Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Posso traduzir transgenderism (inglês) para "transgenderismo"?

Resposta:

Tendo em conta que o inglês transgenderism deriva de transgender, será necessário partir do do equivalente português, que é transgénero e, assim, formar transgenerismo, palavra que ainda não tem entrada nos dicionários.  

Procurando em línguas próximas do português, encontra-se em catalão a forma transgenerisme, que está dicionarizada, e converge com a forma portuguesa que aqui indicada.

 

N. E. (01/03/2025) – Transgénero é adjetivo invariável e nome comum dos dois géneros que denota a «pessoa que expressa uma identidade de género diferente da que corresponde ao seu género de nascença» (Infopédia). Importa registar que o inglês transgenderism, que significa genericamente «condição de ser transgénero», pode atualmente considerar-se ofensiva porque foi apropriada também por pessoas e grupos hostis à discussão das questões de género e usada com intenção depreciativa para referir o comportamento e o discurso das pessoas transgénero e não binárias (cf. o Cambridge English Dictionary e o Wiktionary).

 

 

 

 

 

 

 

Pergunta:

Tenho particular interesse como consulente do léxico do português brasileiro em saber as origens das palavras.

Na edição eletrônica do Dicionário Houaiss (2025), observo diversas expressões empregadas para caracterizar a etimologia incerta de determinados vocábulos, tais como:

a) orig. contrv. (origem controversa) (ex.: balaio);

b) orig. desc. (origem desconhecida) (ex.: chasqueiro);

c) orig. duv. (origem duvidosa) (ex.: catano);

d) orig. obsc. (origem obscura) (ex.: léria);

e) orig. inc. (origem incerta) (ex.: chapa).

Diante desses critérios lexicográficos estabelecidos pelo Dicionário de Houaiss, em que medida eles se mostram irrefutáveis para a classificação de palavras cuja etimologia permanece imprecisa ou indefinida? Quais são os principais desafios e abordagens metodológicas para atribuir essas categorias, considerando a evolução das línguas e as fontes históricas disponíveis?

Resposta:

Tanto foi aqui possível apurar, no Dicionário Houaiss (1.ª edição, de 2001) não se explica exatamente se entre as classificações em questão há diferenças teóricas e metodológicas precisas. O que se lê nos textos introdutórios da nomenclatura do referido dicionário é o seguinte:  

«44.12 Em numerosos verbetes, preenche-se o campo da etimologia com uma das abreviaturas "orig.obsc." (origem obscura), "orig.duv." (origem duvidosa), "orig.contrv." (origem controversa) ou "orig.desc." (origem desconhecida), consoante o caso [...].»  

Mesmo assim, parece possível interpretar e dispor tais categorias do seguinte modo:  

a) «origem obscura» (ex. cotovelo) e «origem desconhecida»: étimo não identificado. É frequente empregar «origem obscura», quando a palavra está documentada desde a Idade Média, transmitida por via latina, geralmente popular, mas com origem provável num étimo não latino ainda por identificar; é o que acontece, p. ex., com muitos casos da toponímia, como Lisboa ou Mondego. A categoria «origem desconhecida» pode ser associada a palavras tanto mais antigas como mais recentes, mas não é certo que «origem obscura» também não possa figurar associada a casos deste tipo. 

b) «origem duvidosa» (ex. alpendre), «origem controversa» (ex. carvalho): são categorias que remetem sobretudo para a discussão entre etimólogos, reservando-se a segunda expressão quando existem visões fortemente divergentes quanto a propostas etimológicas. 

No que diz respeito ao conhecimento etimológi...

Pergunta:

Gostaria de saber, por favor, se há interjeições em português arcaico com o sentido de assentimento, aprovação?

Agradeço pela atenção.

Resposta:

O Dicionário de Língua Portuguesa Medieval (2022) consigna duas interjeições que podem aproximar-se do que se pretende na consulta:

«amem interjeição. (Do latim amen). Amém, assim seja (século 13 Cantigas de Santa Maria 065) E gran doo fez por el seu companneiro, / e quant'el viveu foi senpr' ali senlleiro, / guardand'o sepulcro; mais Deus verdadeiro / levó-o consigu', e el seja loado. Amen. (século 12 Cantigas de Escárnio e Maldizer 341) E tod'homem que molher bem quiser / e m'esto oir, e amem nom disser, nunca veja de quant'ama, prazer! [...]»

«aha interjeição (do latim ah) . Ahah, é isso [séc. 13 Cantigas de Santa Maria 251) "Ahá, / aquel é o meu fillo e dade-mio acá."» – no entanto, este caso parece exprimir não tanto aprovação, mas antes conclusão.

Pergunta:

No jornal das 21h30 de ontem, dia 13.2.2025, da RTP2, vi o substantivo musicista utilizado para definir a profissão de uma compositora musical. Está correto?

Obrigada.

Resposta:

Apesar da formação de musicista ser explicável com unidades morfológicas da língua portuguesa (o radical de música e o sufixo -ista), trata-se provavelmente de um italianismo, musicista, que se adaptou facilmente ao português.

Tendo em conta as fontes aqui consultadas, não se deteta preceito nem doutrina que condene o uso de musicista.

Contudo, músico seja, em Portugal, o vocábulo mais corrente para designar quem executa peças musicais. O Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa regista a palavra como adjetivo e nome, nas seguintes aceções: «1. Música (pessoa) que compõe e executa música; sinónimo músico. 2. pessoa que aprecia e é versada em música». Com argumento de se confundir por homonímia com o nome música, «arte de combinar os sons», há falantes que hesitam perante a forma do género feminino correspondente a músico, ou seja, música (ex. «ela é música»), mas não se encontra razão para condenar esta palavra.

No Brasil, um musicista é também um autodidata em música (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Li em algum lugar (não me lembro em qual) que, por razões semânticas, as palavras papel e chapéu não são consideradas como uma rima no idioma português...

Isso procede?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

A rima não se define por razões semânticas, o que não significa à seleção de palavras para rima não assistam razões desse tipo.

Mas, independentemente de motivos semânticos, observe-se que, no português do Brasil, a vocalização do /l/ em final de palavra, como em papel, ou a fechar sílaba, como em calma, que se verifica em grande parte dos dialetos deste país, permite que papel rime com com chapéu, e calma, com trauma, o que é totalmente legítimo.

No português de Portugal, não existe tal vocalização (pelo menos, não na pronúncia-padrão), e, portanto, geralmente, papel não rima com chapéu.