Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A expressão «ainda bem que tem tempo» é correta, mas agradecia saber se é correto escrever «ainda bem que» seguido de conjuntivo. Seria adequado dizer «Ainda bem que tenham grandes planos»?

Muito obrigado.

Resposta:

Só pode usar indicativo com «ainda bem que», equivalente a «felizmente que»: «Ainda bem que têm grandes planos» (nunca *«ainda bem que tenham grandes planos»).

Recorde-se que com a locução conjuncional concessiva «ainda que» é que deve usar o conjuntivo: «Ainda que tenham grandes planos, faltam-lhes meios de concretização.»

Pergunta:

Agradecia que comentassem esta minha leitura da Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto.

No meu entender e, conforme está escrita (e o que vale é a lei escrita), esta lei diz que o presidente de câmara municipal (o presidente de qualquer câmara) não se pode candidatar a um quarto mandato, quando exerceu o cargo, por três mandatos sucessivos, seja qual for a câmara a que se pretende candidatar pela quarta vez; o mesmo se lendo, no que se refere ao presidente de junta de freguesia. Por outro lado, caso a lei se referisse ao cargo de presidente da câmara municipal ou da junta de freguesia, entendo que se devia ler que o presidente de uma determinada câmara ou junta não se poderia candidatar a essa mesma câmara ou junta de freguesia, para um quarto mandato sucessivo, mas que o poderia fazer para uma câmara ou junta diferente.

Obrigada pelo V. esclarecimento.

Resposta:

A leitura que a consulente propõe parece coincidir com a que a comunicação social portuguesa diz ser a do constitucionalista Jorge Miranda. Segundo essa interpretação, da ausência ou presença do artigo definido depois da preposição de (daí a contração da), decorreriam leituras diferentes: do uso da preposição de depreender-se-ia que as câmaras municipais e as juntas de freguesia seriam referidas genericamente e, portanto, a limitação de mandatos se aplicaria a qualquer órgão autárquico, sem especificar; o aparecimento da contração da legitimaria uma leitura específica («uma certa câmara municipal e uma certa junta de freguesia»), pelo que a lei de limitação dos mandatos apenas diria respeito a estes casos, abrindo, porém, a possibilidade de uma candidatura a novo mandato numa nova autarquia.

Do ponto de vista da coerência textual, creio que para a leitura deste texto é indiferente o uso de de ou da, pois é a construção global do texto que conduz à ambiguidade. Com efeito, mesmo optando pela ausência de artigo definido antes da designação do órgão executivo da autarquia local («o presidente de câmara municipal e presidente de junta de freguesia»), isto é, usando somente a preposição de, deve pensar-se que exercer a função de presidente de tais órgãos pressupõe a existência concreta de uma autarquia; por outras palavras, se eu disser que «Seara [ou Menezes] é presidente de câmara municipal» (sem artigo definido ...

Pergunta:

Existe o verbo tralhar? Pode ser conjugado como qualquer outro da 1.ª conjugação?

Resposta:

O verbo tralhar existe e está registado no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora nas seguintes aceções: «lançar tralha em» e «pescar com tralha». O mesmo dicionário acolhe um homónimo, tralhar, que é variante de talhar, «coagular, solidificar». O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa atribui à forma verbal tralhar mais outro significado: «distribuir a água para a rega». Dado que tem a terminação -ar, ou seja, porque apresenta a vogal temática a, trata-se de um verbo da 1.ª conjugação e não apresenta qualquer irregularidade.

Pergunta:

Exmos. senhores, embora já tenha lido e relido as vossas respostas sobre siglas e acrónimos, continuo com dúvidas para classificar IPOR (Instituto Português do Oriente). É sigla, ou acrónimo? Grata pela vossa resposta.

Resposta:

Se for lido letra a letra – "i-pê-ó-erre" –, é sigla. Se for lido como palavra – "ipor" –, é acrónimo. Penso que a sequência em causa é tratada como palavra, logo, trata-se de um acrónimo.

Pergunta:

Qual é o correto?

«Instrumentos solo», ou «instrumentos solos»?

Grato.

Resposta:

Como plural de «instrumento solo», por exemplo, numa expressão como «arranjos musicais para instrumentos solo», recomenda-se «instrumentos solo», com solo, no singular.

A palavra solo, frequentemente usada como substantivo, com o significado de «trecho executado por uma só pessoa ou um só instrumento» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora), também pode ser usada adjetivalmente, no sentido de «realizado, desempenhado, tocado, executado etc. por uma pessoa apenas», segundo o Dicionário Houaiss, que a classifica como forma invariável e como apositivo, isto é, como a mesma fonte define, «[...] palavra, ou sintagma invariável, que condensa uma frase de teor adjetivo: lei antidroga/leis antidroga (leis que combatem o uso das drogas) [Trata-se de recurso moderno, corrente sobretudo na linguagem dos meios de comunicação orais e escritos]» (idem, s. v. apositivo). Assinale-se que o termo apositivo, tal como é definido pelo Dicionário Houaiss, não se encontra nem noutros dicionários, nem na terminologia gramatical usada em Portugal.