Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Sejam à uma confundidos e envergonhados os que buscam a minha vida para destruí-la.»

Porque «à uma» leva crase?

Resposta:

A expressão «à uma», que significa «todos ao mesmo tempo», «simultaneamente», fixou-se mesmo assim no uso, como expressão idiomática, à semelhança de outras expressões que exprimem uma certa maneira de agir: «à francesa», «às cegas», «à sorrelfa», «às escondidas». Note-se que a crase é necessária, porque se pressupõe que uma ocorre com o artigo, como comprova uma outra expressão do mesmo tipo, mas que inclui uma palavra masculina: «ao acaso».

Pergunta:

Qual o significado da palavra mantra?

Resposta:

Mantra é a designação de uma «fórmula sagrada que tem o poder de materializar a divindade invocada», no contexto do bramanismo e do budismo, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia).

O Dicionário Houaiss define este termo de modo mais específico:

«na cultura indiana, sílaba, palavra ou verso pronunciados segundo prescrições ritualísticas e musicais, tendo em vista uma finalidade mágica ou o estabelecimento de um estado contemplativo [Um mantra pode simbolizar ou evocar uma filosofia mística (dársana), um livro sagrado ou um deus; é amplamente utilizado no ritualismo hinduísta e no budista, nas práticas psicofísicas da ioga e no tantrismo].»

A mesma fonte indica em nota etimológica que mantra (manteve-se ortografia original):

«[Do] sânsc[rito] mantra, "instrumento do pensamento, fórmula ou conselho sagrado, hino, oração", der[ivado] do sânsc[rito] man "pensar", da raiz indo-européia *men-, "qualidade, estado ou disposição da mente", a que o lat[im] mens, mentis, "mente, espírito", t[am]b[ém] está relacionado [...].»

Pergunta:

Gostaria de obter o vosso auxílio na seguinte dúvida: qual é a palavra que deu origem a metropolitano?

Questiono porque creio ser a palavra metrópole, mas outros acreditam ser a palavra metro.

Fica desde já o meu agradecimento pelo esclarecimento que possam prestar.

Resposta:

Do ponto de vista do comportamento morfológico do português atual, o sistema de transporte conhecido como metropolitano resulta da conversão do adjetivo metropolitano, que deriva do radical de metrópole, metropol-. No entanto, a análise de metropolitano tem também de ser enquadrada por uma perspetiva histórica, como demonstra uma nota etimológica do Dicionário Houaiss (s. v. metropolitano; desenvolveram-se as abreviaturas):

«latim metropolitānus, a, um, "da metrópole", adjetivo também ligado a metropŏlis, is < gr. mētrópolis, "cidade-mãe, metrópole, cidade natal", usado na administração eclesiástica, e, a partir do século XVIII, com acepção urbana atual; para a acepção sistema de transporte urbano, compare metrô

A forma metro (ou metrô no Brasil) é uma truncação de metropolitano, motivada por um uso homólogo verificado em francês (idem; abreviaturas desenvolvidas):

«francês métro (1891) [com o mesmo significado], abreviatura substantivada do adjetivo francês métropolitain no sintagma chemin de fer métropolitain (1874), "caminho de ferro subterrâneo metropolitano", na acepção "caminho de ferro urbano" é empréstimo ao inglês norte-americano metropolitan (1867), "metropolitano", e este do latim tardio metropolitānus, a, um, "de uma capital", literalmente "de uma cidade-matriz, mãe", derivado de metropŏlis, is "metrópole" < mêtra, as "matriz, útero", e pólis, ēos "cidade"; (d1920) ocorre no Brasil como metrô e em Portugal como metro...

Pergunta:

De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), as orações subordinadas substantivas podem ser completivas ou relativas (sem antecedente), tendo sido colocada de parte a designação de interrogativas indiretas para orações do tipo:

«(Perguntei-lhe) porque esperava por mim/quando chegaria a casa.»

Também é referido no DT que as completivas podem ser introduzidas pelas conjunções que/para/se e as relativas sem antecedente por pronomes relativos. Como as orações dadas atrás como exemplo não se enquadram em nenhuma destas tipologias, gostaria de saber como é que devemos, então, classificá-las.

Obrigada.

Resposta:

As interrogativas indiretas são mencionadas no Dicionário Terminológico (DT), no verbete relativo ao tipo de frase interrogativa (domínio B.4.3.):

«[...] as interrogativas indirectas (iv) são subordinadas substantivas completivas. [Oração subordinada substantiva completiva] [...]

Exemplos [...]

(iv) O João perguntou [se comeste a sopa].»

Quanto ao que se diz no DT sobre como se introduzem as completivas (B. 4.4.), verifica-se que na informação aí disponível falta referir que tais orações podem ser introduzidas também por palavras de outras classes, por exemplo, por advérbios interrogativos:

1) «Perguntei-lhe porque esperava.»

2) «Não sei quando chega.»

Em 1) e 2) temos interrogativas parciais que se realizam como orações subordinadas completivas.

Observe-se, porém, que na Gramática do Português (organização de Eduardo B. Paiva Raposo et al., da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, págs. 1835/1836) se aponta exatamente este facto:

«[A]s orações interrogativas subordinadas parciais caracterizam-se pelo facto de serem introduzidas [...] por um sintagma que contém obrigatoriamente uma palavra interrogativa, frequentemente designada "palavra qu-" em virtude da sua forma. Este pode um pronome [ii], um determinante [iii], um quantificador [iv] ou um advérbio [v] [:]


(ii) Ando a averiguar [quem é o responsável por este orçamento].
(iii) Não me disseram [que documentos eles aprovaram na reunião].
(iv) Não sei [a quantas lojas eles foram].
(v) Pergun...

Pergunta:

Qual das expressões é a mais correcta?

«Estamos confiantes que podemos contribuir para um mundo melhor», ou «estamos confiantes de que podemos contribuir para um mundo melhor»?

Obrigado.

Resposta:

O uso mais correto deste adjetivo é com a preposição em, que igualmente ocorre com verbo correspondente, confiar, o qual rege a mesma preposição:

(1) «Estamos confiantes em que podemos contribuir para um mundo melhor.»

Contudo, admite-se também a preposição de:

«Estamos confiantes de que podemos contribuir para um mundo melhor.»

Note-se, mesmo assim, que, à semelhança do que ocorre com muitas regências verbais, a preposição pode ser omitida tanto no caso do adjetivo como no do verbo correspondente:

(2) «Confiamos que podemos contribuir para um mundo melhor.»

(3) «Estamos confiantes que podemos contribuir para um mundo melhor.»

A possibilidade de, antes de oração, se omitir a preposição regida por um verbo é comentada na Gramática do Português (organização de Eduardo B. Paiva Raposo et al., Fundação Calouste Gulbenkian, págs. 1525/1526) do seguinte modo:

«São quatro as preposições regidas por verbos que admitem complementos oracionais: a, com, em e por. [...]

Com possíveis variações nos juízos de gramaticalidade, a omissão da preposição é possível [...], e até preferida nalguns casos, p. e., no que respeita às preposições com e em, sendo, em contrapartida, menos aceitável (para alguns falantes) com a preposição a, o que assinalamos com "??" em 56(a) [...]:

(56) a. ??O general anuiu que o Estado-Maior enviasse mais tropas.

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