Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Podemos considerar fruto como fazendo parte da área vocabular de flor?

Resposta:

Já aqui se disse que área vocabular é um termo ambíguo, que tanto pode significar campo lexical (ou semântico)1 como família de palavras. Deste modo, se  entendermos área vocabular como sinónimo de família de palavras, diremos que fruto não se associa com flor, porque estes vocábulos não se relacionam nem morfológica nem etimologicamente: flor não é base de derivação de fruto, nem existe um étimo2 que lhes seja comum. Se o termo em questão for o mesmo que campo lexical, então, sim, pode-se dizer que fruto e flor se relacionam, porque estão associados a um mesmo conceito ou noção, neste caso, «planta».

1 Certas propostas não fazem distinção entre campo lexical e campo semântico. O Dicionário Terminológico, concebido para acompanhar o ensino da gramática no ensino básico e secundário em Portugal, põe estes termos em correspondência com conceitos diferentes: campo lexical é um «conjunto de palavras associadas, pelo seu significado, a um determinado domínio conceptual» (p. ex., «"jogador", "árbitro", "bola", "baliza", "equipa", "estádio" fazem parte do campo lexical de "futebol"», ibidem) e campo semântico, um «conjunto dos signifi...

Pergunta:

Qual é a forma correcta: «em Canidelo», ou «no Canidelo»?

Resposta:

«Em Canidelo.»

Oficialmente, o topónimo Canidelo, que é nome de duas freguesias no Norte de Portugal (uma no concelho de Vila Nova de Gaia, e outra no de Vila do Conde), usa-se sem artigo, como mostram os seguintes exemplos retirados das páginas dos sites das respetivas câmaras:

1. «Nos nossos dias, Canidelo já não é um manto de retalhos, constituída por vários lugares, mas um serpenteado de ruas, ruelas e ilhas, tudo ligado já sem um cunho próprio» (em http://www.canidelo.net/toponimia.htm, consulta em 28/04/2012).

2. «A referência mais antiga que se conhece à freguesia de S. Pedro de Canidelo é a das Inquirições de D. Afonso III, 1258» (em http://www.freg-canidelo.com/index.php?option=com_content&task=view&id=15&Itemid=34, consulta em 28/04/2012).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem do topónimo Aveneira. É um topónimo algo comum, mas não consigo encontrar uma fonte fiável da origem do mesmo. Já o vi associado a avelã e a aveia. Qual o mais correcto?

Resposta:

O topónimo Aveneira deve estar relacionado com avelã, e não com aveia. A sequência ou radical aven- é comum a Avenal, que José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) localiza nos concelhos de Alenquer, Cadaval, Caldas da Rainha, Condeixa-a-Nova, Oliveira de Azeméis e faz remontar a Avelanal.

Terão também a mesma etimologia Avenosa e Avenoso, que o referido etimólogo também regista (idem) e liga a Avioso, «do ant. Auenoso [...] este de *Avenaloso", remetendo esta explicação para J. Leite Vasconcelos. Este, sobre o assunto, diz o seguinte (Opúsculos, vol. III):

«[...] Avenalaria é metátese de Avelanaria, assim como Avenoso está por *Avenaloso, que se tornou Avẽloso: de Avẽloso veio Avenoso, como de ẽlo veio eno [no na língua moderna] na língua arcaica. Do mesmo modo se há-de explicar Avenal e Aveneda na toponímia moderna. Avenal está por Avelanal>*Avenalal>Avẽlal; o mais natural seria termos aqui o sufixo -ar [...], mas também há Avelar a par de Avelal. Como Avenal se produziu Aveneda

Sendo assim, proponho que Aveneira remonte a Avelaneira, mediante *Avenaleira, *Avẽleira, da qual procede a forma em questão, Aveneira.

Assinale-se que estes topónimos com radical ave...

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem se é correta a inserção do que na seguinte frase: «Desde o ano passado (que) tem havido aqui muitos problemas.»

Se é correta, como classificar este que? Não pode ser conjunção, uma vez que não há duas orações, e também não é pronome.

Resposta:

Trata-se do chamado "que excessivo". Sobre este assunto, já existem várias respostas (ver Textos Relacionados: Que excessivo em «faz dois anos que»).

Pergunta:

Na frase «O homem trabalhador é mais feliz», o adjetivo trabalhador pode integrar-se na subclasse dos relacionais?

Esta dúvida surge após termos constatado que não pode ser colocado numa posição pré-nominal mas pode apresentar variação em grau.

Resposta:

Trabalhador não é um adjetivo relacional, porque não «instancia uma relação de agente ou posse relativamente ao nome» (cf. Dicionário Terminológico) que constitui a sua base de derivação. Por outras palavras , em contraste com «invasão americana» (cf. idem), parafraseável por «invasão organizada pelos americanos» ou «invasão dos americanos», «trabalhador» em «homem trabalhador» não é equivalente a «trabalho feito por um homem» ou «homem do trabalho», mas, sim, a «homem que trabalha (muito)».

É de facto agramatical a sequência *«trabalhador homem» (* = agramaticalidade), se com isto se quer significar «homem que é trabalhador». Mas a impossibilidade de empregar trabalhador antes do nome que modifica não é só por si indicativa de adjetivo relacional. Note-se, além disso, que trabalhador admite a variação em grau — «homem muito trabalhador» —, o que não acontece com americano em «invasão americana»: *«invasão muito americana»1.

1 Americano só admitirá flexão em resultado de um processo de intensificação que tem em vista a interpretação «tipicamente americano» ou «repleto de americanos»: «o ambiente era muito americano».