Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nos últimos tempos, até por "discussão" com colegas de trabalho, tenho tido uma dúvida recorrente: quando falamos de botões/teclas, a expressão «pressione em» ou «prima em» é correta?

Ex.: «Prima em Esc.»/«Pressione em Esc.»

Para mim é totalmente incorreta, devendo usar-se «prima Esc ou «pressione Esc». Mas o que é facto é que não consigo encontrar nenhuma confirmação para a minha opinião.

Obrigada pela vossa atenção e ajuda!

Resposta:

Tanto pressionar como premir (aceita-se também a variante premer; cf. Dicionário Houaiss e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) são verbos transitivos: «pressione/prima (a tecla) Esc». O uso de preposição com estes verbos — o qual não é recomendável — deve-se à analogia com carregar: «Carregue em Esc/na tecla Esc.»

Pergunta:

Lagrimar — esse verbo existe?

José Carlos de Almeida, em seu livro Ensaboado & Enxaguado – Língua Portuguesa e Etiqueta, diz que o já referido verbo não existe. [...]

Grato.

Resposta:

O verbo lagrimar, «derramar lágrimas», está realmente dicionarizado — o que não quer dizer que se use com frequência. Encontra-se em dicionários elaborados em Portugal — por exemplo, o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora — e o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa — e no Brasil — como o Dicionário Houaiss e o iDicionário Aulete —, mas em todos eles, lagrimar é remetido para lacrimar, o que deixa supor que esta última é considerada mais corrente. Existe também a forma verbal lacrimejar, que significa, além de «derramar lágrimas», «deitar algumas lágrimas» e «choramingar», e tem por variante lagrimejar, que é menos usada (cf. idem).

Pergunta:

«Estou cansado de te dizer sempre a mesma coisa», «fico feliz por me escreveres». Como se dividem e classificam estas orações?

Obrigada.

Resposta:

1. «Estou cansado de te dizer sempre a mesma coisa.»:

«estou cansado» = oração subordinante;

«de te dizer sempre a mesma coisa»: oração subordinada substantiva completiva não finita.

2. «Fico feliz por me escreveres.»

«Fico feliz» = oração subordinante (com rigor, deve dizer-se que «feliz» é o elemento subordinante na oração matriz «fico feliz por me escreveres»);

«por me escreveres» = oração subordinada substantiva completiva não finita.

Refira-se que as orações «de te dizer sempre a mesma coisa» e «por me escreveres» são orações completivas que têm a função de complemento do adjetivo («estou cansado» e «fico feliz», respetivamente; cf. Francisco Fernandes, Regimes de Substantivos e Verbos, São Paulo, Editora Globo, 1995).

Note-se que em «feliz por me escreveres» é também possível considerar que a oração de infinitivo é um modificador de valor causal. Nesse caso, dir-se-á que se trata de uma oração subordinada adverbial causal («por me escreveres» = «porque me escreves»).

Pergunta:

Quais os gentílicos que já se registram para designar os naturais ou habitantes do Sudão do Sul, o mais novo país africano? Por favor, mostrem as formas normais e as reduzidas dos mesmos.

Muito obrigado.

Resposta:

Sul-sudanês é a forma indicada pelo Código de Redação Interinstitucional da União Europeia. Note-se que este vocábulo segue o modelo de sul-africano, nome e adjetivo pátrios correspondentes a África do Sul (nome oficial: República da África do Sul), cuja estrutura é semelhante à da expressão Sudão do Sul (nome oficial: República do Sudão do Sul).

Quanto à forma reduzida pedida pelo consulente, presume-se que ele se refira à que ocorre em compostos do tipo de afro-americano. Sendo assim, e dado não parecer existir outra que tenha uso consagrado, pode-se sempre recorrer a sudano- (cf. Dicionário Houaiss) e criar sul-sudano- — por exemplo, num encadeamento como sul-sudano-etíope —, por analogia com sul-africano-, antepositivo relativo a sul-africano (cf. idem).

Pergunta:

«O teu carro está a deitar fumo.» — disse a Angélica de cara séria.

ou

«O teu carro está a deitar fumo.» — disse a Angélica com cara séria.

Obrigado.

Resposta:

Em grupos introduzidos por preposição e valor adjetival, usa-se a preposição de, mas também se aceita com: «de/com cara séria». O mesmo acontece com outras expressões: «Vim para casa de mãos a abanar/com as mãos a abanar.» Nota-se também que, quando se usam estas expressões, a construção com a preposição com admite uma expressão nominal determinada por um artigo definido ou indefinido («entrou no carro com a/uma cara muito séria»).

Esta dupla possibilidade é descrita por Rodrigues Lapa, na Estilística da Língua Portuguesa (Coimbra Editora, 1979, pág. 118), para comentar e criticar a influência francesa nestas estruturas de valor adjetival (sublinhado meu):

«[...] Veja-se este passo de Eça, escritor grande entre os grandes, o maior estilista português, presente  sempre no nosso trabalho:

«Dizia o diplomata, no seu português fluente, mas o acento bárbaro.»

O escritor português foi atrás da construção francesa e atraiçoou, desta vez, o génio da língua. Mais portuguesmente, empregaríamos neste caso a preposição: "de acento bárbaro" ou "com acento bárbaro", sendo, em todo o caso, melhor a primeira forma que a segunda.»