Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem do nome Aldeia Galega, tendo em conta que não é a única terra portuguesa com este nome?

Resposta:

Transcrevo o que diz José Pedro Machado no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Confluência/Livros Horizonte, 2003; manteve-se a ortografia original):

«Ant[igo] nome da actual Montijo, no distrito de Setúbal. Em Espanha há Aldeagallega (Salamanca). No nome está alusão à proveniência dos antigos fundadores [ou] colonizadores do local. Em 1370: "... morador na aldeia galega Ribatejo" [...].»

Pelo menos aparentemente, trata-se, portanto, de localidades povoadas por gente da Galiza, embora, em Portugal, a sul do Mondego, como é o caso da antiga Aldeia Galega do Ribatejo, não seja de excluir que por galego se entenda um habitante do Norte de Portugal ou alguém vindo de além-Pirenéus (sobre galegos na Estremadura portuguesa, leia-se Manuela Santos Silva, "Galegos e minhotos à conquista do litoral do centro de Portugal", em Carlos Alberto Ferreira de Almeida in memoriam, Volume II, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999, pp. 397-407). Refira-se ainda que atualmente subsistem duas localidades com este nome, ambas no distrito de Lisboa, mais concretamente no concelho de Sintra (Aldeia Galega, na freguesia de S. João das Lampas) e no de Alenquer (Aldeia Galega da Merceana).

Pergunta:

Recentemente deparei-me com um problema em traduzir um conceito do inglês para o português. Curiosamente, o problema está na selecção de um (ou mais) vocábulo português adequado. A palavra inglesa em questão é: auto-capitalization. O significado é a transformação automática de uma letra minúscula para maiúscula (por exemplo: antecede à letra um ponto final, e o dispositivo, identificando esta situação, colocará automaticamente essa letra em maiúsculo).

Expresso desde já os meus agradecimentos.

Resposta:

A simples transposição do termo inglês para o português é possível (está atestada na Internet), mas é discutível, porque o verbo capitalizar e o substantivo capitalização estão dicionarizados habitualmente como palavras que remetem para o domínio financeiro, e não para o gráfico.

Apesar disso, encontra-se dicionarizado o verbo maiusculizar (Dicionário Houaiss e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), bem como o substantivo maiusculização (Dicionário Houaiss), que se relacionam com maiúscula por derivação, palavra que é justamente o equivalente do inglês capital, quando usado em relação a caligrafia ou artes gráficas (como abreviação de capital letter).

Sendo assim, sem perder de vista o modelo de auto-capitalization, poderia propor-se "autocapitalização". Contudo, dado o facto de auto- ser usado em português como prefixo que denota reflexividade («a si próprio»), noção que não é precisamente a de auto- na palavra inglesa (em alusão a automatic, «automático»), parece-me mais adequado formar uma expressão analítica: «maiusculização automática».

Pergunta:

Procurei o gentílico para os habitantes da minha freguesia, Aldeia Viçosa, no concelho da Guarda, e não encontrei nenhuma resposta. Assim, peço a vossa ajuda para o meu raciocínio.

1.º Não poderá haver um gentílico com base na etimologia, nem nas raízes históricas, uma vez que esta aldeia se chama: Aldeia de Santa Maria de Porco, mais tarde Porco. Foi na primeira metade do séc. XX que o presidente da Junta alterou o topónimo para o atual Aldeia Viçosa.

2.º A um habitante de Vila Viçosa, dá-se o nome de vilaçosense.

Assim, por analogia, poderíamos atribuir o gentílico de "aldeiaçosense" a alguém de Aldeia Viçosa. Ou "aldeiaviçosense"?

Obrigado.

Resposta:

Tem sentido o que propõe o consulente, mas eu sugeriria aldeia-viçosense (forma não atestada), pelas seguintes razões:

– assim como os gentílicos de topónimos que incluem o substantivo vila se formam com essa designação toponímica seguida de hífen (Vila Real > vila-realense; cf. Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, 1947, pág. 216), também neste caso se pode empregar aldeia com hífen, donde aldeia-viçosense;

– em alternativa, poderia pensar-se na forma aldeviçosense, tendo em conta que existem (ou existiam) alguns topónimos que incluem aldeia e que veem (ou viam) reduzida esta palavra a alde- quando se trata da formação de gentílicos: é o caso de aldenovense de Aldeia Nova (Serpa) e de aldegaleguense, de Aldeia Galega (hoje Montijo), gentílicos que podem, no entanto, já não corresponder a um processo ativo na língua atual (encontro-os em I. Xavier Fernandes, Topónimos e Gentílicos, Porto, Editora Educação Nacional, 1941, págs. 204);

– o Dicionário Houaiss (2001) regista vilaçosense, mas é preciso assinalar que o Dicionário de Topónimos e Gentílicos do Portal da Língua consigna a forma hifenizada – vila-viçosense –, a par de outras, a saber, calipolense e vilaçorano (tal como faz o Dicionário Houaiss, mas certamente por engano, em vez de vilaçosano; cf. Xavier Fernandes, op. cit., pág. 241);...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem do apelido Cidade. Obrigada.

Resposta:

José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), baseando-se em Leite de Vasconcelos, Antroponímia Lusitana, 1928, pág. 173, considera que este apelido tem origem na conversão do substantivo comum cidade em alcunha:

«Indicaria indivíduo que num pequeno povoado era originário da cidade ou [...] para distinguir entre duas pessoas com o mesmo nome a que veio ou vive em cidade.»

Machado também relaciona este apelido com o Alentejo, observando que é usado por famílias oriundas desta região e que S. João de Deus (1495-1550), nascido em Montemor-o-Novo, se chamava João Cidade na vida secular.¹ Todavia, não exclui a possibilidade de o apelido ter surgido paralelamente noutras regiões, mesmo fora de Portugal, como acontece com uma atestação do século XIV, referente ao galego «Martim Lopes Çidade» (idem). Não obstante, a Cartografia dos Apelidos de Galicia não inclui nenhuma ocorrência de Cidade, a não ser que se pense numa eventual castelhanização como Ciudad, apelido hoje existente na Galiza, mas com muito pouca implantação (apenas 17 ocorrências no concelho da Corunha).

¹ Outro ilustre alentejano com o mesmo apelido foi o professor universitário, ensaísta, historiador e crítico literário Hernâni Cidade (1887-1975).

Pergunta:

Desde sempre ouvi a expressão popular «andar à maluta com» com o significado de «brigar», entrar em conflito com algo ou alguém. Eu próprio me habituei a usá-la com alguma frequência. No entanto, não encontro a palavra maluta em nenhum dicionário de português e sou levado a pensar que se trata de alguma confusão ou equívoco da minha parte, que se foi enraizando.

O mesmo acontece com a expressão «às pijelhas», ou «pigelhas», não sei. Com o significado de fazer «às prestações», «a pouco e pouco».

Será que me podem esclarecer sobre estas duas expressões?

Obrigado.

Resposta:

Maluta significa o mesmo que luta (cf. Cândido de Figueiredo, Novo Diccionario da Lingua Portuguesa, 1913, disponível no Dicionário Aberto), portanto, «andar à maluta» é efetivamente o mesmo que «brigar», «andar à bulha», «zaragatear» ou «andar à zaragata» (ver também o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e o Dicionário de Falares das Beiras, de Vítor Fernando Barros).

Não encontro fontes dicionarísticas que atestem a expressão «às pigelhas», sobre cuja ortografia também não posso pronunciar-me justamente por não dispor sequer de elementos sobre a sua etimologia. Seja como for, fica aqui o registo desta pitoresca locução.