Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Peço um esclarecimento sobre o uso correto dos substantivos e adjetivos nas frases que se seguem:

Os nazis atacaram. Os nazistas atacaram. Ele defende os valores nazis. Ele defende os valores nazistas.

(Li a entrada sobre «nazi» e «nazista», mas não percebi se se referia ao Português de Portugal ou à variante brasileira.)

Os liberais atacaram. Os liberalistas atacaram. Ele defende os valores liberais. Ele defende os valores liberalistas.

Obrigado pela atenção.


Resposta:

Nazi e nazista significam o mesmo, sendo estes sinónimos classificados quer como substantivos quer como adjectivos (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Há quem recomende nazi apenas como substantivo («a doutrina dos nazis»), reservando nazista para usos adjectivais («a doutrina nazista»), mas esta diferença não é confirmada pelos dicionários consultados (o referido dicionário da Academia, a versão em linha do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), pelo que é de aceitar também nazi na expressão «doutrina nazi».1

Quanto a liberal, se for usado como substantivo, é sinónimo de liberalista, na acepção de «partidário do liberalismo»:

(1) «Os liberais/liberalistas atacaram.»

Como adjectivo, liberal tem acepções diferentes das de liberalista: «que gosta de dar; generoso, tolerante; largo de espírito», «que é partidário da liberdade política, económica, religiosa, etc.», «que convém a um homem livre», «diz-se da profissão de caráter intelectual e independente» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, versão em linha).  

Liberalista pode também ser usado como adjectivo, mas apenas com o signi...

Pergunta:

Atualmente estou a fazer um trabalho onde tenho de encontrar os diferentes regionalismos entre o Ribatejo e Coimbra, mas apenas encontro meia dúzia de palavras.

Será que me poderiam indicar alguns?

Resposta:

Uma consulta do Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições D. Quixote, 1994), de G. Augusto Simões, permite recolher os seguintes regionalismos e respectivos significados (letras A a C):

1. Coimbra (sobretudo vocabulário da gíria dos estudantes de Coimbra)

à futrica, «termo usado em Coimbra para todos aqueles que não estão vestidos de capa e batina» (Univ. Coimbra)

agarrar-se ao verbo, «estudar» (Univ. Coimbra)

atravessadeira, «mulher que às portas da cidade compra géneros destinados ao mercado, revendendo-os neste por maior preço do que se os fornecedores os expusessem directamente à venda»

barbatana, «queixas» (Univ. Coimbra)

chasca, «casa de penhores» (Univ. Coimbra)

2. Ribatejo (inclui termos do minderico, falar ou gíria de Minde, Alcanena)

bairêa (minderico), «habitação

boneca, «o mesmo que suporte para candeeiro» (Coruche)

cabação, «pimento grande» (Chamusca)

Pergunta:

A noção e a relação de período, frase e oração, comummente aceites, são um equívoco.

O período é do nível textual. Quando descemos ao nível da sintaxe, o período sai de cena e entra a frase, entendida como oração. Esta é que é o objecto específico da análise sintáctica. O período limita-se a ser simples ou composto, conforme tem uma ou mais frases/orações. Quando dizemos que alguém escreve frases muito longas, deveríamos dizer períodos muito longos, porque estamos a fazer análise textual e não análise sintáctica.

Incoerentemente, quem identifica frase com período define-os de forma diferente, aproximando muito mais a frase da oração do que do período. A pobre da frase anda aos trambolhões entre o período e a oração, porque ninguém lhe delimita o âmbito como entidade significante. É tudo e não é nada!

Entendendo-se frase como período, no caso de ser composta por orações coordenadas, seria possível transformá-la em períodos, não acontecendo o mesmo no caso de ser composta por orações subordinadas. Então, como podem ser idênticas duas noções que nem sequer são reversíveis?

E não são reversíveis, porque o período pode ser composto, mas não complexo, enquanto a frase pode ser complexa, mas não composta. O período pode ser simples ou composto; a frase só pode ser simples ou complexa. Ao identificarmos frase com período, deixamos de ter a possibilidade de distinguir frase complexa de frase composta, que são coisas muito diferentes. Ou seja, confundimos orações complexas com um complexo de orações.

Todo este imbróglio resulta de um erro muito frequente nos gramáticos, que é a mistura dos planos, o erro de perspectiva. Neste caso, misturam o último degrau da estrutura textual (o período) com primeiro da estrutura sintáctica (a frase).

Os critérios enunciados pelo consulente são claros e fazem todo o sentido. Só tenho dúvidas quanto a eles serem definidos tal como se pretende generalizá-los no ensino básico e secundário em Portugal. Pelo sim, pelo não, recordo a definição dos termos frase, oração e período no Dicionário Terminológico:

frase: «Enunciado em que se estabelece uma relação de predicação, que contém, no mínimo, um verbo principal, podendo ainda incluir elementos como o sujeito, complementos seleccionados, predicativos e eventuais modificadores

oração: «Designação tradicional para os constituintes frásicos coordenados e subordinados contidos em frases complexas

período: «Cada uma das partes constituintes de um

Pergunta:

Consultei [...] esta resposta.

Talvez pelo facto de as minhas línguas maternas — o espanhol e o catalão — estarem muito sistematizadas, em grande parte para facilitar a vida de quem escreve, não pude, depois de ler a mencionada resposta, deixar de me perguntar se tem algum sentido escrever "cor-de-rosa" com hífen e "cor de laranja", "cor de tijolo" ou "cor de vinho" sem o mesmo. Pessoalmente, acho que não e apenas confunde e dificulta a vida, para além de me parecer completamente arbitrário, mas gostaria de saber a sua opinião de linguistas especialistas em português, que vêem a língua desde dentro, e não de fora como eu.

Muito obrigado.

Resposta:

Quem se preocupa com o carácter sistematizado — para aproveitar o termo do consulente — da ortografia do português (a qual tem uma história institucional a vários títulos diferente da espanhola ou da catalã) também se vê em dificuldades ao procurar perceber o critério de aplicação do hífen em cor-de-rosa e da sua ausência em cor de vinho no n.º 6 da Base XV do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 1990), sobre locuções que incluem elementos de ligação (p. ex., fim de semana, sala de jantar).1

Acontece que tal critério, enunciado de forma simplificada no AO 1990, mantém afinal um preceito já antigo, existente na Base XXVIII do Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945), onde se distinguiam os compostos hifenizados «em que o conjunto dos elementos, mantida a noção da composição, forma um sentido único ou uma aderência de sentidos» (exemplos: «água-de-colónia, arco-da-velha, bispo-conde, brincos-de-princesa, cor-de-rosa (adjectivo e substantivo invariável)...») das locuções do vocabulário comum, que incluem as «[...] locuções adjectivas: cor de açafrão, cor de café com leite, cor de vinho [...]». A diferença entre cor-de-rosa e cor de vinho era, portanto, semântica, como explica com mais pormenor Rebelo Gonçalves no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa&#...

Pergunta:

Está completamente errado escrever designadamente entre vírgulas?

Resposta:

Não, sobretudo porque há expressões sinónimas empregadas entre vírgulas.

Normalmente este advérbio, como nomeadamente, é usado sem vírgula à direita, «[...] para acrescentar informações mais específicas, detalhadas ou pormenorizadas ao que acabou de ser dito» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa»):

1. «[A] caça a cavalo foi proibida em numerosos países da Comunidade Europeia, designadamente na Alemanha, na Grécia, na Itália, na Holanda, na Dinamarca e no Grão-Ducado do Luxemburgo» (idem).

Contudo, verifica-se que existem locuções sinónimas que podem ser usadas entre vírgulas — por exemplo, «em particular»:

2. «As palavras foram dirigidas, em particular, aos correspondentes da imprensa estrangeira» (Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho).

Outra locução semanticamente próxima, «em especial», ocorre habitualmente entre vírgulas:

3. «A ementa do jantar foi escolhida, em especial, para os convidados estrangeiros» (idem).

4. «Tal situação exige do Governo e, em especial, desta Secretaria de Estado, uma dinamização e um espírito novo.»

Note-se que o valor semântico de designadamente é ainda interpretável como próximo do de «por exemplo», que costuma aparecer depois e antes de vírgula:

5. «[A] caça a cavalo foi proibida em numerosos países da Comunidade Europeia, por exemplo, na Alemanha, na Grécia, na Itália, na Holanda, na Dinamarca e no Grão-Ducado do Luxemburgo.»

Assim:

a) quando pormenoriza uma expressão nominal, recomenda-se o uso de