10 mg» é atributiva, uma vez que permite especificar o valor da dose: do ponto de vista sintáctico, «de 10 mg» é equivalente a um adjectivo: «a dose é grande».