Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de confirmar a existência da palavra multiaplicabilidade na língua portuguesa.

Resposta:

Não encontramos a palavra atestada nos dicionários de que pudemos dispor, mas trata-se de uma forma possível, que o sistema morfológico do português consegue justificar. Escreve-se sem hífen, como multiangular, multiétnico, multiocular ou multiusuário (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Qual a forma correta: «amnistia para fulano de tal», ou «amnistia ao fulano de tal»?

Resposta:

Em certos contextos, pode-se usar a ou para, não havendo um critério objetivo para preferir uma preposição à outra:

«A amnistia aos/para os autores do golpe de Estado vai ao encontro da reconciliação nacional.»

O uso da preposição para é legítimo, porque equivalente a «amnistia (que é) para (alguém)», no sentido de «destinada a alguém» (cf. a frase «estas flores são para ti»).

A preposição a ocorrerá normalmente quando o substantivo é complemento de dar, conceder, oferecer, ou seja, verbos que tenham um complemento indireto interpretável como beneficiário, numa construção sinónima de amnistiar (no Brasil, anistiar) «dar (a) amnistia a alguém» = «amnistiar alguém» (cf. «concederam (a) isenção de impostos a toda a gente»). Neste caso, a preposição associada a amnistia (anistia) não é inerente ao substantivo, antes depende dos verbos associados.

Quando a palavra não é complemento destes verbos, há realmente oscilações como parece verificar-se na ligação enviada, como se no uso de amnistia ficasse pressuposta uma das construções já descritas.

Outros exemplos (ver Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira):

«Quem está contra a amnistia a Otelo não está necessariamente contra a revolução de Abril» (ou seja, «a amnistia a conceder a Otelo...»).

«Entre os seus principais objectivos contam-se a obtenção de um estatuto nacional de autonomia [...], a amnistia para presos e refugiados bascos [...]» (ou seja,...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da expressão «corda bamba».

Obrigado!

Resposta:

Sobre corda bamba, diga-se que esta expressão designa, «nos espetáculos circenses, [a] corda estendida no ar sobre a qual os funâmbulos se deslocam e fazem evoluções» (Dicionário Houaiss).

Provavelmente por ulterior extensão metafórica, a expressão passou a usar-se também idiomaticamente: «estar/andar na corda bamba», isto é, «situação instável, difícil de controlar» («desempregado, vive na corda bamba»; idem).

Bambo é um adjetivo que significa «que não está firme, esticado; frouxo» («andar na corda bamba»; idem).

Pergunta:

Usar & por e é asneira?

Exemplo: «José Mário Costa e Eunice Marta», ou «José Mário Costa & Eunice Marta»?

Um abraço meu, directamente de Angola!

Resposta:

Pode ser adequado como referência bibliográfica, mas não deve ocorrer numa frase como «X e Y publicaram um livro».

O e comercial quase só se usa em nomes comerciais, em certos contextos gráficos como, por exemplo, letreiros ou cartazes, e pode também ocorrer em referências bibliográficas.

Sobre este sinal, lê-se no Dicionário Houaiss:

«sinal gráfico [&] que substitui a conjunção aditiva e, us. modernamente quase que só como ligação nas razões comerciais (p. ex., Alves & Cia.) e entre nomes de autores em citações de obras bibliográficas e em nomes científicos de espécies [Em ing.: ampersand].»

Pergunta:

Li no livro de estilo de um grande jornal brasileiro que a palavra «caráter» forma o plural em «caracteres» (assim mesmo, com «c» antes de «t»). Como se explica esta alteração?

Resposta:

Não é uma alteração que afete gobalmente os países em que o português tem estatuto oficial. Antes parece tratar-se de uma especificidade brasileira que está há muito fixada no próprio Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (ver também o Dicionário Houaiss).

Uma explicação para aparente incongruência entre caráter e caracteres é dada por Napoleão Mendes de Almeida, no seu Dicionário de Questões Vernáculas (2001, s.v. Caracteres), onde expõe os critérios que levam a escrever caráter no singular e caracteres no plural (manteve-se a ortografia original):

«Caracteres – Tem o acento tônico na sílaba "te": caractéres. Aparece no plural de caráter um c que, não sendo pronunciado no singular, é-o no plural.

Para explicar certos casos de prosódia, como este do c antes do t [...] e outros semelhantes, poderemos, no máximo, dizer que as pronúncias para cuja prolação persiste uma dificuldade ou exigência qualquer (no nosso caso a pronúncia do c antes do t) têm fundo erudito. A pronúncia do plural opera-se segundo a prosódia latina, sem que se apóie na pronúncia popular do singular. [...]

Quer com a significação de "tipo...