Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual a regência do verbo analisar. Esta pergunta surge pois encontrei uma construção que não considero correcta. Não deveria ser «análise do clube» ao invés de «análise ao clube»?

Resposta:

O verbo analisar é um verbo transitivo directo, isto é, selecciona um complemento directo: «é preciso analisar o clube».

Convém não confundir este verbo com o substantivo que lhe corresponde, análise, que tem uma sintaxe própria. Assim, o substantivo análise tem geralmente um complemento, relativo à realidade que é objecto de análise, introduzido pela preposição de. Deve, portanto, dizer-se «análise de qualquer coisa» (neste caso «clube»). Observe-se, contudo, que é possível ocorrer a sequência «análise ao clube», num contexto como «fizeram uma análise ao clube», no sentido de «fizeram uma análise que diz respeito ao clube».

Pergunta:

Sei que as palavras formadas por derivação parassintética são verbos, mas o que eu quero realmente saber é: existem substantivos ou adjetivos formados por derivação parassintética? Se sim, como isso ocorre? Poderiam citar alguns exemplos, por gentileza?

Felicidades!

Resposta:

Parece haver muito poucos casos de substantivos e adjectivos formados por parassíntese (também chamada circunfixação). Num artigo de José Roberto de Castro Gonçalves, intitulado "A derivação parassintética: um desafio para os estudiosos da língua portuguesa" (José Pereira da Silva. ed. e org., Cadernos da Pós-Graduação em Língua Portuguesa, n.º 2, págs. 34-) lê-se:

«Geralmente, os prefixos que figuram nos parassintéticos têm um sentido dinâmico: embarcar (em–: movimento para dentro), desfolhar (des–: ato de separar); o que explica o fato de a maioria desses derivados serem verbos. Contudo, podemos encontrar, ainda que raramente, substantivos/adjetivos parassintéticos: é o caso de subterrâneo (considerando que subterra e terrâneo são formas inexistentes), bem como de conterrâneo, desalmado etc.»

É, no entanto discutível que os substantivos subterrâneo e conterrâneo sejam casos de parassíntese: por um lado, porque há quem queira ver neles casos de composição;1 por outro, porque se trata de palavras provenientes do latim por via erudita, o que significa que a sua análise morfológica se enquadra no latim, e não no português, que as tomou de empréstimo. Quanto a desalmado, verifica-se que se trata de uma forma participial que pressupões o verbo desalmar, atestado em dicionários (cf. Houiass), e, este sim, formado por parassíntese.

Resta, assim, o exemplo facultado por Alina Villalva, no capítulo que dedica à morfologia do português na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 952): trata-se de

Pergunta:

Quando usar abaixo ou «a baixo»?

Resposta:

Sobre a diferença entre o advérbio abaixo e a sequência de preposição e subatantivo «a baixo», transcreva-se o que diz Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003):

Usa-se, separadamente, a baixo quando a expressão equivale a para baixo (preposição e substantivo). Olhei-o pelas costas. De alto A BAIXO. [...]

Abaixo é advérbio que significa "em lugar menos elevado", "em situação inferior", "em descenso".

Pergunta:

Deparei-me com a palavra gramaticalmente; consequentemente, deparei-me também com uma dúvida: qual a maneira correcta? "Gramaticamente", ou "gramaticalmente"? O contexto em que a palavra se enquadra é o seguinte : «A criança deverá ser capaz de produzir frases gramaticalmente correctas, em todos os contextos.»

Obrigado.

Resposta:

O advérbio de modo mais usado é gramaticalmente, em consequência de a base de derivação ser gramatical, adjectivo que é mais frequente do que a forma adjectival gramático, considerado pouco usado (cf. Dicionário Houaiss). Claro que não me refiro a gramático, substantivo, na acepção de «indivíduo que contribui para a descrição e o conhecimento de uma língua, estudando e propondo novas análises e regras de uso para determinados aspectos daquela língua; linguista, filólogo» (idem), que tem emprego corrente.

Pergunta:

Qual é o gentílico de Hadramaute, região histórica do Sul da Península Arábica? Tenho encontrado 'hadramita', mas estou em dúvida, pois me parece palavra mal formada.

Muito obrigado.

Resposta:

O problema de formar ou identificar o gentílico correspondente ao nome da região em apreço começa logo no fa{#c|}to de haver, pelo menos, três formas atestadas: Hadramute, Hadramaut, Hadramaute.

A forma Hadramaute está registada no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (ver igualmente artigo da Wikipédia em português), mencionando-se aí Hadramute como variante, a qual, em contrapartida, é a única forma que tem entrada na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (GEPB). Hadramaut surge na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura Verbo, mas será variante menos afeiçoada aos padrões da ortografia portuguesa.

Não há gentílico respectivo fixado pelo uso. A GEPB apresenta "Adramita", sem o h, de Hadramaute/Hadramute, mas pode bem tratar-se de lapso, uma vez que não se costuma alterar a ortografia do radical correspondente ao nome geográfico em causa; ou seja, um natural do Haiti é um haitiano, forma que mantém o h da grafia do nome do país assim chamado. O lapso em causa pode ter sido favorecido pela existência das formas adramiteu e adramitenos, que designam um povo da antiga Anatólia (Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portugues...