Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, acreditavam ter chegado às Índias, daí chamar os nativos de "índios", o que se constitui em tremendo erro histórico. Como o lugar aonde chegaram foi o Brasil, seus nativos deveriam ser chamados de "brasilgenas", ou "brasigenas", nunca "indígenas".

É correto pensar assim?

Resposta:

Do ponto de vista morfológico e etimológico, o termo indígena nada tem que ver com a palavra índio.

A palavra indígena vem do latim indigĕna, indigĕnae, que significa «natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria» e que se compõe, também em latim, de indu, forma arcaica da preposição in, «em», e de -gena, por sua vez um derivado do verbo latino gigno, is, genŭi, genǐtum, gignĕre, «gerar»1. Ou seja, este é um aspeto muito importante para não tirar conclusões precipitadas, o elemento indi- de indígena relaciona-se com a preposição portuguesa em, que vem da preposição latina in, e não de índio.

Quanto às formas propostas na consultas, a primeira, "brasilgena" e "brasigena" são palavras muito discutíveis, para não dizer incorretas. Na verdade, tendo em conta que o elemento -gena de indígena é átono mas tem um acento tónico associado que recai na última sílaba do primeiro elemento de indígena, teria de se considerar formas como "brasílgena" e "brasígena", que não têm registo. Dado que se atesta o vocábulo brasilíada2, mais plausível se torna, por exemplo, a formação de "brasilígena", de que não se encontrou registo.

Em suma, estando disponível indígena e sabendo que os chamados povos ameríndios não se limitavam ao território hoje brasileiro, não se vislumbra razão para rejeitar o termo em apreço.

1 É a etimologia apresentada no Dicionário Houaiss. Observe-se, porém, que no Diccionario Crítico Etimológico Castellano...

Pergunta:

Miraldo é um topónimo do baixo latim Miraldus? Ou do germânico mir + aldo («admiração» + «nobreza, sabedoria»)?

Obrigado.

Resposta:

O topónimo Miraldo, nome de um lugar da freguesia de Freamunde, no concelho de Paços de Ferreira, poderá ter tido a forma Miraldus em documentos medievais escritos em latim.

Note-se, porém, que a forma latina do nome em apreço se atesta como Mirualdo num documento do ano 9781. Como muitos nomes de origem germânica, será um composto, formado por mir-, variante do gótico mêreis («famoso») e de um derivado do verbo gótico waldan («governar»)2. Na Galiza, no concelho de Sárria (Lugo), encontra-se Miralde3, topónimo que terá a mesma origem nesse nome pessoal (antropónimo).

1 Cf. Miraldo em José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003.

2 Cf. Joseph-Maria Piel, Os Nomes Germânicos na Toponímia Portuguesa, 1937-1945.

3 Cf. Nomenclátor de Galicia.

Pergunta:

Me deparei com traduções usando a letra N antes de B em "unbiúnio", "unbinílio" e "unbibium". Até aí, são erros óbvios.

Mas, e quanto a "unbihéxio" e "unhexquádio", teria a necessidade de hifenização antes do afixo -hex-/-héx-?

Fui procurar a versão em latim com seus alomorfos e percebi que usam as palavras de forma idêntica ao inglês, contudo podem ser má tradução.

Aproveitando, gostaria de saber se o mesmo deve ocorrer com os aportuguesamentos "umpentéxio" (unpenthexium), "unumpêntio" (ununpentium), "un-hexpêntio" (unhexpentium), dentre os derivados.

Resposta:

À luz da ortografia do português, trata-se de facto de formas erradas porque não se escreve n antes de b.

No entanto, acontece que na nomenclatura dos elementos químicos artificiais se usam termos que seguem regras que, em grande parte, são impostas pela União Internacional da Física Pura e Aplicada (IUPAC), conforme se explica no artigo "Os Nomes dos Elementos Químicos" publicado no Boletim da Sociedade Portuguesa de Química (ou/dez 2010, p. 47):

«[...] a IUPAC aprovou para eles [os elementos artificiais] uma nomenclatura sistemática e uma série de símbolos constituídos por três letras para uso provisório [...]. O nome provisório de cada elemento químico é derivado directamente do seu número atómico por utilização das seguintes sílabas numéricas antepostas à terminação io: 0= nil 1 = un 2 = bi 3 = tri 4 = quad 5 = pent 6 = hex 7 = sept 8 = oct 9 = enn As sílabas são colocadas pela ordem dos dígitos que constituem o número atómico e adiciona-se a terminação io para formar o nome. Elide-se o n de enn quando se lhe seguir nil e o i final de bi e tri quando se lhes seguir io. Em português, razões fonéticas exigem frequentemente a acentuação das sílabas nos nomes e exige-se a hifenação antes de h no meio das palavras [...].»

No artigo, inclui-se também na pág. 47 um quadro intitulado "Nomes e símbolos temporários para os elementos de número atómico superior a 112", no qual figuram os nomes em questão1:

115 (número atómico) –

Pergunta:

Duas palavras: Caschopadre/Cachopadre e Sisto.

Têm ascendência germânica?

Resposta:

O nome de lugar (topónimo) Cachopadre1 não parece ter origem germânica.

Terá antes origem num composto formado:

– por cacho, um vocábulo arcaico que significava «pedaço de terra» e se relaciona com o regionalismo de Entre Douro e Minho cachar, verbo que significa «preparar (terra ou terreno) para cultivo; arrotear, surribar» (cf. Dicionário Houaiss) e com o substantivo cachada, «campo que proveio da roça do mato»;

– e padre, que pode não o nome comum padre, mas sim uma forma do nome próprio latino Patrius, o qual, no entanto, não se atesta na toponímia prtuguesa  (ver Joseph-Maria Piel, "Nomes de Possessores Latino-Cristãos", Biblos, 1947, p. 345).

Note-se que há vários topónimos que exibem a raiz cach-, de cacho, provavelmente na aceção acima referida: Cachoufe, Cachousende, Cachafrõe, Cachadoufe. Na Galiza também há exemplos: Cachosenande (Corunha), Cacharequille (Ourense), Cachalvite (Ourense) – cf. Nomenclátor de Galicia. Na maior parte dos topónimos referidos, o segundo elemento tem origem em nomes germânicos medievais. Mas o caso de Cachopadre será uma exceção, uma vez que se afigura plausível que o segundo elemento seja de origem não germânica.

Quanto a Sisto, também não se encontra aqui uma origem germânica. Há quem o atribua ao nome pessoal (antropónimo) Sixto, mas é também se põe a hipótese de provir de um nome comum não atestado, com a forma sisto, que denotaria a noção...

Pergunta:

A cidade de Sydney, na Austrália, é traduzida para português como "Sidney"?

Questiono a razão de apenas um dos "y" ter sido substituído por um "i" e não ambos. Parece-me que seria mais lógico manter os dois "y", ou então substituir ambos.

Resposta:

Nas fontes aqui consultadas1, não se indica que o topónimo australiano Sydney se transponha para português da forma apresentada na pergunta.

Na verdade, o que o uso e os registos enciclopédicos disponíveis mostram é que:

– mantém-se a forma inglesa Sydney;

– em alternativa, disponibiliza-se o registo Sídnia, que, no entanto, parece muito pouco usada.

Existe a forma Sídnei, como aportuguesamento do nome de pessoa (antropónimo) Sidney, este, sim, escrito com i na primeira sílaba.

1 As fontes consultadas são um vocabulário ortográfico e dois dicionários onomásticos, obras que têm impacto normativo: Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa (1999) da Academia Brasileira de Letras e José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

 

Nota do consultor (05/03/2024) – Alterei ligeiramente a resposta acima, para indicar que as fontes consultadas têm expressão normativa. A alteração foi feita na sequência do seguinte comentário do consulente Giovanni Saponaro:

«Na resposta à pergunta Sydney, Sídnia e Sídnei lê-se que, nas fontes consultadas, o nome aparece como Sydney