Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No meio do ambiente acadêmico no curso de Ciência da Computação, deparo-me intermitentemente com o aportuguesamento da palavra inglesa correctitute para "corretude" e, pesquisado por todos os dicionários e por este fórum, percebo que não é, ao menos ainda, uma palavra oficial da língua portuguesa (nesta concepção). Defendo veementemente o uso de correção/correcção neste contexto, mas minhas preocupações são desdenhadas amiúde. Deparei-me, então, com outra palavra: "corretismo", que me soa um tanto confusa. Seria tal tradução a mais adequada de correctitude? Sei que esta é formada da fusão de correct e rectitude, o que nos levaria à formação da palavra "corretitude", fundindo, pelo mesmo princípio, correto + retitude ou corretidão, de correto + retidão; no entanto, nenhuma destas foi concebida. Deixando isto de lado, não pude deixar de notar uma certa semelhança de "corretismo" e "correctitude", essa, sim, registrada por alguns dicionários. Gostaria de opiniões mais bem fundamentadas a respeito destes três possíveis neologismos.

 

Resposta:

As áreas de especialidade são favoráveis à criação de numerosos neologismos, dada a necessidade de criar palavras unívocas que designem sem ambiguidades as realidades que são objeto de investigação. Se optar por correção, certamente que se consegue respeitar os padrões tradicionais do português, mas perde-se por causa da ambiguidade da palavra. Mas quanto a saber se as formas neológicas propostas estão corretas, é necessário ter em conta que não se pode falar em regras fixas neste domínio, nem se pode dizer que em tradução há sempre uma solução correta por oposição às demais, supostamente incorretas.

Neste contexto, confirmo que corretismo é palavra já dicionarizada com o significado de «procedimento isento de erros ou falhas; atitude correta, impecável por parte de alguém» e descrita como brasileirismo (Dicionário Houaiss). Quanto a "corretitude" e "corretidão", embora não atestadas, são neologismos bem formados, conforme o próprio consulente sugere, e que não precisam de ser explicados como fusão de correto e retitude ou retidão: basta considerar a possibilidade de juntar à base adjetival corret- (tema de correto) os sufixos -(i)tude ou -(i)dão (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 97). Quanto à forma "corretude", também não se pode rejeitá-la de todo, uma vez que parece seguir o modelo de completude, formado pela base complet- e o sufixo -ude, deduzido de palavras como virtude, juventude ou senectude (cf. Dicionário Houaiss).

Há, portanto, cinco possibilidades para traduzir o termo inglês. A opção por uma delas pode ser u...

Pergunta:

A propósito de duas perguntas sobre as maiúsculas e minúsculas o mesmo consultor (Rui Ramos) dá duas respostas contraditórias sobre o P/p de Península/península Ibérica. Assim, numa primeira, diz o sr. Rui Ramos:

« [em minúscula] 2 - Nomes de continentes, mares, rios, países, regiões, acidentes geográficos Antárctida, Ásia, rio Tejo, serra da Estrela, golfo da Guiné, península Ibérica, região de Trás-os-Montes, montes Hermínios, península Antárctica (...)».

Dias depois responde o contrário:

«Os árabes perderam toda a terra que tinham ocupado na Península» (subentendo-se «Ibérica» e, por isso, o "P" maiúsculo de «Península»).

Pelo menos, esta é a regra de estilo consensual hoje na imprensa escrita, em Portugal.».

Em que ficamos? Eu, por mim, ainda fiquei mais baralhado.

Obrigado.

Resposta:

Deve escrever-se Península Ibérica, com p e i iniciais maiúsculos, conforme se regista no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora e no Dicionário de Topónimos e Gentílicos do Portal da Língua Portuguesa (ILTEC).1

O uso de p maiúsculo em Península Ibérica não é recente. Já em 1947, Rebelo Gonçalves no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (pág. 338/339), assinalava algumas combinações vocabulares que «apesar de baseadas em palavras designativas de acidentes geográficos, formam no seu conjunto locuções toponímicas e, consequentemente, não dispensam a maiúscula inicial naqueles elementos: Grandes Lagos, Península Ibérica, etc.» Em nota, o autor citado indica que a redução Península, em lugar de Península Ibérica, também se escreve com maiúscula inicial (ibidem).

1 A forma errónea "península Ibérica" foi retirada da passagem da resposta em causa.

Pergunta:

Peço imensa desculpa, mas consegui encontrar uma resposta para a minha questão colocada há talvez uma hora. Os advérbios conectivos contrastivos poderão introduzir uma oração coordenada adversativa? Gostaria que me dividissem as orações na frase: «O Filipe estuda, porém não consegue obter bons resultados.»

Resposta:

Tendo em conta o Dicionário Terminológico, que se destina ao ensino básico e ao secundário de Portugal, direi que os advérbios conetivos, quando têm valor contrastivo, podem introduzir orações coordenadas adversativas. No entanto, não sendo os advérbios conetivos conjunções, as quais introduzem orações coordenadas sindéticas, deve-se classificar as orações por eles introduzidas como coordenadas adversativas assindéticas. Note-se que os advérbios conetivos são também usados numa frase simples, articulando-a com uma frase anterior («O Filipe estuda. Porém, não consegue obter bons resultados»), e podem ocorrer entre o sujeito e o predicado («O Filipe estuda demasiado. Os pais, porém, não reconhecem esse esforço»).

Pergunta:

O novo Acordo Ortográfico recorre frequentemente à expressão «aconselhável ou não aconselhável» em Portugal para suportar a manutenção ou supressão de algumas consoantes. Gostaria de saber qual a posição "oficial" do AO no que diz respeito às variações regionais do português europeu na pronúncia das mesmas consoantes. Na ilha da Madeira, a pronúncia de consoantes que no continente são mudas faz parte do padrão culto. É o caso de sector e de recepção. Como proceder nestes casos? A mesma questão se coloca com algumas variações no Norte de Portugal. No Minho fui criado e educado a dizer "contato", "contatar" etc., tal como no Rio de Janeiro, mas diferentemente de Lisboa. E tenho também dúvidas quanto à acentuação da primeira pessoa do plural dos verbos em -ar, que no Norte de Portugal todo e no Brasil se pronuncia com a fechado ("cantamos"/"cantamos" e não "cantámos"/"cantámos") e indistinguível do presente, como, aliás, nos verbos em -er se faz em todo o lado. No território da República Portuguesa existe uma norma oficial? Ou, como julgo ser o caso (e no espírito do novo AO), permite-se a variação regional?

Resposta:

1. No texto do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) não se definem grafias como aconselháveis ou não aconselháveis em Portugal. É preciso ler a Nota Explicativa do AO 90, para encontrar comentários sobre o procedimento a adotar com a facultatividade ortográfica e a sua incidência regional:

«Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes c e p e ainda em outros casos de menor significado. Torna-se, porém, praticamente impossível enunciar uma regra clara e abrangente dos casos em que há oscilação entre o emudecimento e a prolação daquelas consoantes, já que todas as sequências consonânticas enunciadas, qualquer que seja a vogal precedente, admitem as duas alternativas: cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição, facto e fato, sector e setor; ceptro e cetro; concepção e conceção, recepção e receção; assumpção e assunção, peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso; etc.

«De um modo geral, pode dizer-se que, nestes casos, o emudecimento da consoante (excepto em dicção, facto, sumptuoso e poucos mais) se verifica, sobretudo, em Portugal e nos países africanos, enquanto no Brasil há oscilação entre a pro...

Pergunta:

Qual é o significado da expressão «à meia pálpebra»? Não me parece usual; em que contextos geralmente é utilizada? Imaginei que talvez se referisse a um estado de sonolência (ou a casos em que é possível haver movimento dos olhos, como em um sorriso ou oscitação), em um sentido mais literal, mas, nos poucos registros que encontrei na Internet, a expressão parece ser mais utilizada em uma acepção conotativa (que, aliás, desconheço) como em «passou os olhos à meia pálpebra no corredor». Seria possível dizer e escrever que alguém está «à meia pálpebra de sono»? Seria coerente dispensar o artigo feminino e escrever «a meia pálpebra»? Além disso, também a encontrei grafada com hífen; esta forma hifenizada tem razão de ser?

Já agora, quero congratular a admirável equipe do Ciberdúvidas pelos excelsos serviços prestados à língua portuguesa e a seus falantes.

Resposta:

Confesso que, para mim, falante de português europeu, a expressão descrita pelo consulente é uma novidade total, que considero importante aqui registar. Como não encontro dicionário geral ou especializado que a acolha, nem mesmo ocorrência em corpora textuais (consultei o Corpus do Português e o Projecto AC/DC: corpo NILC/São Carlos, que contém textos brasileiros — e nada), resta-me conjeturar que a expressão se tenha fixado com base na sequência «a meia pálpebra» em contextos como «ter o olho aberto/fechado a meia pálpebra»; a partir daí, e dado que no português do Brasil a prepopsição a e a contração à se confundem foneticamente, é possível que a sequência tenha sido interpretada como referência a certa forma de agir — donde «fazer qualquer coisa à meia pálpebra». Esta hipótese poderia até levar a considerar que «meia pálpebra» evoluiu para um composto com significado autónomo, não redutível ao dos seus constituintes (não composicional), o que legitimaria o hífen na grafia "meia-pápebra". Tudo suposições que aguardam outros contributos.