Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A navegar pela Internet, dei com os topónimos Quinta do Manho, Quinta de Manhos e Lugar de Manhos, todos eles em Lamego.

Sabem qual a origem desse topónimo?

Obrigado.

Resposta:

É um topónimo de origem obscura.  

A forma deste topónimo varia entre «quinta do Manho» e «quinta de Manhos», pelo que é possível apurar numa consulta Google. Trata-se do mesmo lugar, uma vez que o código postal associado é o mesmo: 5100-105. O topónimo é igualmente mencionado numa página sobre águas termais no distrito de Viseu, na qual se escreve que Manhos se encontra «no cruzamento da Estrada de Lamego para Resende no local Relógio de Sol», ao que parece, na antiga freguesia de Almacave.  

Nas fontes de que dispomos, apenas o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, faculta algumas pistas, as quais, no entanto, não dizem diretamente respeito ao topónimo e ao lugar em questão: 

– Refere-se um «monte manio», forma que poderia ter a hoje a forma Manho, nas Inquirições de Afonso III, que se encontram nos Portugaliae Monumenta Historicae – PMH (Inquisitiones, p. 578) –, que parece situar-se a norte do Douro, nas imediações de Penafiel (distrito do Porto). Nas fontes disponíveis, não há registo atual de um topónimo com a forma Manho.  

– Também nos PMH, mas nos Livros de Linhagens (Scriptores, p. 269), se regista a forma Manho, mas como nome próprio, de um nobre da linhagem dos Castanheda, Manho Guterres. Acresce que o portal Geneall regista como apelidos Manho e Manhos, usados por pessoas que vi...

Pergunta:

Se existe o verbo ungir, por que motivo não existe "ungimento"?

Pergunto isto porque já consultei alguns dicionários e não pude encontrar nenhum que o tivesse grafado.

Agradeço qualquer esclarecimento que me possam dar.

Resposta:

O nome correspondente é unção. Por razões históricas, a palavra não deriva do verbo ungir, ou seja, não é construída em português, mas vem diretamente da forma latina unctione (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

«Tomar estado com uma mulher» é o mesmo que amancebar-se ou quer mesmo dizer «casar-se com ela»?

Muito obrigado!

Resposta:

A expressão «tomar estado» significa «casar-se». No entanto, não é de excluir que possa também ser equivalente a «viver em união de facto», situação que no passado era conhecida por amancebar-se.  

Consulte-se o dicionário de Caldas Aulete, que regista «tomar estado» com a seguinte definição:

«Tomar estado 1. casar-se; e (também) pôr casa, tomar um modo de vida.»

<i>Chega-m'isso</i> e <i>sicofantas</i>
A formação e origem de duas palavras depreciativas

O que será um "chega-m'isso"? E que significa sicofanta? O consultor Carlos Rocha escreve sobre a origem, a formação e a semântica destas duas palavras.

Pergunta:

Li por aqui uma resposta de 24/10/2017 ("Derivação não afixal não pode levar afixos") enquanto buscava sanar uma dúvida muito frequente quando trato de processos de formação de palavras em sala.

Como identificar se a formação é deverbal/regressiva, formando substantivos, ou sufixal para formação de verbos?

No caso, a dúvida surgiu com a palavra processo: trata-se de formação deverbal de processar ou o verbo forma-se, por derivação sufixal, do substantivo processo?

Para além desse caso, é possível estabelecer algum parâmetro? Como a referida resposta cita, a única saída seria o conhecimento de história da língua, da origem de cada vocábulo?

Muito obrigado!

Resposta:

A resposta está mesmo no conhecimento da história da língua, ou seja, não há uma regra precisa que permita distinguir um derivado não afixal de um substantivo que esteja na base de um verbo derivado. 

Mesmo assim, há autores que têm proposto critérios para essa distinção, como é o caso de Rio-Torto et al., Gramática Derivacional do Português (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pp. 123/124), que propõem o seguinte1:  

«[...] [C]omo distinguir se, num par N/V, é o verbo ou o nome o derivado? Vejam-se os seguintes pares muro/murar, mura/murar. A observação da estrutura fonológica e morfológica não deixa perceber em que situações é que o nome é derivado ou derivante. Os critérios que permitem essa identificação [...] são: 

1) o nome é derivado e o verbo derivante se estiverem presentes os prefixos a-, en-, es- . Dado que são prefixos que operam apenas na formação de verbos, deduz-se que não podemos estar perante rugaN > enrugaN > enrugarV, mas sim perante rugaN > enrugarV > enrugaN;  

2) se o nome tiver apenas semantismos de caráter concreto, o nome é derivante e o verbo derivado (muro ‘estrutura que separa um terreno’ > murar ‘prover de muro’). Se, para além de semantismos concretos, o nome apresentar significação abstrata de evento, o nome é derivado (murar ‘caçar ratos, o gato’ > muraN ‘evento de o gato caçar ratos’; colher ‘apanhar’> colhaN ‘evento de apanhar’). 

3) se o nome tiver acentuação esdrúxula, ou seja, não coincidente com a acentuação geral dos nomes do português, o nome é derivante (âncora > ancorar, acúmulo > acumular). 

4) se o nome tiver estrutura argumental, o nome é derivado (a colha do morango pelos...