Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Acabo de ler: «Controlo bem as escadas, não me fazem medo nenhum.»

A frase despertou em mim uma dúvida que já tenho há muito tempo: diz-se «fazem medo» ou «dão medo»? É claro que podemos dizer «causam medo», mas eu diria que é menos coloquial, e é isso o registo que pretendo ver esclarecido. Muito obrigado.

Resposta:

As duas expressões estão corretas e não conhecemos doutrina que condene «fazer medo».

Ambos os verbos associados são verbos causativos, daí a possibilidade de serem substituídos pro causar no registo formal.

Na secção histórica do Corpus do Português, há atestações do uso de «fazer medo» e «dar medo» em textos literários que pouco se afastam da língua padrão, mesmo na recriação da oralidade no discurso direto:

(1) «Se os mortos vos não dão medo, tratai deles.» (Francisco Manuel de Melo, Apolo, 1640?)

(2) «Só as coisas que não compreende é que lhe fazem medo?» (Branquinho da Fonseca, Rio Turvo, 1945)

É curioso observar que deste corpus não se extraem ocorrências de «dar medo» em português europeu contemporâneo. É preciso encontrá-las em textos anteriores ao século XIX ou em textos do Brasil. Mas este é um aspeto que não leva a concluir que uma expressão é mais correta que a outra, dado que, pelo menos, não intuímos diferença apreciável entre «dar medo» e «fazer medo», que são expressões em uso.

Deve referir-se ainda «meter medo», expressão bastante corrente e sinónima de «fazer medo» e «dar medo». Tem registos dicionarísticos mais frequentes, em subentrada a medo e ocorre com frequência significativa na secção histórica do Corpus do Português:

(3) «Já nem a minha ignorância me metia medo.» (Miguel Torga, A Criação do Mundo, 1948)

Pergunta:

Já vi respostas vossas sobre o sentido de adentro e sobre o erro «a dentro».

Mas a minha pergunta é: «dentro» e «adentro» podem ser usados indistintamente nos casos em que uma pessoa irrompe por algum sítio?

Por exemplo: podemos escrever indiferenciadamente «Ele entrou pela casa adentro» e «Ele entrou pela casa dentro»?

Ou nestes casos justifica-se mais um termo do que o outro? E, se sim, qual?

Muito obrigado.

Resposta:

No caso em apreço, ambas as formas adverbiais estão corretas e são sinónimas.

Geralmente ocorrem com verbos ou construções que indicam movimento: «entrou pela casa adentro/dentro», «entrou paredes adentro/dentro».

Há quem considere que a forma adentro é uso clássico, e uma consulta da secção histórica do Corpus do Português confirma que adentro ocorria com maior frequência do que dentro na expressão «portas adentro/dentro», sem que se detete diferença semântica.

Não é de excluir que adentro, sem deixar de evocar a língua mais antiga, conote um estilo popular na expressão. É que acontece com variantes mais ou menos aceites como amandar, alevantar ou abaixar, fazendo com a prótese do a em adentro torne a predicação mais expressiva, acentuando um movimento brusco, de intenção agressiva.

Encontra-se igualmente a forma «a dentro», como escrevia Vasco Botelho de Amaral (no seu Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português), mas a forma atual é adentro. No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, regista-se em subentrada a dentro a expressão «portas a dentro», com «a dentro» escrito como locução, com o significado de «no interior de casa; no seio da família ou do grupo» – «Essas discussões têm-se portas a dentro»). Este é, no entanto, um registo que pode estar por engano, uma vez que adentro e dentro são as grafias que prevalecem noutros dicionários (cf. Infopédia, Priberam, Aulete).

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Pergunta:

Sou natural de Barcelos e vivi muito tempo na "minha" freguesia de "Máriz" ou "Mariz" (sem acento no "a").

Desde a escola primária, aprendi que se escrevia "Máriz", com pronúncia de "má...", e não "ma...".

Há quem pronuncie como se tivesse o acento, mas também sem o acento, especialmente as pessoas de fora.

Hoje colocaram em causa isto e disseram que até se pronuncia o acento, mas a escrever não leva acento!

Afinal como se escreve, "Máriz" ou "Mariz"?

Muito obrigado.

Resposta:

Escreve-se Mariz, sem acento gráfico, mas o a da primeira sílaba é aberto.

Para justificar este facto, é necessário distinguir escrita de pronúncia, ou seja, neste caso, temos de diferenciar entre o acento escrito (gráfico) e a pronúncia de vogal aberta. Por exemplo, quando se diz caveira, é muito provável que pronuncie a primeira sílaba com a aberto muito embora essa sílaba não seja a mais forte (tónica) da palavra – a sílaba tónica é -vei-. E, no entanto, não se usa acento gráfico.

No caso de Mariz, a sílaba mais forte é -riz. Ao mesmo tempo, a pronúncia tradicional do topónimo é também com a aberto na sílaba mais fraca. Como, na escrita, as palavras acabadas em -iz têm sempre, na pronúncia, a última sílaba mais forte (diz-se que são palavras agudas, como é o caso de nariz), não há maneira escrita de indicar que a vogal de Ma- é aberta e, portanto, é só aprendendo por ouvido que se sabe que a palavra soa com a aberto.

Pergunta:

Queria pedir, por favor, uma resposta mais detalhada sobre a preferência por «ir-se embora» em detrimento de «ir embora». Há contextos em que o se me parece necessário, outros em que me soa desnecessário, mas não tenho uma justificação científica para tal.

Por exemplo: na frase «Depois ele foi embora», parece-me faltar o se. Falta? Porquê?

Muito obrigado.

Resposta:

Depois de pesquisa e reflexão, não se afigura possível encontrar explicação mais "científica" a respeito do uso diferenciado de «ir-se embora» e «foi-se embora». Mas, se o se falta em «foi embora», a razão parece encontrar-se na idiomatização das formas verbais desta locução.

Com efeito, o uso de «ir-se embora», com o pronome átono (clítico), parece mais corrente em Portugal, sobretudo em certos contextos como «foi-se embora», o que não significa que não se use a locução sem clítico. No português do Brasil, o clítico tende a ocorrer menos, embora este possa ser frequente em «vou(-me) embora». Estas são as conclusões que se retiram de uma página da Internet, que, não tendo a participação de especialistas, faculta apreciações e até pesquisas interessantes: "É correto usar 'ir-se embora'?", Stack Exchange, janeiro de 2017. Na secção história do Corpus do Português, também se observa que em textos do português europeu é mais frequente «foi-se embora» e «se foi embora» do que «foi embora», muito embora a reduzida amostra de «foi(-se) embora» – 36 ocorrências – não permita detetar tendências bem definidas. Há, portanto, padrões particulares para as diferentes formas da flexão da locução «ir embora», e não se deteta uma razão óbvia para estas diferenças.

Talvez a ocorrência de «foi-se embora» e «foi embora» dependa da organização silábica destas expressões, pois há formas que dispensam mais frequentemente o clítico do que outras (cf. mais uma vez, o comentário e a tabela associada a respeito de «ir-se embora», na discussão registada em Stack Exchange). Em todo...

Pergunta:

Em Trás-os-Montes, pelo menos no concelho de Vinhais, utiliza-se o termo "moco" (com o fechado) na expressão «em môco» que designa um pássaro recém-nascido, ainda sem penas e apenas com uma ténue penugem. Não encontro essa expressão nem o termo "moco" em dicionários de regionalismos, nomeadamente:

– Mirandelês / Jorge Golias, Jorge Lage, João Rocha, Hélder Rodrigues. – Mirandela : Câmara Municipal de Mirandela, 2010. ISBN 978-972-9021-12-1; -

– Dicionário dos Falares de Trás-os-Montes / Vítor Fernando Barros. – Porto: Campo das Letras, 2002. ISBN 972-610-580-3

Colocada a questão numa ferramenta de inteligência artificial, obtive a informação genérica seguinte:

«O termo “moco” parece derivar do latim mucus, possivelmente relacionado ao estado frágil e vulnerável dos filhotes de pássaros, que ainda estão sem penas e cobertos apenas por uma leve penugem.»

Gostaria de, se possível, obter a informação sobre a existência registada do termo ou expressão, qual a sua origem etimológica e qual o seu uso e emprego em Portugal, em resposta fundamentada por um dos vossos habilitados autores.

Muito obrigado.

Resposta:

Nas fontes portuguesas consultadas1 para elaboração desta resposta, não se encontrou moco nem «em moco» na aceção descrita na pergunta.

Contudo, em fontes espanholas, regista-se o uso de «en moco» na região leonesa do Bierzo, onde, a par do espanhol, também se fala leonês e galego, o que se compreende, visto fazer fronteira com a Galiza e, na direção sul, distar cerca de 150 km de Vinhais. É plausível que «em moco» seja, portanto, a forma portuguesa correspondente à expressão leonesa (ou galego-leonesa), possibilitando que o português «em moco» e a locução «en moco» atestem uma locução antiga, comum ao leonês, ao galego e ao português setentrional. No Bierzo, a expressão aplica-se às plantas tenras e aos frutos que não estão maduros2; o uso português, relativo a aves recém-nascidas, pode resultar de um processo de extensão semântica e, portanto, ser posterior ao significado associado a plantas, mas não é possível confirmar aqui esta conjetura.

Sobre a origem da forma moco na locução em apreço, atribui-se o mesmo étimo de moco, variante de monco, ou seja, «muco do nariz», portanto originário do latim vulgar mŭccus (mūcus), com o mesmo significado. Observe-se, porém, que não é clara a relação entre o significado etimológico e o significado de moco na locução «estar em moco». 

Moco e monco denotam ainda uma «excrescência carnosa pendente do bico do peru, ou que se estende sobre ele». Além disso, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1...