Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Aparece em algumas respostas do Ciberdúvidas a rejeição da palavra controlo, preferindo-se, por exemplo, verificar. Tenho, no entanto, de discordar em parte. A palavra controlo, nas áreas de engenharia e tecnologia, tem um significado complexo e "representa" um processo de várias etapas: verificação, processamento, decisão e acção. E assim sucessivamente e ciclicamente. Ou seja, não fará sentido dizer «estou à janela a controlar o trânsito», uma vez que não tenho a capacidade de parar ou mover os automóveis. Mas fará sentido dizer que o polícia de trânsito está a "controlar", uma vez que verifica o fluxo de automóveis das várias vias, pensa, decide e ordena que uns parem e outros avancem.

Gostaria de saber a vossa opinião quanto à utilização de "controlo" no sentido que eu referi.

Obrigado.

Resposta:

Agradecemos o seu reparo, mas convém assinalar que o que se condena é o uso não especializado de controlar. Claro que, no seu sentido rigoroso, só se fala de controlo a propósito da pessoa a quem foi dada ou se reconhece capacidade para efectuar esse controlo.

Pergunta:

«Cuidados de saúde primários», ou «cuidados primários de saúde», qual é a forma gramaticalmente correcta e porquê? E no caso de «cuidados de saúde secundários ou terciários», não deveria ser «cuidados secundários ou terciários de saúde»?

Grato por qualquer esclarecimento que me possam prestar.

Resposta:

Digamos que a pergunta se refere mais à adequação lógico-semântica do que à correcção gramatical. Considerando que «cuidados de saúde» se comporta geralmente como uma unidade, é, pois, mais correcto usar o adjectivo primário depois de toda a expressão, uma vez que esta a qualifica globalmente.

Pergunta:

«Mais de um aluno veio ao evento.»

«Mais de um aluno vieram ao evento.»

Qual das opções está correta?

Resposta:

Transcrevo o que diz Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 560; foram desenvolvidas as siglas relativas à autoria dos exemplos):

Depois de «mais de um», o verbo é em geral empregado no singular, sendo raro o aparecimento de verbo no plural:

«... mais de um poeta tem derramado...» [Alexandre Herculano, Fragmentos Literários, Rio de Janeiro, Sauer, pág. 155]

«Mais de um coração de guerreiro batia apressado...» [idem, pág. 169]

«Sei que há mais de um que não se envergonham dela» [idem, pág. 169]

A concordância no singular com a construção «mais de um» é confirmada por Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 497) e por Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora Unesp, 2003).

Pergunta:

Com a entrada em vigor do acordo ortográfico, ortóptica não se deveria passar a escrever ortótica?

Agradecendo antecipadamente a atenção dispensada.

Resposta:

Seria de esperar que se escrevesse ortótica, porque, em Portugal, o segundo elemento constituinte deste composto terá a grafia ótica, perdendo o p mudo, conforme a Base IV, I, alínea c) :

c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;[...]1

Nesta conformidade, e visto que o p de óptica não tem correspondido à pronúncia de nenhuma consoante, os vocabulários ortográficos portugueses — Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora, e Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), do ILTEC — registam ótica, e não óptica, como forma a adoptar em Portugal.2

Com ortóptica, no entanto, os vocabulários ortográficos portugueses não aplicam o mesmo critério, porque a forma consignada quer no

Pergunta:

Segundo a base IX, ponto 4, do texto do novo Acordo Ortográfico: «É facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do indicativo, do tipo amámos, louvámos, para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos), já que o timbre da vogal tónica/tônica é aberto naquele caso em certas variantes do português.»

Pergunta 1: A colocação facultativa deste acento restringe-se a um determinado espaço geográfico (Brasil, por exemplo), ou é para todos os países lusófonos?

Tenho lido opiniões que defendem que a possibilidade de não colocar este assunto distintivo é apenas para o Brasil. Custa-me a crer que seja assim, uma vez que no Norte (aqui é com maiúscula, não é?) do país é frequente o timbre fechado para ambos os tempos: presente e pretérito perfeito.

Pergunta 2: O Acordo Ortográfico consagra, entre muitas outras, a dupla grafia infeccioso/infecioso. Em Portugal, podemos escolher usar uma ou outra (como em sector/setor)?

Que instrumento de consulta me sugerem para esclarecer, no caso das duplas grafias, qual o espaço geográfico onde se aplica cada uma delas?

Antecipadamente agradecido pela atenção.

Resposta:

O texto do Acordo Ortográfico de 1990 é omisso sobre a distribuição regional de pares de formas facultativas, pelo que se depreende que a facultatividade em causa seja generalizável a todo o espaço de língua portuguesa. Uma opção dos vocabulários ortográficos recentes é registar as duas formas ou dar relevo a uma delas, fazendo acompanhar o outro membro do par de uma nota que o atribui à norma do Brasil. Por exemplo, nas formas de 1.ª pessoa do pretérito perfeito do indicativo dos verbos regulares da 1.ª conjugação, regist{#|r}am-se as duas variantes: cantámos/cantamos (caso do Vocabulário Ortográfico do PortuguêsVOP — do ILTEC).

Quanto ao par infecioso/infeccioso, os vocabulários ortográficos do português europeu seleccionam infecioso: o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora regista apenas infecioso, enquanto o VOP apresenta infeccioso como forma brasileira, a par de infecioso, que se depreende seja a forma preferível em português de Portugal.

Os instrumentos de consulta para dirimir estas dúvidas são, claro está, as fontes aqui referenciadas.