Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na expressão «a mais bonita», qual a categoria de «a»?

Resposta:

A Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, classifica esse a como artigo definido (pág. 261):

«O [grau] SUPERLATIVO RELATIVO é sempre analítico.

O DE SUPERIORIDADE forma-se pela anteposição do artigo definido ao comparativo de superioridade:

Este aluno é o mais estudioso do colégio. [...]

O DE INFERIORIDADE forma-se pela anteposição do artigo definido ao comparativo de inferioridade:

Este aluno é o menos estudioso do colégio. [...]»

Pergunta:

Tendo em consideração que o novo acordo ortográfico não fez alterações relativamente às regras da divisão silábica (conforme Base XX: Da Divisão Silábica), como devemos entender que a preciosa ferramenta, da responsabilidade do ILTEC: o Dicionário da divisão silábica, do Portal da Língua Portuguesa, indique como divisão silábica das palavras carro, assar, pássaro: “car•ro; as•sar; pás•sa•ro”? Por sua vez, o dicionário académico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, é vendido com a indicação na sua capa de que contém a divisão silábica das palavras (mais precisamente: «Acordo Ortográfico; Divisão Silábica; Dicionário Terminológico»). No entanto, em palavras com consoante dupla (ss/rr), a palavra é dividida, seguindo as regras da translineação e não as da "soletração". Cito alguns exemplos: "car-ro"; "as-sar"; "as-sa-do"… A partir dos exemplos apresentados, questiono: afinal, o que o Portal da Língua Portuguesa apresenta é a translineação das palavras, ou a sua divisão silábica? E o referido dicionário?

Obrigada, antecipadamente, pela atenção que vos merecerá a minha dúvida.

Resposta:

O Acordo Ortográfico de 1990 (Base XX) mantém os preceitos enunciados pelo Acordo de 1945 (Base XLVIII), referindo-se à divisão silábica não na perspetiva linguística, mas, sim, na perspetiva da representação gráfica, a qual inclui as regras da translineação. Neste contexto, os exemplos de "car-ro" ou "as-sar" ilustram situações de translineação, que, como se disse, estão incluídas nas secções dedicadas à (impropriamente chamada) divisão silábica nos referidos documentos.

O que o Vocabulário Ortográfico do Português no Portal da Língua e o dicionário em causa apresentam são procedimentos de translineação.

Pergunta:

As palavras com prefixo multi-, como multiusuário, multicelular, multicor, apesar de significarem «múltiplos usuários», «múltiplas células», «múltiplas cores», aparecem no dicionário no singular e são adjetivos. Entretanto, elas concordam em número com o substantivo que acompanham, ou seja, o correto seria dizer «sistema multiusuário» e «sistemas multiusuários»?

Resposta:

Os plurais de multicelular e multicor não oferecem problemas: multicelulares e multicores (cf. Dicionário Houaiss). Já a flexão em género e número de multiusuário é caso diferente, porque ainda não estabilizou, mesmo nos dicionários.

Com efeito, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista a forma multiusuário como adjetivo dos dois géneros e dois números, o que significa que na prática a palavra é invariável («sistema/sistemas multiusuário»). No Dicionário Houaiss, multiusuário figura como adjetivo dos dois géneros, mas, sem registo de informação sobre flexão em número, depreende-se que pode pluralizar: «sistema multisuário», mas «sistemas multiusuários». No Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa o adjetivo tem flexão em género e número (multiusuário, multiusuária, multiusuários, multiusuárias). O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora apresenta este adjetivo sem o caracterizar quanto à flexão, o que, de acordo com as convenções da obra em referência, significa que a palavra se flexiona.

Sendo assim, e apesar de toda esta variação, não se me afigura ilegítimo aceitar o plural de multiusuário, pelo que é possível fazê-lo concordar com sistemas e dizer ou escrever «sistemas mulitusuários».

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra faltavam é uma palavra simples ou complexa.

Os meus agradecimentos.

Resposta:

A forma faltavam, 3.ª pessoa do plural do pretérito imperfeito do indicativo do verbo faltar, é palavra simples.

De acordo com o Dicionário Terminológico (DT, B.2.1. Palavra e constituintes da palavra), uma palavra simples é «formada por um único radical, sem afixos derivacionais, mas podendo exibir afixos flexionais». Atendendo a esta definição, a forma casas, plural do substantivo casa, é uma palavra simples, apesar de incluir um sufixo flexional -s (exemplo retirado do DT, ibidem). Do mesmo modo, a forma faltavam, forma da flexão do verbo faltar, só apresenta, além do radical, sufixos flexionais (-va-, sufixo do pretérito imperfeito do indicativo, e -m, sufixo da 3.ª pessoa do plural) – logo, é uma palavra simples.

Pergunta:

Qual a fêmea do touro? Eu estou certo de que é a vaca, mas quero tirar todas as dúvidas.

Obrigado.

Resposta:

A fêmea de um boi ou de um touro designa-se vaca. No entanto, há dicionários que registam as formas toura e toira, aplicáveis a uma vaca estéril ou a uma vaca nova que ainda não teve crias (ver Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado). Toura pode ainda significar «mulher irascível, bravia», «mulher forte e de boas cores» (Machado, op. cit.), «moeda» (como termo de gíria; dicionário da Porto Editora) e «tacho» (como regionalismo; Dicionário Priberam).