Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a diferença entre dialecto e pronúncia? É só a diferença da fonia e pronunciação utilizada por um determinado tipo de população no diálogo, ou envolve também o campo lexical?

Ex.: o inglês americano tem uma pronúncia diferente do inglês britânico? Ou na zona do Porto existe um dialecto diferente do de Coimbra, existindo também uma pronunciação diferente das palavras, ou simplesmente a pronúncia faz parte do dialecto?

Resposta:

A pronúncia não é o mesmo que dialecto, é antes uma das dimensões que definem um dialecto por oposição a outros. Quer isto dizer que os dialectos se diferenciam entre si não apenas pela pronúncia mas também por níveis linguísticos como o léxico, a morfologia, a sintaxe e a semântica.

Dizemos assim que o inglês americano tem não só características fónicas (a chamada pronúncia) diferentes das do inglês-padrão britânico, mas também outras especificidades no léxico e na sintaxe que ou não se encontram na norma falada no Reino Unido ou ocorrem aí com menos intensidade. O mesmo se diz acerca dos contrastes dialectais entre falantes de Porto, Coimbra ou Faro: podem apresentar, além de traços fónicos — troca do v pelo b dos portuenses, a pronúncia "espêlho" dos conimbricenses, o "nã sei" de muitos farenses —, usos lexicais, morfológicos, sintácticos que são típicos da regiões onde se situam essas cidades — aloquete em vez de cadeado no Porto, testo em vez de tampa na zona coimbrã, o gerúndio flexionado no distrito de Faro («em tu chegandos»).

Pergunta:

O topónimo Aguiar deve ascender a épocas muito remotas. (Ex.: «Rua de Aguiar», «lugar de Aguiar».)

Penso que uma das formas antigas é "guear".

Qual a origem deste topónimo?

É muito comum em Portugal?

Resposta:

Se o nome em questão for o mesmo que ocorre como designação de várias povoações portuguesas, galegas e brasileiras, trata-se um nome derivado de «[de] águia e significa "local habitado por águias" ou outra ave de rapina, em particular o "abutre" (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Tendo em conta que em Espanha, em regiões de fala castelhana ou leonesa, existe o topónimo Aguilar, presume-se que em Aguiar, como em águia, se tenha também verificado a queda de -l- intervocálico latino (AQUILA > águia), fenómeno característico dos dialectos galego-portugueses até ao século XII.

Contudo, se Aguiar se relaciona historicamente com a forma Guear, tal como se documenta na região de Fafe (Braga), propõe-se outra etimologia, como faz Machado (op. cit.): «Talvez de Viduarii (villa), genitivo de Viduarius, antr[opónimo], provavelmente de origem germânica.»

Pergunta:

Gostaria saber qual é a abreviatura de mestranda.

Aguardo.

Resposta:

Não encontro abreviatura de uso generalizado, penso que pela razão de não se tratar de um título académico, mas, sim, de uma situação conducente à obtenção de grau académico. Também não sei de abreviatura relativa ao caso paralelo de doutorando, isto é, de quem está a fazer um doutoramento.

No entanto, se a pergunta se refere à abreviatura da palavra mestre, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (edição impressa), da Academia Brasileira de Letras, regista M.e, para Mestre, e M.ª para Mestra.

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia e o significado dos radicais super, hiper e mega. Há uns dias disseram-me que hiper e super são sinónimos. Será verdade?

Resposta:

Super-, «posição em cima, excesso», e hiper-, «posição superior, excesso», não são radicais, são prefixos, isto é, afixos «que se associa[m] à esquerda de uma forma de base» (Dicionário Terminológico). Trata-se de prefixos que correspondem a palavras de línguas aparentadas, respectivamente, o latim super e o grego hupér, de significado equivalente e com a mesma etimologia — o indo-europeu *uper-, «sobre». Em português, porém, hiper- é usado como intensificação de super, conforme se lê no Dicionário Houaiss: «[em relação a super] representa, modernamente, um nível quantificador acima, inclusive nos usos ad hoc, reverentes ou pilhéricos (supermulher:hipermulher; supersensível:hipersensível; superexcitável:hiperexcitável). Assim se explica a diferença entre hipermercado e supermercado.

Quanto a mega-, «grande» (Dicionário Houaiss), embora não tenha origem preposicional, aparece também descrito como prefixo por Alina Villalva num dos capítulos que esta linguista dedica à morfologia do português na Gramática da Língua Portuguesa<...

Pergunta:

Sabemos pelos muitos gramáticos que o advérbio não modifica pronomes senão verbos, adjetivos, outros advérbios ou uma oração inteira, mas na frase «Ele tem muito pouco estudo», o muito está modificando o pronome indefinido pouco. Afinal, o advérbio pode, ou não, modificar pronome?

Grato!

Resposta:

Trata-de uma armadilha da terminologia gramatical usada no Brasil (cf. Nomenclatura Gramatical Brasileira). Os advérbios podem modificar pronomes adjectivos, que, por sua vez, são aqueles que, à semelhança dos adjectivos, acompanham substantivos — como é o caso de pouco, que modifica estudo em «pouco estudo».