Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se deve pronunciar o nome Eduardo?

É correto dizer "Iduardo"?

Muito obrigado.

Resposta:

Em Portugal, é correto dizer "iduardo". Tradicionalmente, no começo de palavra, em sílaba átona pré-tónica, um e é pronunciado ou lido como [i] — embora haja exceções. Não é, contudo, o caso de Eduardo, normalmente "Iduardo", talvez mais entre os falantes mais velhos do que entre os mais novos.

Pergunta:

Qual é a forma correta de pronunciar-se a palavra envelhecimento: com o e aberto em "envèlhecimento", ou fechado?

Resposta:

No português europeu, a pronúncia-padrão apresenta dois ee mudos (e não fechados) na sequência silábica átona -velhe- da palavra envelhecimento, conforme a transcrição fonética do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa ([ẽvɨʎɨsiˈmẽtu]; ver também Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora). No entanto, existe realmente a pronúncia "envèlhecimento", com e aberto na sílaba átona -ve-, sobre a qual não há censura normativa explícita; portanto, julgá-la incorreta é uma inferência que se faz a partir do facto de ela não obedecer à regra geral do vocalismo átono do português europeu.

Mas, dado que existem muitas exceções a esta regra, havendo palavras derivadas que mantêm o timbre da vogal da sílaba tónica da base de derivação (por exemplo, bela > belamente), não se vê razão para rejeitar "envèlhecimento" (que integra velh-, o radical de velho, que tem e aberto), podendo esta ser aceite como uma variante não maioritária. Um caso semelhante ocorre com velhice, cuja primeira sílaba, que é átona, é articulada quer com e mudo (soando "v´lhice") quer com e aberto ("vèlhice") por falantes de Portugal.

Pergunta:

«"Mas em que raio de complicação é que nos fomos meter!?" — desabafou o Silva para/ao/com o Fagundes.»

Deve-se escrever: «desabafou para», «desabafou ao», «desabafou com»?

Muito obrigado.

Resposta:

Recomenda-se «desabafar com» (cf. Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Livraria Almedina, 1994, de Winfried Busse, e Vocabulário — Regime Preposicional de Verbos Lisboa, Didática Editora, de Cármen Nunes e Leonor Sardinha).

Pergunta:

Se se considerar a forma de construir o verbo amandar, com o prefixo a-, à imagem de atirar (a- + tirar), percebemos que existe uma similitude de sentidos distintos entre as acções que estes dois pares de verbos indicam.

Mais do que comparar amandar com assentar, que tem o mesmo sentido de sentar, alevantar quando é o mesmo que levantar, convém pensá-lo em comparação com tirar e atirar, que têm significados diferentes.

Amandar implica movimento, é sinónimo de lançar, atirar.

Mandar indica uma ordem, implícita (ordenar que uma carta siga de acordo com as normas de envio do correio) ou explícita (mandar que alguém se cale, ordenar, impor, fazer obedecer).

São, claramente, verbos com significado distinto.

De resto, é isto que afirma o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, na entrada amandar: «Etim. a + mandar, lançar-(se), atirar(s), arremessar(se)»; sem qualquer indicação de uso arcaico, regional ou popular. Assim sendo, o verbo existe para lá da oralidade e está inscrito na língua portuguesa (repito, sem regionalismos ou origens diferenciadoras sejam elas geográficas ou cronológicas).

Obrigado e parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

Parece-me que, a respeito da forma amandar, não se trata de negar a sua expressividade ou a sua coerência morfológica e semântica. O que acontece é que o juízo normativo que sobre ela recai é, por enquanto, negativo. Um falante pode sempre, como faz o consulente, legitimar o uso desta palavra ou daquela construção, mas a verdade é que, se sobre uma forma linguística se generalizou uma apreciação desfavorável no seio de toda a comunidade de falantes ou em certos meios com maior poder sobre os usos linguísticos, torna-se difícil retirar-lhe essa carga negativa, por muito injusta que ela seja. No caso, de amandar, dada a sua popularidade, é possível que nos encontremos no caminho de a tolerar no português europeu. Mas, por agora, considera-se que o verbo não é aceite pela norma, conforme se diz mesmo numa gramática descritiva, a de M.ª Helena Mira Mateus et al. (Gramática da Língua Portuguesa, 2003, pág. 955; negrito no original):

«[...] a coexistência de um verbo simples com um parassintético estranho à norma do português [...] está igualmente atestad[a]:

(8) baixar     abaixar

     calcar     acalcar

     limpar     alimpar

     mandar   amandar [...]»

Já agora, cumpre-me assinalar que a edição brasileira de 2011 do Dicionário Houaiss tem marca de uso a respeito da entrada amandar: «Regionalismo: Portugal. Uso: informal.» Há, portanto, uma indicação sobre o contexto ou registo em que esta forma verbal costuma ocorrer.

Pergunta:

Ao menos no Brasil, para se designar a subdivisão administrativa de cunho municipal e local, se diz apenas município; já em Portugal, usa-se sobretudo concelho, mas município também encontra algum uso.

Tenho dúvidas se concelho é, em todas as suas acepções, sinônimo de município. Poderíeis dirimir estas minhas dúvidas?

Quanto à palavra municipalidade, pergunto-vos se ela seria, em todos os sentidos, sinônimo de município e concelho.

Muito obrigado.

Resposta:

Na prática, em Portugal, pode não haver grande diferença entre concelho, município e municipalidade: digamos que o primeiro termo designa o território administrado por um município; o segundo, a própria estrutura autárquica ou a população que é abrangida por ela; e o terceiro, as pessoas eleitas e os funcionários que trabalham numa câmara municipal.

Mesmo assim, tendo em conta apenas os dicionários gerais, pode afirmar-se que, historicamente, os termos não são exatamente sinónimos. O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) define as palavras em questão do seguinte modo:

município

1. Hist. Cidade conquistada, no tempo dos romanos, com direito a administrar-se pelas suas próprias leis e cujos habitantes gozavam dos direitos civis da cidadania romana. 2. Circunscrição territorial administrada por uma vereação, por uma câmara municipal, superintendida por um um presidente. ≃ CONCELHO. 3. População que habita num concelho, congregada por interesses comuns. Salientam-se algumas das medidas que vieram beneficiar todo o município: a abertura de novas estradas, a criação do parque de campismo e do museu etnográfico. 4. Bras. Circunscrição administrativa autónoma do estado, governada por um prefeito e uma câmara de vereadores.»1

concelho

«Divisão administrativa de categoria inferior à de distrito. ≃ MUNICÍPIO. Almada é um dos concelhos do distrito de Setúbal. O concelho divide-se em freguesias. «Quando vagou um 1.º andar sobre o armazém de vinhos, então, os meus antepassados atravessaram o Tejo e botaram raízes no concelho de Almada» (R. CORREIA, Tristão, p. 2...