Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Miraldo é um topónimo do baixo latim Miraldus? Ou do germânico mir + aldo («admiração» + «nobreza, sabedoria»)?

Obrigado.

Resposta:

O topónimo Miraldo, nome de um lugar da freguesia de Freamunde, no concelho de Paços de Ferreira, poderá ter tido a forma Miraldus em documentos medievais escritos em latim.

Note-se, porém, que a forma latina do nome em apreço se atesta como Mirualdo num documento do ano 9781. Como muitos nomes de origem germânica, será um composto, formado por mir-, variante do gótico mêreis («famoso») e de um derivado do verbo gótico waldan («governar»)2. Na Galiza, no concelho de Sárria (Lugo), encontra-se Miralde3, topónimo que terá a mesma origem nesse nome pessoal (antropónimo).

1 Cf. Miraldo em José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003.

2 Cf. Joseph-Maria Piel, Os Nomes Germânicos na Toponímia Portuguesa, 1937-1945.

3 Cf. Nomenclátor de Galicia.

Pergunta:

Me deparei com traduções usando a letra N antes de B em "unbiúnio", "unbinílio" e "unbibium". Até aí, são erros óbvios.

Mas, e quanto a "unbihéxio" e "unhexquádio", teria a necessidade de hifenização antes do afixo -hex-/-héx-?

Fui procurar a versão em latim com seus alomorfos e percebi que usam as palavras de forma idêntica ao inglês, contudo podem ser má tradução.

Aproveitando, gostaria de saber se o mesmo deve ocorrer com os aportuguesamentos "umpentéxio" (unpenthexium), "unumpêntio" (ununpentium), "un-hexpêntio" (unhexpentium), dentre os derivados.

Resposta:

À luz da ortografia do português, trata-se de facto de formas erradas porque não se escreve n antes de b.

No entanto, acontece que na nomenclatura dos elementos químicos artificiais se usam termos que seguem regras que, em grande parte, são impostas pela União Internacional da Física Pura e Aplicada (IUPAC), conforme se explica no artigo "Os Nomes dos Elementos Químicos" publicado no Boletim da Sociedade Portuguesa de Química (ou/dez 2010, p. 47):

«[...] a IUPAC aprovou para eles [os elementos artificiais] uma nomenclatura sistemática e uma série de símbolos constituídos por três letras para uso provisório [...]. O nome provisório de cada elemento químico é derivado directamente do seu número atómico por utilização das seguintes sílabas numéricas antepostas à terminação io: 0= nil 1 = un 2 = bi 3 = tri 4 = quad 5 = pent 6 = hex 7 = sept 8 = oct 9 = enn As sílabas são colocadas pela ordem dos dígitos que constituem o número atómico e adiciona-se a terminação io para formar o nome. Elide-se o n de enn quando se lhe seguir nil e o i final de bi e tri quando se lhes seguir io. Em português, razões fonéticas exigem frequentemente a acentuação das sílabas nos nomes e exige-se a hifenação antes de h no meio das palavras [...].»

No artigo, inclui-se também na pág. 47 um quadro intitulado "Nomes e símbolos temporários para os elementos de número atómico superior a 112", no qual figuram os nomes em questão1:

115 (número atómico) –

Pergunta:

Duas palavras: Caschopadre/Cachopadre e Sisto.

Têm ascendência germânica?

Resposta:

O nome de lugar (topónimo) Cachopadre1 não parece ter origem germânica.

Terá antes origem num composto formado:

– por cacho, um vocábulo arcaico que significava «pedaço de terra» e se relaciona com o regionalismo de Entre Douro e Minho cachar, verbo que significa «preparar (terra ou terreno) para cultivo; arrotear, surribar» (cf. Dicionário Houaiss) e com o substantivo cachada, «campo que proveio da roça do mato»;

– e padre, que pode não o nome comum padre, mas sim uma forma do nome próprio latino Patrius, o qual, no entanto, não se atesta na toponímia prtuguesa  (ver Joseph-Maria Piel, "Nomes de Possessores Latino-Cristãos", Biblos, 1947, p. 345).

Note-se que há vários topónimos que exibem a raiz cach-, de cacho, provavelmente na aceção acima referida: Cachoufe, Cachousende, Cachafrõe, Cachadoufe. Na Galiza também há exemplos: Cachosenande (Corunha), Cacharequille (Ourense), Cachalvite (Ourense) – cf. Nomenclátor de Galicia. Na maior parte dos topónimos referidos, o segundo elemento tem origem em nomes germânicos medievais. Mas o caso de Cachopadre será uma exceção, uma vez que se afigura plausível que o segundo elemento seja de origem não germânica.

Quanto a Sisto, também não se encontra aqui uma origem germânica. Há quem o atribua ao nome pessoal (antropónimo) Sixto, mas é também se põe a hipótese de provir de um nome comum não atestado, com a forma sisto, que denotaria a noção...

Pergunta:

A cidade de Sydney, na Austrália, é traduzida para português como "Sidney"?

Questiono a razão de apenas um dos "y" ter sido substituído por um "i" e não ambos. Parece-me que seria mais lógico manter os dois "y", ou então substituir ambos.

Resposta:

Nas fontes aqui consultadas1, não se indica que o topónimo australiano Sydney se transponha para português da forma apresentada na pergunta.

Na verdade, o que o uso e os registos enciclopédicos disponíveis mostram é que:

– mantém-se a forma inglesa Sydney;

– em alternativa, disponibiliza-se o registo Sídnia, que, no entanto, parece muito pouco usada.

Existe a forma Sídnei, como aportuguesamento do nome de pessoa (antropónimo) Sidney, este, sim, escrito com i na primeira sílaba.

1 As fontes consultadas são um vocabulário ortográfico e dois dicionários onomásticos, obras que têm impacto normativo: Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa (1999) da Academia Brasileira de Letras e José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.

 

Nota do consultor (05/03/2024) – Alterei ligeiramente a resposta acima, para indicar que as fontes consultadas têm expressão normativa. A alteração foi feita na sequência do seguinte comentário do consulente Giovanni Saponaro:

«Na resposta à pergunta Sydney, Sídnia e Sídnei lê-se que, nas fontes consultadas, o nome aparece como Sydney

Pergunta:

Há quem use, por influência francesa, o termo "foliatação", em vez de foliação, para designar a numeração dos fólios num manuscrito ou impresso antigo.

Dado que numerar folhas é um dos sentidos, recolhido em dicionário, do verbo foliar, a forma derivada correcta será foliação.

Foliatação suporia a existência, em português, do verbo "foliatar".

Pergunto se "foliatar" está atestado e, em caso negativo, se posso argumentar, baseado na coerência linguística, que se deve preferir a forma "foliação" ao galicismo "foliatação".

Resposta:

Nos dicionários gerais a que temos acesso, portugueses ou brasileiros (Infopédia, Priberam, Academia das Ciências de Lisboa, Aulete, Houaiss, Michaelis), não se encontra registo de "foliatar".

A forma que se regista, homónima da de um outro verbo (foliar, «viver em folia»), é foliar, em duas aceções: «relativo a folhas» e «numerar por folhas; paginar» (há dicionários que apresentam as duas aceções de foliar como duas entradas diferentes, ou seja, como verbos diferentes). Sendo assim, o nome derivado de foliar deverá ter a forma foliar, e não "foliatação", que será uma adaptação do francês foliotation, derivado de folioter (cf. Ortolang e o verbo francês numéroter, «numerar»).

Foliação é também a forma registada no Dicionário do Livro (2008), de Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão.