Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem e significado do dito: «dia de São Nunca à tarde».

Obrigado.

Resposta:

A expressão em apreço, escrita «dia de São Nunca à tarde» [ou, melhor, com «à tarde» entre parênteses, «dia de São Nunca (à tarde)], vem registada no Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Notícias Editorial, 2000), de Orlando Neves, como o mesmo que nunca, sem qualquer comentário sobre a origem da expressão. Não conheço fontes que permitam esclarecer a génese desta expressão.

 

N. E. (24/11/2020) – Sobre a sua situação de uso, a expressão «dia de São Nunca à tarde» ocorre geralmente a propósito daquilo que nunca acontecerá ou de um dia indeterminado (cf. Guilherme Augusto Simões, Dicionário de Expressões Populares, Lisboa, D. Quixote, 1993). Sobre o sentido etimológico da expressão encontram-se algumas hipóteses, por confirmar em bases mais sólidas: por exemplo, no artigo "São Nunca", da Wikipédia em português, cujas referências são pouco ou nada claras. O apontamento "A origem da expressão 'Dia de São Nunca'", na página Mitologia em Português, não explicando a sua origem factual (a qual será difícil de determinar, dado o anonimato em que emergem as expressões idiomática). sugere que a expressão terá sido motivada pelo calendário religioso (santoral) ou versões deste, de cariz mais popular, em que cada dia é...

Pergunta:

Poderiam traçar de forma completa as diferenças e as igualdades entre dizer e falar, apresentando exemplos em cada caso?

No Brasil, não é raro na linguagem coloquial as pessoas usarem o verbo falar no lugar do verbo dizer, fazendo uma troca infeliz, pois acabam falando errado. Isto aconteceria aí em Portugal, ainda que seja em casos excepcionais?

É verdade que tal substituição ocorria às vezes em escritores antigos e na linguagem antiga, talvez medieval?

Muito obrigado.

Resposta:

No português normativo tanto de Portugal como do Brasil, mantém-se o contraste entre falar e dizer, que são verbos com comportamentos sintáticos diferentes:

a) falar é intransitivo («ele ainda não falou»), transitivo direto («falo português»)1 ou transitivo indireto («a Rita falou ao/com o João», «falou nisso», «falou disso/de ti», «falou sobre a atual crise»);

b) o verbo dizer é transitivo, podendo o complemento direto ter a forma de uma expressão nominal («A Joana disse um disparate») ou uma oração («ele disse que a Joana fez um disparate»).

No entanto, coloquialmente, mesmo em Portugal, é frequente achar ocorrências de falar associadas a orações completivas: 

«Falou que, para chegar à maioria absoluta nas próximas eleições, é preciso arrepiar caminho em determinadas condições. Que condições são essas?» (jornal português Público, no Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira)

Trata-se de um uso não aceite pela norma.

Quanto à progressiva substituição de dizer por falar, não encontro fontes que me facultem dados sobre a sua história.

1 Mário Vilela, em "A `cena´da «acção linguística» e a sua perspectivação por dizer e falar" (Revista da Faculdade de Letras "Línguas e Literaturas...

Pergunta:

Gostaria de saber por que razão o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora registam a pronúncia [gwi] e se esta é a única pronúncia correta, tendo em conta a forma como pronunciamos a palavra de origem, bilingue.

Obrigada.

Resposta:

Os dois dicionários em causa apresentam quer bilingue quer bilíngue, que são formas corretas, mas o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa indica que a primeira das formas é preferida pela norma de Portugal, enquanto a outra é usada no Brasil (de facto, é mesmo a única registada na dicionarística brasileira; cf. Dicionário Houaiss e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras).

Confirmando o uso atribuído a Portugal, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora também regista bilingue (transcrição fonética [biˈlĩgɨ]) e bilíngue (transcrição fonética [biˈlĩgwɨ]), mas, dado que esta segunda entrada remete para a primeira, presume-se que se considera bilingue como forma preferível em Portugal.

 

 

Pergunta:

Em tempos [...], perguntei sobre a origem do topónimo/antropónimo Góis. Sabe-se que o vocábulo gói quer dizer não judeu, aquele que não pertence à comunidade israelita. Tendo em vista a perseguição aos judeus em 1496, por exemplo, muitos deles homiziando-se no interior de Portugal, o nome Góis não estaria ligado a esses factos?

Meus cumprimentos pelo vosso trabalho, e obrigado.

Resposta:

A discussão da origem do topónimo Góis (Coimbra) não confirma nem uma eventual relação com a língua hebraica nem com a comunidade judaica portuguesa. José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), citando outros autores, assinala a hipótese de este nome encontrar paralelo na toponímia dos Baixos Pirenéus (França), junto a Espanha, o que significa poder supor-se uma origem basca ou ibérica, tendo em conta o apelido/sobrenome basco Goyeche ou Goieche, etimologicamente «casa de cima» (goi, «cima», e etxe, «casa»). Também apresenta uma etimologia alternativa, de J.-M. Piel, que defende uma origem germânica (de um nome próprio Goi-, do gótico gauja, pela forma patronímica Goius).

No entanto, um outro estudioso da etimologia dos nomes de lugar, A. Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa: exame a dicionário, 1999), contesta as hipóteses avançadas por Machado, propondo outra explicação. Góis terá de ser interpretado em associação com Goios (Esposende e entre Vila Nova de Cerveira e Caminha), que remonta a Gaudiosus, que Fernandes interpreta como «rochoso»:

«Temos de curvar-nos à evolução lat. *cotiosu (do lat. cote-) > *goudiosu > *gouiosos > "Góios" (retracção tónica de Goiós, para evitar a confusão com os diminutivos em -ó, que eram o que mais de díspar haveria da impressiva ou dilatada paisagem rochosa.)»

Em suma, se existem topónimos de origem hebraica e...

Pergunta:

Tenho uma dúvida em relação à formação dos plurais. Se tenho a palavra cão, cujo plural é cães, que regra gramatical me indica isso? Porque não pode ser cãos?

Como saber quando a palavra passa ao plural com o sufixo -ãos, -ães ou -ões?

Resposta:

Não existe uma regra que se aplique intuitivamente, conforme já se explicou noutras respostas (ver Textos Relacionados). Sendo assim, não pode ser "cãos" nem "cões", por razões históricas.

O plural -ães relaciona-se coma terminação latina -anes, que evoluiu, por exemplo, como -anes em espanhol (capitán, capitanes). Sabendo que, em latim vulgar, a palavra cane, «cão», tinha por plural canes, o plural de cão só pode ser cães.