Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do nome da aldeia de Badamalos, que fica no concelho do Sabugal.

Obrigado.

Resposta:

Não é clara a origem do topónimo Badamalos, nome de uma aldeia do concelho do Sabugal, no sul do distrito da Guarda. Propõem-se, pelo menos, duas hipóteses:

— Badamalos evoluiu da latinização de um nome pessoal germânico, Baldemarus, formado por balth, "audaz", e marha, "cavalo" (A. de Almeida Fernandes, Toponímia Portuguesa Exame a Um Dicionário, Arouca, Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, 1999). Contudo, a forma Badamalos resultaria não do latim Baldemarus, mas já do plural românico Baldemaros, que designaria como filhos de um certo Baldemaro os habitantes da aldeia em apreço (idem). Note-se que o -ld- de Baldemaros teria passado a -d-, em resultado da assimilação do l a d e simplificação de -dd-, de acordo com uma tendência dos dialetos leoneses que se terão falado na região do Sabugal durante a Idade Média (recorde-se que toda a zona a leste do rio Coa pertenceu ao reino de Leão até 1297); esta evolução é exemplificada pelo seguinte esquema (o * indica forma hipotética): *Baldemaros > *Ba(d)demaros > *Bademalos > Badamalos (idem).

— O nome em discussão teria origem céltica, encontrando a sequência bad- paralelo no galês baedd, "javali", "cerdo"; esta relação seria favorecida pela existência, nas proximidades de Badamalos, da localidade de Cerdeira possivelmente alusiva a cerdo. Tal é a hipótese sugerida por José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (Lisboa, Livros Horizonte, 2003), que, no entanto, Alme...

Pergunta:

Em várias localidades de Portugal, tanto no Norte como no Sul, há ruas (ou largos, etc.) com o nome de Plames. Como a Rua dos Plames em Vila Chã, Vale de Cambra, Aveiro, Largo dos Plames, Vila Viçosa, ou Caminho dos Plames, em Santa Marinha do Zêzere, Baião, Porto. Consultei o dicionário de Bluteau, onde só aparece a palavra pelames, não consta no dicionário de José Pedro Machado nem no de Houaiss. Gostaria de saber o que significa.

Muito obrigado.

Resposta:

Trata-se de variante popular de pelame, na aceção de «tanque para curtir peles» (cf. Dicionário Houaiss). Por outras palavras, os topónimos em questão têm provavelmente todos origem em áreas ou pontos urbanos especializados na produção de curtumes. A forma "plame" explica-se pela síncope do e átono entre consoante oclusiva (o p) e consoante líquida (o l).

Pergunta:

Sempre soube que a cidade sulina Xuí tem sua grafia com X desde 1943.

Consultando a Internet, não encontro respaldo para tal, só vejo com CH.

A Academia Brasileira de Letras manda escrever Chuí.

Teria condições de dirimir minha dúvida?

Resposta:

É certo que aparece Xuí em certas fontes, mas o uso impôs Chuí.

A obra Enciclopédia Culural Larousse Brasil A/Z regista as formas Xuí e Chuí, esta com a indicação de ser a forma usual. Silveira Bueno, no Vocabulário Tupi-Guarani-Português (São Paulo, Éfeta Editora, 1998), escreve sempre com ch-: Chuí («var. Juí, pintassilgo»; p. 105) e Chuy («Rio do Est. do Rio Grande do Sul. Rio dos chuís, dos pintassilgos. Foi sempre considerado o território extremo do sul do Brasil»). A Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura regista só a forma Chuí.

Relativamente a fontes de Portugal, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1940, tem Chuí, mas no Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966, de Rebelo Gonçalves, figura Xuí, presume-se que em referência à cidade brasileira.1 José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, acolhe as duas formas sem as relacionar e interrogando-se sobre uma eventual origem tupi. 

Em suma, prevalece a forma Chuí, até porque, tendo em conta o espanhol Chuy, nome da cidade uruguaia, se pode aceitar a tradicional correspondência entre o "ch" do espanhol e o "ch" do português. É possível que Xuí tenha fundamento em certas características fónicas do nome original, duma língua da família tupi-guarani, mas não foi possível reunir dados mais esclarecedores nem nas obras consultadas nem noutras fontes.

1 Já no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, publicado em 1947, Rebelo Gonçalves regista a fo...

Pergunta:

Uma grande dúvida no meio acadêmico veterinário é qual é o termo correto para a obtenção de amostras de sêmen ou fluidos como o sangue. Colheita, ou coleta? Estou confuso porque, para mim, colheita é para sementes, feno, etc. (mais ligado a isto, colheita de grãos como o trigo). Qual é o termo mais correto para amostras biológicas?

Resposta:

No contexto em apreço, ambas as palavras estão corretas; a diferença reside na variedade de português em que ocorram. Assim, no português europeu, usa-se «colheita de sangue/sémen» (também se usa «recolha de sangue/esperma»), reservando-se coleta para uma recolha de fundos (exemplos atribuídos ao português europeu no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira):

«[...] a equipa deve ser constituída por três médicos, nenhum dos quais poderá pertencer nem às equipas de colheita nem de transplante [...]»;

«É, muitas vezes, nesse preciso momento que as pessoas sentem na pele a importância da colheita de sangue. [...]»

«A experiência consiste em fazer uma colheita no sangue de linfócitos T [...]».

No entanto, no Brasil, favorece-se «coleta de sangue», conforme se depreende da respetiva definição no Dicionário Houaiss, s. v. coleta: «ato de colher ou recolher (produtos, elementos, amostras etc.) para estudo, análise, exame etc. Ex.: c. de dados, de informações, de sangue.» No mesmo dicionário, a definição de colheita não associa esta palavra à recolha de líquidos orgânicos.

Refira-se, a título de curiosidade, que colheita e coleta têm o mesmo étimo latino: collecta, ae

Pergunta:

Qual é o significado/interpretação mais precisa do dito: «nem um órgão da Sé»?

Agradeço a ajuda.

Resposta:

Não encontro dicionarizada a expressão «nem um órgão da Sé». No entanto, ela ocorre em Arca de Noé – III Classe, uma obra do escritor português Aquilino Ribeiro (1885-1963):

«Daí a instantes rebentava um medonho ressonar. Devia ser o cão que passara a noite a correr pela quinta com medo que os larápios lhe fossem à horta ou ao meloal! Nem um órgão da Sé. [...]»

Neste contexto, «nem um órgão da Sé» é interpretável como «nem um órgão da Sé fazia tanto barulho (como o cão que ressonava)» ou como «alguém ressonava tanto que nem um órgão da Sé consegue fazer mais barulho». A expressão é, portanto, usada como hipérbole e constitui um termo de comparação, referente aos sons de grande intensidade produzido por qualquer órgão de uma sé, isto é, de uma «igreja episcopal ou patriarcal; catedral» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora).