Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se, na classificação dos nomes próprios, como, por exemplo, Manuel, é correcto classificá-lo como grau normal.

Resposta:

É discutível falar de grau a propósito de nomes próprios e, portanto, não se fala do grau normal de um nome próprio, porque mesmo a associação de sufixos aumentativos ou diminutivos marca sobretudo valores afetivos, que podem não ser motivados diretamente por características ou dimensões físicas: Manuelão/Manelão/Manuelezão/Manelzão e Manuelinho/Manelinho/Manuelzinho/Manelzinho. Note-se que Manel, usado como hipocorístico, é forma popular de Manuel.

Pergunta:

Num exercício de um manual de Português aparecia como correta a ligação por hiperonímia entre Europa e Portugal, pelo que surgiu como dúvida se, tendo em conta essa lógica, Lisboa poderia ser considerada como hipónimo de Portugal.

Gostaria de conhecer a vossa posição.

Muito obrigada.

Resposta:

Em primeiro lugar, diga-se que entre nomes próprios não se estabelecem relações de generalidade ou especificidade, ou seja, a dois nomes próprios não é possível aplicar a distinção hierárquica entre hiperónimo e hipónimo. Se, como define o Dicionário Terminológico (DT), um nome próprio «designa um referente fixo e único num dado contexto discursivo, pelo que é completamente determinado, não admitindo complementos ou modificadores restritivos ou variação em número», não se vislumbra maneira de encarar um nome próprio como generalização ou especificação de outro. Por exemplo, não se pode afirmar que Porto Alegre e Porto Moniz são palavras cujo significado especifica o de Porto, nome de cidade portuguesa.

Assim, a respeito de Europa e Portugal, considerar que o primeiro é um hiperónimo do segundo, e este, hipónimo daquele, não tem sentido, porque tal seria pressupor que Portugal nomeia um subtipo de um referente chamado Europa. Do mesmo modo, Lisboa não é uma especificação de Portugal, nem este se pode conceber como palavra de sentido mais genérico que Lisboa. É que, nestes casos, não se verifica a transferência de propriedades semânticas característica das relações de hiperonímia-homonímia (p. ex., «sardinha é hipónimo de peixe, porque também é "peixe"», DT). E ainda que possa objetar-se que Portugal é Europa ou Lisboa é Portugal, no sentido de «ficar na Europa» e «ficar em Portugal», respetivamente, deve contrapor-se a impossibilidade da substituição da palavra Portugal por Europa em discurso, como se mostra em 1:1<...

Pergunta:

Hoje, dia 15 de fevereiro, durante a manifestação do povo no Parlamento [de Portugal], cantando Grândola, Vila Morena, a senhora presidente disse: «As pessoas que se retirem ou silenciem-se.» O verbo silenciar é reflexo neste caso? Posso dizer «silenciaram-me», mas não «silenciei-me»! É assim?

Obrigada!

Resposta:

O verbo silenciar, apesar de transitivo, não se usa geralmente como reflexo. Pode até ser usado como sinónimo de calar-se, conforme atesta o Dicionário Houaiss, mas sem pronome reflexo: «Todos silenciaram.» 

No entanto, como indica o Dicionário Priberam, não se exclui a possibilidade de usar silenciar pronominalmente, no sentido de «guardar silêncio», mas este emprego é muito pouco frequente; por exemplo, no Corpus do Português (Mark Davies e Michael Ferreira) são muito escassas as ocorrências de «silenciar-se» (sublinhado meu): «De vez em quando o mar pára, faz-se silêncio e ele engole o que deitara adiante, depois volta a saltar aos sete e sete parecendo jogar o corcovado e então fala grosso cala-se outra vez, cala-se e silencia-se [...]» (Rúben A., Páginas, 1988). Outra ocorrência é do mesmo autor, o que pode sugerir que se trata de uso idiossincrático.

Em suma, não podemos afirmar que estejamos perante um claro erro, muito embora se possa empregar com muito mais confiança as perífrases «fazer silêncio» e «guardar silêncio».

Pergunta:

Eu costumo seguir a regra de escrever estrangeirismos em itálico, mas recentemente fiquei confrontado com a palavra fecho-éclair. O que devo fazer numa situação destas? Escrever só a parte francesa em itálico?

Resposta:

A palavra está realmente registada como um composto que inclui hífen, mas sem itálico nem aspas, pelo menos, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora e no Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC. Os dicionários anteriores à aplicação do acordo não são claros, certamente porque éclair era um estrangeirismo à espera de aportuguesamento, o que explica o algo "experimental" fecho-ecler proposto em 2001 pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Esta forma não parece ter vingado, e a incoerência da grafia deste composto subsiste, muito embora não haja nenhuma norma que impeça que o termo "éclair" fique em itálico ou entre aspas, e a palavra fecho, em romano. Trata-se, portanto, de um caso excecional, que ainda aguarda critério adequado.

Pergunta:

Está certo dizer «Voltou com o ex-namorado», significando «Namora outra vez o ex-namorado»? Devo dizer que a primeira frase é muito usual em novelas brasileiras.

Obrigado.

Resposta:

No português do Brasil, «voltar com» é um coloquialismo que significa «reatar uma relação amorosa com alguém». Em Portugal, em registo informal, usa-se geralmente «voltar a andar com». Num registo mais neutro, menos marcado pela familiaridade do tom, são possíveis expressões «ela voltou ao/para o ex-namorado» ou, como propõe o próprio consulente, «ela voltou a namorar (com) o ex-namorado» (neste caso, a preposição é opcional).