Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Eu acabei de ler o livro A Capital, de Eça de Queirós. Fiquei na dúvida quando li estas duas frases: «Artur foi à redacção d'O Século» e pouco depois «Artur foi novamente ao Século». Nesta segunda situação, porque não escrever «foi a'O Século»?

Resposta:

A sequência deveria ser «a O Século», sem apóstrofo. O editor preferiu seguir a realidade fonética e escrever «ao Século», provavelmente porque com a preposição a não é possível usar apóstrofo antes de títulos (cf. Acordo Ortográfico de 1990, Base XVII, 1 e Base Analítica XXXV do Acordo Ortográfico de 1945), para marcar contração com o artigo definido, ao contrário do que acontece com de («d´O Século), em (n´O Século) e por (pel´O Século).

Pergunta:

De onde vem o sufixo -elo, muito presente na toponímia do Norte de Portugal e zona de Viseu (Bustelo, Lordelo, Soutelo, Sarzedelo) e quase ausente, pelo que me parece, de outras regiões?

Obrigado.

Resposta:

O sufixo -elo, que permite a formação de diminutivos, foi especialmente produtivo na Idade Média, sobretudo na primeira fase da Reconquista, o que explica que seja frequente nas Beiras e no Norte de Portugal e se torne mais raro nas regiões a sul. Sobre este sufixo, transcrevo o verbete correspondente à entrada -elo do Dicionário Houaiss:

«como dim[inutivo], do lat. -ellu-, em vocábulos do nosso vulg[ar] ou em termos cultos ou científicos em que esse dim[inutivo] é tanto us[ado]. para a função diminutiva mesmo quanto para indicar outra coisa, afim da normal: brocatelo, butelo, carpelo, castelo, chichelo, colunelo, cuitelo/cutelo, doidelo/doudelo, escutelo, farelo, flabelo, flagelo, fuselo, labelo, libelo, magrelo, mezanelo, nigelo, ocelo, orbitelo, pinguelo, pontarelo, saltarelo, vitelo; há formas, entretanto, que são com a tônica fechada por arbítrio da convergência fonética: armazelo, cabedelo, campelo, capelo, cerebelo, corvelo, cotovelo, donzelo, lombelo, ourelo.»

Observe-se, contudo, que o sufixo latino -ellus também perdurou na toponímia do Centro e do Sul de Portugal sob a forma -el, provavelmente de origem moçárabe, ou seja, de origem românica não galego-portuguesa; p. ex.: Pinhel (Guarda), Espichel (Setúbal), Portel (Évora), Ervidel (Beja).

Pergunta:

Já ouvi há alguns anos o termo rapioca para designar frio. A frase «estar uma grande rapioca» pode ser usada como tendo esse significado, ou não?

Resposta:

A palavra rapioca está dicionarizada com o significado de «reunião festiva de várias pessoas, para comer e beber; pândega, farra, patuscada» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora; ver também Dicionário Houaiss e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Se rapioca está a ter uso como sinónimo de frio, trata-se de inovação semântica, talvez resultante da confusão com a expressão «rapar frio», na qual ocorre rapar, cujo radical, rap-, igual à sequência inical da palavra em questão, pode ter sugerido equivalência semântica. Tal relação não é confirmada pela etimologia, uma vez que rapar provém do «germ[ânico] *hrapon, "arrancar, arrebatar"», enquanto se considera que rapioca é um vocábulo de origem expressiva (cf. Dicionário Houaiss), o que significa que pouco se sabe sobre a sua história.

Pergunta:

Não encontrei no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP da Academia Brasileira de Letras, quinta edição) nem em nenhum dicionário já adaptado à nova ortografia um determinado substantivo (rubrica: música) e, assim, pediria orientação para escrevê-lo corretamente. Escreve-se, pela nova ortografia, «acorde "meio-diminuto"», ou «acorde "meio diminuto"»?

Muito obrigado desde já.

Resposta:

Não há alteração, já que se trata de um composto formado pelo advérbio meio e um adjetivo. Assim, tal como se escreve meio-tom, escreva-se meio-diminuto. Como termo usado em música, o adjetivo diminuto é definido pelo Dicionário Houaiss deste modo: «com um semitom a menos que um justo (diz-se de intervalo)» e «que, no estado fundamental, contém um intervalo diminuto (diz-se de acorde)».

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo emprisionar existe e, em caso afirmativo, se tem o mesmo significado que o verbo aprisionar.

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista o verbo emprisionar como sinónimo de aprisionar, mas com a indicação de que se trata de forma pouco usada. E assim parece ser, uma vez que outros dicionários (Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado) não acolhem a variante emprisionar.