Pergunta:
A peça de teatro Náufragos, de Fernanda de Castro (1900-1994), apresenta várias marcas do falar algarvio. Importa referir que toda a ação se desenrola em ambiente de pescadores. Assim, em contexto, solicita-se algum apoio no esclarecimento das expressões:
1. Emposta (será imposta/impostora?) – «Desde a Senhora da Encarnação que não me vê com bons olhos. Tudo por via do Amândio. Quando reparou nele a bailar comigo, pôs-se logo numa fúria, e vá de me tratar de falsa, de vadia e de emposta, defronte de toda a gente...»
2. Nágnas e Charlocas (náguas/anáguas e chalocas ?!) – Aquilo é que é uma bruteza. Ele são saias de pano fino, ele, charlocas bordadas, ele, nágnas de folhos, ele, corpos de chita…
3. Abiscámos (será um trocadilho popular com a ideia do isco) – Vou à do Bento… Andamos a concertar um negócio de sardinhas com os da fábrica… Já lhe abiscámos uma bruteza de encomendas. (à Rita) Anda daí Rita… Disse à Maria Rosa que te levava…
4. Brasalisco (será relacionado com inquietude?) – «Se desde mocinha me metes pena. Não te lembras? Quanto a gentinha caçoava dos trapos que te prantavam em riba, eu punha-te às cavalas, e fugia, fugia às carreiras até te fazer rir. Que chuvenisco tu eras, ó Mariana! Mesmo, mesmo um brasalisco.»
Pode, porventura, existir algum destes vocábulos mal escritos, uma vez que se retirou diretamente do manuscrito.
Resposta:
Respondendo pela mesma ordem:
1. "Emposta" é variante de imposta, forma do género feminino de imposto, que significa (ou significava) «enjeitado, exposto», isto é, «filho de pais incógnitos, geralmente abandonado».
2. A forma "nágnas" pode bem ser uma gralha, por náguas. Se sim – é bem provável – nágua ou anágua é «saia de baixo». "Charlocas" será deturpação ou variante de chalocas, sinónimo de cloques, «sapatos de ourelo».
3. "Abiscámos" não tem registo nas fontes aqui consultadas, mas sugere-se que tem que ver com catrapiscar, «namorar, conquistar».
4. Também não se achou registo de "brasalisco", mas parece sinónimo de chuvenisco, geralmente, o mesmo que chuvisco, mas no contexto em questão infere-se que é usado figurativamente como «pessoa, coisa pequena, minúscula». Não se encontrou atestação desta aceção nas obras de apoio.
Fontes: Revista Lusitana, Dicionário do Falar Algarvio, de Eduardo Brazão Gonçalves, e Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo.