Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Dizemos «Essas atitudes raiam o excesso» ou «Essas atitudes raiam ao excesso»?

Obrigado.

Resposta:

Dizemos das duas maneiras, mas sobretudo da primeira.  

O verbo raiar, derivado de raia («risca, traço, linha, limite, fronteira»), ocorre geralmente conforme o esquema «raiar alguma coisa», com o significado de «tocar os limites» e funcionando como verbo transitivo direto, visto selecionar um complemento direto:  

(1) «raiar o excesso» (cf. raiar2 no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Contudo, o verbo pode ter associado um complemento introduzido por preposição: 

(2) a: «atitudes que raiam à loucura» (Dicionário Houaiss).  

(3) por: «a pequena já raia pelos 15 anos» (cf. dicionário de Cândido de Figueiredo), «essa proposta raia pelo absurdo» (Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft).  

(4) em: «esse [cacófato] [...] raia na obscenidade» (cf. Dicionário de Verbos e Regimes de Francisco Fernandes).

Pergunta:

Conhece a etimologia de dois topónimos do concelho de Paços de Ferreira: "Cacães", da freguesia de Eiriz, e "Cô" da freguesia de Penamaior?

É especialmente problemático encontrar qualquer coisa sobre o segundo topónimo. 

Ficarei muito feliz por receber a sua ajuda.

Resposta:

A informação aqui recolhida não é conclusiva.  

Sobre "Cacães", é topónimo de origem obscura, de acordo com a escassa informação registada no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (DOELP, 2003), de José Pedro Machado. A própria grafia e pronúncia do topónimo é incerta: atualmente, escreve-se Caçães, com ç, mas em dicionários de toponímia encontra-se a forma "Cacães", que parece mais compatível com a forma medieval Cacanes, provavelmente alatinada (atestada num documento de 976 e noutro de 1258; cf. DOELP).  

Quanto a , é também topónimo de origem obscura, que nem sequer tem registo no DOELP. Mesmo assim, é nome conhecido que figura na designação «Feira do Cô», que tem registo no Guia de Portugal (4.º volume, 1964, p. 631): «[...] na aldeia de Penamaior, há, duas vezes por mês, a chamada "Feira do Cô", de gado, num pitoresco terreiro revestido de frondosas carvalhas.» 

Nas Memórias Paroquiais de 1758, nas respostas do pároco da freguesia de Eiriz, menciona-se sob a forma Coo: «no lugar chamado de Coo» (cf. José Variato Capela et al. As Freguesias do Distrito do Porto nas Memórias Paroquiais de 1758 – Memórias, História e Património, 2009, p. 148).  

Acresce que, em Barcelos, na antiga freguesia de M...

Pergunta:

Meu comentário é acerca da palavra perafita.

Presumidamente, até 1990 se escrevia, em Portugal, “pera-fita”, e no Brasil “péra-fita” (para distinguir de pera, preposição, e pêra, fruta), segundo o Acordo Ortográfico de 1945 e o Formulário Ortográfico de 1943. Porém, hoje em dia, não tenho certeza de como se escreve: os dicionários que consultei – o Aulete, a Infopédia, o Priberam e o dicionário da Academia de Ciências de Lisboa registram unanimente perafita, sendo que o verbete não consta nos dicionários Michaelis e Houaiss. O Vocabulário Ortográfico do Português não difere.

Agora – e surge daí uma confusão – no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras aparece apenas a grafia hifenada pera-fita.

Então, às perguntas: essa palavra perdeu, ou não, o hífen desde 1943? Como? E seria por analogia com “pára”, “pêra”, etc. que o VOLP optou por eliminar o acento na grafia sem ...

Resposta:

Os registos atualizados são efetivamente perafita, nome comum, que significa «pedra de grandes dimensões» e «monumento megalítico» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa – ACL), e Perafita, nome próprio e um topónimo que se encontra em Portugal, nos concelhos de Alijó, Matosinhos, Montalegre, Penafiel e Tarouca (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003 – DOELP). Conta-se ainda a variante Pedrafita, em Vila Nova de Famalicão (ibidem), e na Galiza é frequente o mesmo topónimo (cf. Nomenclátor de Galicia).

A palavra escreve-se, portanto, sem hífen, pelo menos em Portugal e, pelo menos, pelo que foi aqui possível apurar desde a aplicação da Convenção Ortográfica de 19451. É o que se infere do facto de, no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 214), que é da autoria de Rebelo Gonçalves e que esclarece numerosos aspetos da aplicação desse documento normativo, se encontrar Perafita entre os compostos onomásticos em que «se desvanece a noção de composição» e , por isso, se faz «a soldagem gráfica dos seus elementos».

Mas importa assinalar duas situações na história da fixação ortográfica de perafita/Perafita/Pedrafita:

– o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940 (VOLP-1940), da ACL, apresenta duas grafias, pera-fita, com hífen, como registo do nome comum, e Perafita, sem hífen...

Pergunta:

Posso traduzir transgenderism (inglês) para "transgenderismo"?

Resposta:

Tendo em conta que o inglês transgenderism deriva de transgender, será necessário partir do do equivalente português, que é transgénero e, assim, formar transgenerismo, palavra que ainda não tem entrada nos dicionários.  

Procurando em línguas próximas do português, encontra-se em catalão a forma transgenerisme, que está dicionarizada, e converge com a forma portuguesa que aqui indicada.

 

N. E. (01/03/2025) – Transgénero é adjetivo invariável e nome comum dos dois géneros que denota a «pessoa que expressa uma identidade de género diferente da que corresponde ao seu género de nascença» (Infopédia). Importa registar que o inglês transgenderism, que significa genericamente «condição de ser transgénero», pode atualmente considerar-se ofensiva porque foi apropriada também por pessoas e grupos hostis à discussão das questões de género e usada com intenção depreciativa para referir o comportamento e o discurso das pessoas transgénero e não binárias (cf. o Cambridge English Dictionary e o Wiktionary).

 

 

 

 

 

 

 

Pergunta:

Tenho particular interesse como consulente do léxico do português brasileiro em saber as origens das palavras.

Na edição eletrônica do Dicionário Houaiss (2025), observo diversas expressões empregadas para caracterizar a etimologia incerta de determinados vocábulos, tais como:

a) orig. contrv. (origem controversa) (ex.: balaio);

b) orig. desc. (origem desconhecida) (ex.: chasqueiro);

c) orig. duv. (origem duvidosa) (ex.: catano);

d) orig. obsc. (origem obscura) (ex.: léria);

e) orig. inc. (origem incerta) (ex.: chapa).

Diante desses critérios lexicográficos estabelecidos pelo Dicionário de Houaiss, em que medida eles se mostram irrefutáveis para a classificação de palavras cuja etimologia permanece imprecisa ou indefinida? Quais são os principais desafios e abordagens metodológicas para atribuir essas categorias, considerando a evolução das línguas e as fontes históricas disponíveis?

Resposta:

Tanto foi aqui possível apurar, no Dicionário Houaiss (1.ª edição, de 2001) não se explica exatamente se entre as classificações em questão há diferenças teóricas e metodológicas precisas. O que se lê nos textos introdutórios da nomenclatura do referido dicionário é o seguinte:  

«44.12 Em numerosos verbetes, preenche-se o campo da etimologia com uma das abreviaturas "orig.obsc." (origem obscura), "orig.duv." (origem duvidosa), "orig.contrv." (origem controversa) ou "orig.desc." (origem desconhecida), consoante o caso [...].»  

Mesmo assim, parece possível interpretar e dispor tais categorias do seguinte modo:  

a) «origem obscura» (ex. cotovelo) e «origem desconhecida»: étimo não identificado. É frequente empregar «origem obscura», quando a palavra está documentada desde a Idade Média, transmitida por via latina, geralmente popular, mas com origem provável num étimo não latino ainda por identificar; é o que acontece, p. ex., com muitos casos da toponímia, como Lisboa ou Mondego. A categoria «origem desconhecida» pode ser associada a palavras tanto mais antigas como mais recentes, mas não é certo que «origem obscura» também não possa figurar associada a casos deste tipo. 

b) «origem duvidosa» (ex. alpendre), «origem controversa» (ex. carvalho): são categorias que remetem sobretudo para a discussão entre etimólogos, reservando-se a segunda expressão quando existem visões fortemente divergentes quanto a propostas etimológicas. 

No que diz respeito ao conhecimento etimológi...