Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Negligível será palavra a usar em Portugal, ou é particularidade brasileira?

Resposta:

Negligível está registado em dicionários brasileiros — cf. iDicionário Aulete e Dicionário Unesp do Português Contemporâneo —, que também acolhem negligenciável. O iDicionário Aulete descreve negligível como empréstimo do inglês e define-o como termo especializado da Física e Matemática («diz-se daquilo que pode ser desconsiderado (refere-se esp. a valores ou quantidades tão ínfimos que podem ser desprezados»), que por extensão semântica significa também «insignificante, desprezível».

Refira-se que negligível parece ter pouco uso, quer no português do Brasil quer no português europeu, a avaliar pelas raríssimas vezes em que aparece em corpora textuais: na Linguateca, apenas se registam duas ocorrências, uma num jornal brasileiro (Folha de São Paulo) e outra num jornal português (no Público); no Corpus do Português,  de Mark Davies e Michael Ferreira, apenas figura uma vez, num texto de origem brasileira. Em Portugal, os dicionários feitos em Portugal, mesmos os mais recentes ou atualizados (cf. versões em linha do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) só incluem negligenciável. Pelo menos, em registos não especializados, não se vê necessidade na subst...

Pergunta:

Estava convencido de que em português Gana seria a grafia correcta para o país africano. No entanto, no sítio do Governo da RP, na lista de embaixadas, aparece Ghana.

Afinal, é Gana, ou Ghana? Admitindo que o h esteja correcto, não consigo perceber porque não pode ser apenas Gana.

A propósito do mesmo país, a sua capital (em português) é Acra, ou Accra? Mais uma vez, pela normal construção de palavras na nossa língua, seria levado a escolher a primeira, mas a mesma fonte utiliza Accra.

Resposta:

A forma em língua portuguesa continua a ser Gana, como se pode verificar no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora, no Código de Redação Interinstitucional da União Europeia e no Dicionário Houaiss (na definição correspondente à entrada ganês, gentílico de Gana). O nome da capital deste país continua a ter a forma Acra em português (cf. fontes indicadas).

Pergunta:

Gostaria de saber se aéreo é da família de palavras de ar.

Resposta:

Sim, dado que aéreo se relaciona com ar quer etimológica quer semanticamente, como se mostra pelo comentário sobre a origem do adjetivo, no Dicionário Houaiss:

«gr. aérios ou eérios, os ou a, on, "do ar; donde que vive ou se encontra nas regiões superiores; que atravessa os ares; que toca o horizonte; vasto, infinito como os espaços aéreos".»

Pergunta:

Qual a origem etimológica da palavra interpretar? Encontrei algumas informações na Internet, mas algo contraditórias e difusas.

Obrigada.

Resposta:

Transcrevem-se os comentários etimológicos do Dicionário Houaiss sobre interpretar e o seu radical, interpret-:
 
interpretar: «[do] lat[im] interprĕtor, āris, ātus sum, āri, "explicar, traduzir; compreender; avaliar, decidir"»;
 
interpret-: «antepositivo, do lat[im] interpres, ĕtis, "medianeiro, intermediário, ajudante, assistente, agente; mensageiro, negociante, enviado; dragomano, intérprete, língua; áugure; o que explica; jurisconsulto; comentador; tradutor", donde o v[erbo] interprĕtor, āris, ātus sum, āri (depoente), interpretabìlis, e "que pode ser interpretado, explicável", interpretatĭo, ōnis, "interpretação, explicação, sentido", interpretātor, ōris, 'intérprete'; a cognação vern[acular] desenvolve-se a partir do sXIX: interpretação, interpretado, interpretador, interpretante, interpretar, interpretativo, interpretável, intérprete; reinterpretação, reinterpretado, reinterpretar

Pergunta:

Gostaria de saber se terá havido algum acordo ortográfico que tenha normalizado o uso de "pr´além" e "pr´áli", mantendo ou elidindo o apóstrofo, como em prò e prà.

Muito obrigado.

Resposta:

Como formas que procuram reproduzir na escrita formas próprias do registo informal, recomendam-se «pra ali» e «pra além», sem apóstrofo, seguindo critérios e disposições não do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) mas, sim, com base no Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) em articulação com os comentários do Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947) de Rebelo Gonçalves.

Explicando um pouco melhor:

1. O AO 90 é omisso em relação aos casos apresentados, mas no chamado AO 45 também não existem disposições específicas sobre tais situações, a não ser a respeito de sequências como «pra aquele» (pronunciado "pràquele"). Diz a Base XXIV do AO 45:

«Segundo o modelo das formas à e às, resultantes da contracção da preposição a com as flexões femininas do artigo definido ou pronome demonstrativo o, emprega-se o acento grave noutras contracções da mesma preposição com formas do mesmo artigo ou pronome, e bem assim em contracções idênticas em que o primeiro elemento é uma palavra inflexiva acabada em a. Exemplos: ò e òs, contracções da dita preposição (correspondentes às combinações normais ao e aos) com as formas o e os; prò, prà, pròs e pràs, contracções de pra, redução da preposição para, com as quatro formas o, a, os e as.

«Analogamente, ...