Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Marmáride é o gentílico da Marmárica, antiga região entre a Líbia e a Cirenaica, funcionando como substantivo de dois gêneros e também como adjetivo. Neste último caso, parece ser também de dois gêneros.

Quanto a marmárico, gostaria de saber se o mesmo deve ser entendido apenas como adjetivo, ou como adjetivo e substantivo.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra marmáride é realmente usada como adjectivo e substantivo, com o significado de «relativo a ou habitante da Marmárica, região da Líbia, na África» (cf. Dicionário Houaiss e Aulete Digital). Já marmárico aparece registado apenas como adjectivo com dois significados: «que diz respeito à Marmárica, região da Líbia, entre o Egito e a Cirenaica», sinónimo de marmáride (Aulete Digital); e «do mar de Mármara» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

Refira-se que Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, regista não marmáride, mas marmárida, como adjectivo e substantivo dos dois géneros, e marmárico apenas como adjectivo. A forma com maiúscula inicial, Marmáridas, é também acolhida por este filólogo, que a classifica como etnónimo masculino plural.

Pergunta:

Já tinha visto a resposta 5161 antes de enviar a minha questão, no entanto a minha dúvida subsiste: é correcto alterar apenas o primeiro Y e manter o segundo?

Resposta:

O nome da cidade australiana, em inglês, é com dois yy: Sydney. Existe uma forma vernácula, Sídnia, que, no entanto, não conseguiu impor-se no uso. Por outras palavras, Sydney é o nome usado também em português.

Pergunta:

Quero saber a etimologia da palavra narrar.

Resposta:

O verbo narrar tem origem no verbo latino narro, as, āvi, ātum, āre, «contar, expor narrando, narrar, dar a saber», por sua vez derivado do adjectivo gnārus, a, um, «que conhece, que sabe» (Dicionário Houaiss). A raiz deste adjectivo remonta ao indo-europeu *gene-, *gno-, «conhecer», reconhecível no verbo latino «nōsco (antigo gnōsco, atestado pelos gramáticos e pelas inscrições), is, nōvi, nōtum, nōscĕre, "começar a conhecer, aprender a conhecer, tomar conhecimento; conhecer"» e identificável também no grego, por exemplo, em gnôsis, eós, «ação de conhecer, conhecimento, ciência, sabedoria», que está na origem do elemento -gnóstico, que integra a palavra diagnóstico. Refira-se ainda que o verbo inglês to know tem origem na mesma raiz indo-europeia.

Pergunta:

Quando queremos referir um espaço temporal, por exemplo, de 1935 a 1950, devemos escrever 1935-1950, ou 1935 – 1950? Devemos optar pelo hífen, ou pelo travessão?

Obrigada.

Resposta:

Quando se trata de intervalos expressos por números relativos aos anos ou a páginas de um livro, usa-se o hífen. Escreve-se, portanto, «a guerra de 1914-1918» ou «o período de 1935-1950», tal como se escreve «o conteúdo das pp. 20-25» (também é possível «o conteúdo das págs. 20-25»).

Pergunta:

Uma Aventura na Ilha de Timor, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Editorial Caminho, Lisboa, 2011, página 107.

Passo a citar o excerto para análise:

— Ele paga-me! Ele paga-me! É só deitar-lhe a mão e vocês vão vê-lo a ganir.

— Cuidado, chefe! Não convém que nos ouçam!

O mecânico também ficara piurso por ter sido inútil a sua habilidade.

— Conte comigo para o desfazer assim que o encontrar.

A questão é: neste contexto, o que significa realmente o adjectivo "piurso"? Esta palavra encontra-se aceite na língua portuguesa? Será um neologismo? Consultei o dicionário de língua portuguesa da Texto Editora, de 2006, mas a palavra não se encontrava lá registada. Gostaria que os senhores me pudessem esclarecer.

Grato pelo comentário possível.

Resposta:

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa acolhe piurso como palavra do registo informal do português europeu, com o significado de «muito zangado, chateado» e sinónimo de furioso. Guilherme Augusto Simões (Dicionário das Expressões Populares Portuguesas, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1993), também dá entrada a piurso, atribuindo-lhe o sentido de «pior que urso». Esta acepção,  leva-me a sugerir que a palavra foi criada como amálgama de uma expressão metafórica («ficar muito zangado» = «ficar pior que um urso»), mas tom-se o que digo como mera hipótese, que não encontro confirmada nem infirmada em nenhuma fonte. Não se trata, porém, de neologismo: é antes vocábulo característico do português europeu familiar e popular.