Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é o radical de dramalhão?

Será drama?

Resposta:

É dram-.

Poderia pensar-se que o radical do aumentativo dramalhão é drama, contudo, neste substantivo, a terminação -a é uma vogal temática que tem origem no grego antigo, língua em que existem substantivos masculinos com tema em -a (ex.: diploma, atos, «objeto duplo, tablete de papel dobrado em dois», pelo latim diploma, atis). Considerando que -alhão é um sufixo, a base de derivação é o radical dram-.

Dito isto, observe-se o sufixo -alhão é, na verdade, a sequência de dois: -alho (cf. cabeça - cabeçalho) e -ão. Mesmo assim, é notório que -alhão se comporta como um único sufixo – por exemplo, quando se analisam casos como o de espertalhão, cujo radical espert- (de esperto) é sufixado diretamente por -alhão, não se atestando a forma intermédia *"espertalho".

Pergunta:

Queria saber se os nomes seara, peral, pomar ou vinha são nomes coletivos. Também as palavras dezena, século, trimestre me suscitam a mesma dúvida: são nomes coletivos?

Obrigada pela ajuda.

Resposta:

Os substantivos seara, peral, pomar e vinha são nomes coletivos e, como tal, designam conjuntos de entidades do mesmo tipo ou espécie:

seara: «conjunto de plantas em espiga que pertencem a uma ou mais espécies de cereal»;

peral: «conjunto de pereiras»;

pomar: «conjunto de árvores de fruto»;

vinha: «conjunto de videiras».

Sobre os outros substantivos:

dezena: trata-se de um numeral coletivo (cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 934/935; «coletivo numeral» no Dicionário Houaiss, s. v. coletivo);

século e trimestre: não são coletivos; são interpretados não como conjuntos, mas como intervalos de tempo, períodos.

Pergunta:

Na resposta sobre o tema suprarreferido, afirmou-se:

«c) mas, se articularmos duas orações, sem que estas se encaixem numa frase matriz para aí desempenharem a função de sujeito (p. ex., «Eles cometeram pecados e têm vícios»), não falamos em sujeito composto, porque cada oração tem o seu próprio sujeito, eventualmente indeterminados, apesar de correferentes, como ocorre em «pensa-se e diz-se», cujos sujeitos são indeterminados.»

A frase comentada é a seguinte: «Pensa-se e diz-se que é possível que haja vida noutros planetas.»

Penso que não haja aí sujeitos indeterminados, mas sujeitos oracionais representados pela frase «que é possível», sendo «que haja vida noutros planetas» também sujeito oracional de «é possível».

Trata-se, em meu entender, de um interessante encadeamento de orações com vínculo sintático com «pensa-se» e «diz-se».

Peço ao professor Carlos Rocha a fineza de comentar.

Obrigado.

Resposta:

Agradeço o comentário do consulente.

A resposta foi reformulada de modo a referir a análise mais tradicional de se como partícula apassivadora. Permito-me, no entanto, lembrar que é também legítimo considerar que o pronome se pode ocorrer como marcador de sujeito indeterminado mesmo com verbos transitivos. Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, p. 178) refere-se a esta possibilidade:

«[...] o se como índice de indeterminação de sujeito – primitivamente exclusivo em combinações com verbos não acompanhados de objeto direto – estendeu seu papel aos transitivos diretos (onde a interpretação passiva passa a ter uma interpretação pessoal: Vendem-se casas = "alguém tem casas para vender") e de ligação (É-se feliz). A passagem deste emprego da passiva à indeterminação levou o falante a não mais fazer concordância, pois o que era sujeito passou a ser entendido como objeto direto, função que não leva a exigir o acordo do verbo:

Vendem-se casas (= "casas são vendidas") -> Vendem-se casas (= "alguém tem casas para vender") -> Vende-se casas.

"Vende-se casas" e "frita-se ovos" são frases de emprego ainda antiliterário, apesar da já multiplicidade de eventos. A genuína linguagem literária requer vendem-se, fritam-se. Mas ambas as sintaxes estão corretas, e a primeira não é absolutamente, como fica demonstrado, modificação da segunda. São apenas dois estágios diferentes de evolução. Fica também provado o falso testemunho que levantaram à sintaxe francesa, que em verdade nenhuma influência neste particular exerceu sobre nós..." [Martinz de Aguiar, Notas e Estudos de Português, 2.ª ed. Rio de Jane...

Pergunta:

Está correto dizer «ele bem que tentava»? Ou: «Ele bem tentava»?

Obrigada.

Resposta:

Em «bem que tentava», a locução «bem que» está correta. É equivalente a bem com função enfática, conforme regista o Dicionário Houaiss (subentrada de bem): «us[ado] para reforçar o que afirma o verbo da frase. Ex.: "b[em] que o prevenimos disso", "b[em] que ele sabia onde ela estava".» A mesma fonte indica ainda que «bem que» tem uso informal como expressão de um desejo ou um anseio: «b[em] que o professor podia faltar hoje!» (idem).

Pergunta:

À pergunta «Sentes-te bem?», devo responder «Sinto», ou «Sinto-me»?

E a «Vestes-te no quarto?» respondo «Visto», ou «Visto-me»?

Muito obrigada.

Resposta:

A uma interrogativa global, isto é, a uma pergunta que tem por resposta sim ou não (ou talvez), pode dar-se como resposta afirmativa apenas o verbo usado na pergunta, com as adaptações adequadas à situação de enunciação, como se a resposta fizesse eco da pergunta1:

(1) – Gosta de teatro?

     – Gosto.

Se o verbo da pergunta for pronominal, mantém-se o pronome reflexo:

(2) – Sentes-te bem?
        – Sinto-me.

(3) – Vestes-te no quarto?
        – Visto-me.

(4) – Não te enganaste?
        – Enganei-me.

Note-se, contudo, que, a respeito do exemplo 2, não é impossível dar como resposta «sinto», omitindo o pronome pessoal2. Trata-se de um uso marginal, que não parece generalizar-se a todos os verbos pronominais. De qualquer modo, a maioria dos falantes de português dá normalmente a resposta com o pronome reflexo, e esse é o uso mais correto.

1 Pilar Vázquez Cuesta e M.ª Albertina Mendes da Luz, na sua Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Edições 70, págs. 544/545), descrevem este tipo de resposta do seguinte modo:

«A língua portuguesa [...] faz [...] grande uso do que [Leo] Spitzer [filólogo alemão] denomina "linguagem-eco", isto é, da repetição mecância do verbo, modificado naturalmente na sua pessoa e número consoante o exija o sentido da frase. Assim, por exemplo: