Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se estas frases estão ambas corretas. «Eu vou descansar agora, que a aula cansou-me.» «Eu vou descansar agora, que a aula me cansou.» Agradeço desde já e congratulo-me com o vosso trabalho tão útil para quem ama a língua portuguesa.

Resposta:

Embora a conjunção que introduza no caso apresentado uma oração subordinada causal, o que implica atrair o pronome átono para antes do verbo, verifica-se que, pelo menos, coloquialmente, o pronome nessa oração pode ocorrer depois do verbo, como se a oração fosse coordenada explicativa. Mesmo assim, recomenda-se que o pronome preceda o verbo flexionado, como noutras orações subordinadas, como acontece no título da canção Adeus, que me vou embora.

Agradecemos as suas palavras finais.

Pergunta:

Vi hoje na resposta de certa pergunta que o consultor conjugou o verbo adequar-se na terceira pessoa do singular do presente do indicativo. Ora, aprendi que esse verbo é defectivo, ou seja, trata-se de um verbo cuja conjugação é incompleta (não se conjuga nas formas rizotônicas). Modificou-se a regra? 

Muito grato.

Resposta:

Não conseguimos identificar a resposta em causa, mas, de qualquer modo, do ponto de vista normativo, reconheça-se que não tem havido consenso sobre a conjugação de adequar:

«Alguns autores consideram-no defectivo – empregado apenas nas formas arrizotónicas» (João Antunes Lopes, Dicionário de Verbos Conjugados, Coimbra, Almedina, 1995, p. 346, n. 2).

Disso dá conta Maria Helena de Moura Neves, em Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora UNESP, 2003; manteve-se a ortografia original):

«[Adequar(-se)] [é] tradicionalmente tido como verbo defectivo. No presente do indicativo e no imperativo afirmativo, só tem as duas primeiras pessoas do plural (formas arrizotónicas, isto é, com sílaba tônica na desinência). Conseqüentemente, não tem o presente do subjuntivo e o imperativo negativo. Em todas as demais formas, conjuga-se regularmente. ♦ No Brasil, as ondas ao longo do litoral do estado de São Paulo se ADEQUARIAM à instalação de patos oscilantes. [...] ♦ Como Sophia, nem Lollo, nem Cláudia foram excepcionais atrizes, simplesmente se ADEQUAVAM aos papéis.

Entretanto, em linguagem informal e em alguns órgãos de imprensa usam-se formas rizotônicas, especialmente adequa. ♦ Com o cursos, você pode escolher o ícone que SE ADEQUA ao programa. [...]»

No Dicionário Houaiss considera-se que «modernamente, as formas rizotônicas ocorrem também com a tonicidade na vogal -u-: ´adequo, adequa. adequas´ etc.»

Em suma, apesar de reservas feitas no passado, aceita-se atualmente que o verbo adequar tenha flexão completa, não sendo, portanto, um verbo defetivo.

Pergunta:

Qual a forma certa: quilombo, ou albino?

Resposta:

Albino é o vocábulo corrente, usado em todos os países de língua portuguesa e relativo ao indivíduo que tem albinismo, isto é, uma «anomalia congénita que se caracteriza pela falta ou diminuição de pigmento na pele, nos pêlos e na íris» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa; manteve-se a ortografia original). Quilombo é um regionalismo angolano, conforme se explica no blogue Diário da África:

«Em Angola, o termo mais usado para designar um albino é quilombo. A mesma palavra que, no Brasil, significa local de escravos fugidos. Também dizem [os angolanos] albino, mas quilombo é o mais comum.»

Registe-se o significado de quilombo na lexicografia brasileira, por exemplo, no Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (São Paulo, Editora Unesp):

«1 Refúgio de escravos fugidos: O escravo fugiu correndo para o quilombo. 2 conjunto de escravos refugiados: O quilombo se aproximou, atráiso pelo som dos tambores.»

Pergunta:

Geralmente, quando alguém é cliente assíduo ou compra algo em grande quantidade, há o costume de dar algo a mais para além daquilo que comprou. Gostaria de saber como se chama esse termo?

Será "quebra" ou "esquebra"?

Grato.

Resposta:

A palavra esquebra está registada no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora como regionalismo angolano, usado nas seguintes aceções: «1. brinde que, no comércio, se dá como agrado ao comprador; 2. abatimento no valor de uma mercadoria». Não se atesta a forma quebra nas referidas aceções, muito embora a pergunta feita pelo consulente permita inferir que é também usada com esse sentido, provavelmente em Angola, como variante de esquebra.

Refira-se que no português do Brasil se atesta a locução «de quebra», que significa «por acréscimo; a mais» (Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, São Paulo, Editora UNESP, onde se encontra a seguinte abonação: Recebeu um micro como prêmio e, de quebra, uma participação na novela). No Dicionário Houaiss, quebra, na aceção em referência, é dado como sinónimo de anhapa, inhapa e japa, palavras de uso informal, sobretudo identificadas como regionalismos do português do Sul do Brasil, com a mesma etimologia – do espanhol platense yapa, por su vez do quíchua yapa, que têm o mesmo significado que os vocábulos do português. Acrescente-se que lambuja é também outro sinónimo possível (idem, s.v. lambuja).

Pergunta:

Existem pronúncias erradas?

Resposta:

Existem, mas a maneira como se concebe o erro de pronúncia tem variado ao longo dos tempos. É pronúncia errada dizer "poribido" em vez de "proibido" ou, por lapso, articular "faganhoto" e "ferpeito" em lugar de gafanhoto e perfeito, respetivamente. Contudo, não é considerado errado pronunciar o verbo levar como "lebar"; neste caso, trata-se de pronúncia regional própria de quem fala um dialeto setentrional do português europeu. Por outras palavras, aceitam-se as variantes regionais, desde que estas não afetem a inteligibilidade do discurso.