Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Será que a tradução portuguesa para o francês «bien que» traduzida por «bem que» continua a ser um galicismo?

Costumo traduzi-lo por «apesar de» + infinitivo pessoal ou embora + modo conjuntivo mas ouço cada vez mais «bem que»...

Obrigada!

Resposta:

A expressão «bem que», mesmo que usada, continua a ser um galicismo a evitar. As traduções indicadas, com a locução conjuncional «apesar de» e a conjunção embora, são as canónicas e indiscutivelmente certas para introduzir orações concessiva. E é de notar que existe também a locução «se bem que», que evita a locução «bem que»

Dito isto, convém assinalar que «bem que» tem um uso mais enraizado no português, quando ocorre no seguinte contexto:  

(1) Bem que ele me disse que ia chover!  

Em (1), «bem que» significa «foi com razão que...».

Pergunta:

De acordo com a Wikipédia, a expressão "ala-arriba!" é própria da comunidade piscatória da Póvoa de Varzim.

Gostaria de saber se esta informação está correta e se, em todo o caso, tem também aplicação linguística fora desse contexto geográfico.

Muito obrigado.

Resposta:

Não se pode aqui confirmar que a expressão seja ou tenha sido exclusiva dos pescadores da Póvoa de Varzim.

Na verdade, a expressão registada encontra-se em fontes que a atribuem ou ao norte de Portugal ou à linguagem das atividades à beira-mar, ao longo da costa de Portugal continental:

– No dicionário de Caldas Aulete, na definição da interjeição ala («eia»), identifica-se as expressões «ala, arriba» (sem hífen) e «ala, ala» com o litoral norte de Portugal, e não especificamente com a Póvoa de Varzim:

(1) «Ala, arriba!, vamos, para cima! Cf. Arriba. || Ala! Ala! Ala 1. arriba! Exclamação em brinde, no fim de banquete e em outras festividades, principalmente em terras marítimas do norte de Portugal. »

– No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, regista-se uma abonação de «ala, arriba» ou simplesmente "ala!", como interjeição e conforme usou Raul Brandão:

(2) «1. exclamação usada para incitar a puxar, a levantar alguma coisa: Ala! Ala! Ala, arriba! «Ala! Ala! Eh, rapazes! Oupa!» (R. Brandão, Pescadores, p. 32) 2. (Informal) exclamação usada para incitar à partida sem demoras ou para ordenar a alguém que desapareça: Ala! Vamos embora! Ala! Toca a andar! Ala! Fora daqui! ala, que se faz tarde; (Informal) frase exclamativa usada para incitar à fuga rápida, oportuna ou para ordenar a alguém que se apresse a partir: «o Lopes mandou seguir. Estava visto o que mais interessava – ala! que se faz tarde.» (Torga, Criação, p. 275) »

– No

Pergunta:

Deve dizer-se de forma correta "máquina de rasto" ou "máquina de rastos"?

Resposta:

Atendendo ao registo em dicionários, recomenda-se "rastos", no plural, em «máquina de rastos».

Esta forma figura na Infopédia, no artigo dedicado à palavra rasto e com a seguinte definição: «máquina de rastos designação extensiva a diferentes veículos equipados com lagartas, próprios para a realização de trabalhos (agrícolas, de construção, etc.) em terrenos acidentados».

Pergunta:

Qual a forma correta de designar: «rádio a pilhas» ou «rádio de pilhas»?

Obrigada.

Resposta:

Embora não se possa dizer que «rádio de pilhas» esteja incorreto, a forma mais corrente e correta é «rádio a pilhas», subentendendo «rádio que funciona a pilhas» (ou «com pilhas»).

Quando se trata do funcionamento de máquinas e equipamentos, é mais corrente a preposição a a anteceder a expressão que designa a fonte de energia ou processo de funcionemento: «carro a gasolina/a gás», «aquecedor a gás/óleo», «fogão a gás», «grelhador a carvão», «fritadeira a ar quente» (também possível «fritadeira de ar quente», em lugar do anglicismo air fryer).

Ao rádio a pilhas também se chama (ou chamava) vulgarmente transístor ou transistor. A primeira forma, de acentuação grave, é a corrente em Portugal (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), enquanto a segunda tem registo nos dicionários do Brasil, que lhe dão preferência sobre transístor, forma também neles consignada (ver, p. ex., o Dicionário Houaiss).

N. E. – Resposta atualizada em 04/05/2025.

Sobre lapsos linguísticos no velório do Papa
Octogenário, importar-se e «ser eleito»

«Octagenário» e «ser elegido» são duas formas erróneas ouvidas nos comentários que, na CNN Portugal, entre 21 e 22 de abril de 2025, se fizeram sobre o falecimento e o velório do Papa Francisco. O comentário do consultor Carlos Rocha.