Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de começar por agradecer o excelente trabalho que fazem, pois ajuda-me e muito a esclarecer algumas dúvidas que tenho quanto a termos em inglês ou mesmo na nossa língua portuguesa.

Agora tenho um pequeno problema, estou a traduzir algo mas não sei como pôr os termos softcopy e hardcopy, se é que têm alguma tradução para português.

A frase em si é: «Get a fact sheet put together and hand in both soft copy and hard copies.»

Não consigo encontrar em parte alguma do site softcopy ou hardcopy.

Desde já agradeço a vossa atenção e ajuda.

Continuem a fazer o excelente trabalho que fazem.

Resposta:

Em nome do Ciberduvidas, agradeço as palavras inciais.

O termo hardcopy é maioritariamente traduzido por «cópia impressa» no sítio Linguee, que não acolhe traduções de softcopy. Esta palavra, no entanto, encontra vários equivalentes em documentos disponíveis na Internet: «cópia digital», «cópia em formato digital», «cópia em suporte digital». Todas estas expressões estão correctas em português e são adequadas à designação do tipo de documento em causa.

Pergunta:

Desde há algum tempo procuro compreender a etimologia da palavra homocedástico.

Encontrei no Ciber a entrada 5268, a qual não responde à minha dúvida, uma vez que aborda apenas o assunto na perspectiva da grafia correcta do pref. grego homo.

Ora, a minha dúvida vai para além desse aspecto e respeita à etimologia da palavra. Como se formou? De homo + ceda + ástico? De homo + cesdaste + ico? Em todo o caso, causa-me estranheza e não imagino qual possa ser a forma da palavra primitiva que está na base da formação.

Os meus agradecimentos.

Resposta:

A palavra está registada no Dicionário Houaiss como homoscedástico, «que apresenta a mesma variação ou dispersão; que tem a mesma variância», termo que provém do «ing[lês] homoscedastic, "que tem padrão igual de variações estatísticas", do gr. homós, ê, ón, "semelhante, igual" + gr[ego] tar[dio] skedastikós, "capaz de espalhar" < skedastós, ê, ón, "capaz de ser espalhado, dispersado" < v[erbo] gr[ego] skedázó ou skedánnumi, "espalhar, dispersar"».

Dir-se-ia, portanto, que a forma homocedástico está incorrecta. Não é bem assim que acontece, porque, tratando-se de palavra de origem grega, é necessário atender a certos critérios na passagem ao português. Com efeito, em M. ª Helena T. C. Ureña Prieto et al., Do Grego e do Latim ao Português (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995, p. 70), estipula-se que nos casos «[...] em que o grupo σκ- vem seguido de ε, η, ι ou υ [...], verifica-se a queda do σ inicial em português.

σκεπτικóς    *scepticus     céptico

Σκηνή          scena          cena

Σκύθαι &#x...

Pergunta:

Em salarium > salariu > salário, para além da apócope, que outro fenómeno acontece?

Resposta:

A palavra foi transmitida por via erudita e, por isso, não sofreu fenómenos fonéticos característicos da fase medieval da língua, como seja a queda do -l- intervocálico (malu- > mau). Mas podem referir-se dois outros processos, um, provavelmente já antigo, e outro, comparativamente mais recente:

a) o provável avanço da vogal final que passou de -u em latim para -o, pelo menos até meados do período medieval, processo que ainda hoje é testemunhado pela grafia (escreve-se salário, e não "saláriu");

b) mais recentemente, talvez a partir do século XVIII, o processo de elevação do vocalismo átono no português europeu, afectando não apenas a vogal em posição átona final, como explicado em a), mas estendendo-se às vogais das sílabas pré-tónicas — daí a pronúncia [u] do grafema o e o "a" átono da primeira sílaba, que é átona (transcrição fonética [sɐˈlaɾiu] ou [sɐˈlaɾju]).

Pergunta:

Gostaria de saber como se deve escrever, seguindo a nova ortografia – com hífen: «O melhor hotel-fazenda de São Paulo», «os melhores hotéis-fazenda», ou sem hífen: «hotel fazenda», «hotéis fazenda»?

Muito obrigada.

Resposta:

O dicionário Aulete Digital acolhe apenas a forma hifenizada: hotel-fazenda, «estabelecimento hoteleiro construído em uma fazenda, ger. no campo, com várias atividades próprias para recreação de seus hóspedes». Compreende-se que assim seja, porque se trata de uma sequência de dois substantivos que funcionam como uma unidade lexical, e porque se aplica sempre o hífen a compostos formados por dois substantivos (por exemplo, sofá-cama, criança-soldado, Estado-membro).

Pergunta:

Gostava de saber qual das expressões está correcta: «círculo infernal», ou «ciclo infernal»?

Resposta:

Depende muito do que se pretende dizer:

a) se a intenção é referir um período caracterizado, por exemplo, por condições adversas, isto é, infernais, fala-se em «ciclo infernal». Ex.:

«Actualmente, vivemos num ciclo infernal.»

b) se o objectivo for referir, por exemplo, determinada configuração espacial, descrita como ameaçadora ou trágica, então aceita-se «círculo infernal». Ex.:

«Os bombeiros viram-se encurralados num círculo infernal de chamas.»