Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por que o Acordo Ortográfico de 1990 unificou a grafia de "Cingapura"/"Singapura", e não fez o mesmo com "berinjela"/"beringela"?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Acordo Ortográfico de 1990 não é claro quanto à grafia de nomes próprios, os quais podem envolver a consideração de aspetos históricos. Mas é verdade que apenas apresenta a forma Singapura, na Base III, quando se refere a homofonia de certos grafemas consonânticos.

Tanto quanto sabemos, no Brasil, apesar de se aceitar a grafia Cingapura, também é corrente Singapura1, forma que é a única correta em Portugal (cf. Textos relacionados)2.

Quanto a berinjela, esta é forma possível, mas beringela é a forma preferível (cf. Textos relacionados).

1 No Brasil, ambas as grafias são legítimas. como refere Evanildo Bechara, num apontamento publicado em O Dia (01/01/2012) e disponível no portal da Academia Brasileira de Letras: «Nos bons dicionários elaborados no Brasil, Houaiss optou por ‘Cingapura’, e o Aurélio por ‘Singapura’. O Acordo  de 1990 registra a escrita com ‘s’, por ser um texto que tomou por modelo o sistema de 1945; mas a verdade é que, neste particular, se antecipou à última palavra a ser dada, futuramente, pelo vocabulário ortográfico da terminologia geográfica e ciências afins. Enquanto a decisão não vier, são válidas as duas grafias. Foi a lição que tomou certeiramente, assim o julgamos, a 5ª edição do VOLP da ABL, registrando os gentílicos ‘cingapurense’, ‘cingapuriano’, ao lado de ‘singapurense’; pois não registra  nomes próprios [...].» A chamada de atenção para este apontamento deve-se a

Pergunta:

dicionário da Porto Editora tem como significado para o nome masculino saca-nabo o seguinte: «náutica gancho ou haste de ferro que serve para pôr em movimento o nabo ou êmbolo da bomba dos porões.»

Porém, ao consultarmos o termo nabo no mesmo dicionário, não encontramos qualquer referência que explique aquela acepção.

Agradecemos a Vossa apreciação.

Resposta:

Falta efetivamente a aceção de «êmbolo» na entrada de nabo no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, da Porto Editora. O mesmo acontece com o Dicionário Priberam, que consigna saca-nabo, mas não o uso de nabo como designação de um tipo de êmbolo.

No entanto, esta aceção tem registo no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: «4. êmbolo grosseiro de uma bomba naval». No dicionário de Caldas Aulete (versão digital, verbete original) também se inclui esse significado: «Êmbolo grosseiro de uma bomba.»

Pergunta:

Gostaria de saber porque é que o nome latino "Caius" tem duas traduções em português: na variante europeia, Gaio; e, na brasileira, Caio.

Qual a razão para em Portugal se usar um g?

Desde já agradeço a vossa resposta.

Resposta:

Considera-se, por razões históricas, que Gaio é a forma mais correta (cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966).

O nome romano Gaius (e não "Caius") era abreviado como C. por tradição, continuando uma prática criada em tempos em que, no latim, o uso das letras C e G ainda não estava diferenciado.

Atualmente, aceitam-se as duas formas, Gaio e Caio, muito embora, como primeiro nome, a segunda forma prevaleça.

Pergunta:

Tenho ouvido a expressão «ir a penantes», no sentido de «ir a pé».

Surpreendi este sentido na Infopédia

Estará correto? Ou será uma corruptela de «regressar a penates», no sentido de regressar a casa, que acabou por ser dicionarizada?

Obrigado.

Resposta:

«Ir a penantes» constitui uma expressão do registo informal, o que torna a sua correção um aspeto secundário, porque na linguagem popular surgem ou sobrevivem muitas palavras e expressões fora da norma-padrão.

A expressão encontra efetivamente registo na entrada de penante na Infopédia, mas esta inclusão é discutível: penante é designação para um chapéu alto, mas «a penantes», que significa muito prosaicamente «a pé, caminhando» (cf. Afonso Praça, Novo Dicionário do Calão, Casa das Letras, 2005), sugere que terá havido aqui motivação direta ou indireta na palavra .

Por outro lado, sabendo do uso da expressão de origem clássica «regressar a penates»1, com o significado de «regressar à terra de origem», é bem provável que "penantes" evoque jocosamente a expressão de transmissão erudita. A nasalidade de "penantes" sugere analogia com outra forma também popular, com o seu quê de gíria e calão: calcante, «calçado, sapatos, bota, botina; pé», conforme definição de José Pedro Machado, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa. O mesmo autor apresenta «no calcante», com o significado de «a pé», e dá entrada ainda a calcântibus, forma do latim macarrónico que ocorre na expressão «ire ad pedibus calcantibus, com significação de ir a pé, ir à pata».

Trata-se, portanto, de uma expressão popular, talvez criada em ambiente urbano e no contexto escolar de há mais de um século, quando o latim ainda era estudado e podia ser fonte de frequente criação linguística.

Refira-se, por último, que é curioso o aproveitamento do latim para referir a falta de meio de transporte. No português europeu, ou...

Lapsos e confusões
A propósito do inconsciente na troca de palavras

Um «crime perpetuado» e «um pedaço da fusilagem (de aeronave)» sáo os casos comentados neste apontamento do consultor Carlos Rocha.