Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a palavra correta para designar o efeito do carma: efeito cármico, ou carmático? E ainda no caso da primeira palavra, cármico, usa-se, ou não, o acento agudo?

Resposta:

Com o significado de «relativo a carma», só se regista cármico nos dicionários consultados (Dicionário Houaiss, iDicionário Aulete, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). O iDicionário Aulete acolhe também carmático, mas aplicável apenas a «[...] uma escrita arábica, em que se não empregam pontos diacríticos nem sinais vocálicos», definição duvidosa, porque não confirmada por outros dicionários.

Refira-se ainda que carma é, «[n]o hinduísmo e no budismo, lei segundo a qual o homem está sujeito à causalidade moral, e portanto todas as ações, sejam elas boas ou más, geram reações correspondentes que retornam àquele que as praticou nesta vida ou em encarnações futuras e determinam o seu aperfeiçoamento ou sua regressão» (iDicionário Aulete).

Por último, assinale-se que todas estas palavras se escrevem com inicial minúscula. Só o substantivo carma pode eventualmente exibir maiúscula inicial, por exemplo, em contextos em que se pretenda dar ênfase à palavra por razões religiosas ou filosóficas.

Pergunta:

Estou fazendo uma revisão e deparei-me com a palavra favelado. Gostaria de saber se essa palavra é discriminatória, pois o termo favela hoje em dia o é.

Resposta:

É certo que, nos dicionários, favelado não tem indicação de ser termo pejorativo; no entanto, atendendo à realidade de exclusão social para que remete favela, é inevitável que a palavra favelado tenha carga negativa. Mas o facto de este vocábulo aludir a uma eventual situação de discriminação pode não ser razão suficiente para a suprimir numa revisão, pois tudo depende do contexto em que ocorre: numa notícia de televisão ou num jornal, a ocorrência de favelado pode ter valor discriminatório; num outro texto, pode não ser exatamente assim. Note-se que às vezes se recorre ao eufemismo «morador(es) da comunidade», muito embora o contexto permita em geral depreender que se trata de favela.

Pergunta:

Qual a pronúncia mais adequada para a palavra vagão em português de Portugal: com "á", ou com "â"?

Resposta:

Em português europeu, considera-se que a pronúncia-padrão de vagão tem a aberto na sílaba átona va- (transcrição fonética: [vaˈgɐ̃w̃]; cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora; registo áudio disponível no sítio Forvo).

Pergunta:

Como se escreve "comó" em linguagem popular?

«O carro é lindo "comó" caraças!», ou «O carro é lindo com´ó caraças»?

Resposta:

Sugiro que escreva «O carro é lindo comò caraças».1

O novo acordo ortográfico é omisso sobre a grafia dessa contração popular, mas fontes mais antigas facultam uma pista que é ainda válida no presente. Refiro-me ao Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves (1947, pág. 185), onde se define o seguinte critério (mantenho a ortografia original):

«[...] recebem o acento grave certas formas que representam contracções de palavras inflexivas terminadas em a com as formas articulares ou pronominais o, a, os e as [...]. Estão neste número [...] comò, comà, comòs, comàs, formas usadas em várias regiões portuguesas e nas quais o primeiro elemento é coma (antigo e popular) = como [...].»

1 Caraças é palavra do registo informal (podendo chegar a grosseiro) do português europeu.

Pergunta:

Se a palavra existe se escreve com a letra x e lê-se como um z, porque é que a palavra azeitona é escrita com um z e não com um x?

Resposta:

Tudo se deve a razões históricas, porque a ortografia portuguesa mantém algumas características etimológicas. O x de existir é motivado pelo facto de haver um x no verbo latino que deu origem a tal verbo português: «lat. exsisto, is, stĭti, ĕre `elevar-se acima de, aparecer, deixar-se ver, mostrar-se; sair de, provir de, nascer de; apresentar-se, manifestar-se; existir, ser; consistir, resultar´(Dicionário Houaiss). No caso de azeitona, o z representa normalmente o [z] que ocorria em palavras de proveniência árabe: az-zait, «óleo, essência, azeite» (idem).