Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na sequência da vossa explicação prévia acerca da palavra depleção, gostaría de referir que esta palavra é também bastante utilizada no domínio da gestão ambiental, nomeadamente como «depleção de recursos». Numa pesquisa antiga, que agora não me é possível identificar, encontrei a seguinte definição: «redução ou esgotamento de um recurso pelo seu consumo contínuo e mais rápido que a sua reposição». Será correta esta definição?

Resposta:

A palavra depleção está a ser usada em lugar de esgotamento, ao que parece por influência do inglês depletion. Esse uso é discutível, pelo menos, nos registos não especializados, uma vez que já existe uma palavra com o mesmo significado. No domínio da gestão ambiental, será certamente um termo especializado e, como tal, suscetível de maior tolerância. Mesmo assim, e prevendo que as preocupações da sociedade com o meio ambiente levem à popularização da palavra, pareceria mais prudente recorrer ao vocábulo de sempre, esgotamento.

Pergunta:

Mesmo não sendo do campo de Letras, pertenço à Administração, tenho grande interesse no estudo linguístico.

Entretanto tem uma questão que já apareceu aqui várias vezes, mas ainda não ficou clara para mim, que seria a variação linguística. Compreendo que uma língua é viva, mutável e adaptável. Antigamente escrevíamos "pharmacia", "theatro", entre outros. O que ainda não sou capaz de compreender é quando um erro "é um erro" e quando ocorre um caso de variação. Ou todo erro "evolui" para uma variação? Por exemplo, aqui no Brasil é comum dizer "framengo", "probrema", "é nós"... Por ser comum, seria um fenômeno de variação que no futuro pode "concorrer" a norma culta?

Finalizando, uma pergunta que não se cala, devo corrigir erros e desvios? Corrigindo não estaria prejudicando a evolução da própria?

Desde já, minhas saudações à equipe!

Resposta:

Toda e qualquer língua tende à variação. Esta situação é travada pela elaboração de uma norma-padrão, resultado de um processo histórico que tem fins político-administrativos e geralmente faz parte da afirmação de um Estado. É a norma-padrão que define como erro a variação ou o desvio em relação às formas-padrão, isto é, às formas supostamente conhecidas por toda uma comunidade de falantes e por estes tomadas como modelo de expressão. Casos como "framengo" ou "probrema" não são recentes e parecem continuar uma tendência generalizadora da língua que não é aceite pela norma. Por exemplo, sabe-se que prato evoluiu de uma forma latina hipotética *plattus por intermédio do francês plat (Dicionário Houaiss; cf. espanhol plato); a norma acolheu a forma prato, mas já não aceitou outras formas que davam continuação à tendência de a consoante líquida lateral [l] passar à vibrante simples [ɾ] (o "r" de caro) após consoante oclusiva: problema > "probrema") ou fricativa (flamengo > "framengo"). A avaliação e a rejeição destas formas devem-se a razões relacionadas com dinâmicas sociais, raramente claras, e são consideradas por sectores da população como legítimas (por muito que a maioria da população não faça assim).

Quando se trata de escrever textos ou fazer intervenções oralmente em situação formal, é óbvio que devemos obedecer à norma, por muito convencional e arbitrária que esta seja. Trata-se de um produto histórico que acabou por ganhar projeção social e alcançar o estatuto de modelo para as práticas linguísticas prestigiadas. Contudo, convém igualmente ter consciência de que os...

Pergunta:

Estou a ter esta discussão e, apesar de não ter muitas dúvidas de que torrada e tosta são uma e a mesma coisa, gostava de obter a vossa opinião.

Existe alguma diferença entre tosta e torrada?

Resposta:

Atendendo ao que é corrente em Portugal, no dia a dia:

– por tosta entende-se quer um tipo de sanduíche (p. ex., «tosta mista»), que é tostada ou torrada numa torradeira ou num aparelho para o efeito; tosta é também o pão torrado de fabrico industrial que se compra em pacotes nos supermercados;

torrada designa uma fatia de pão torrado pouco antes de ser consumida, em casa ou, por exemplo, numa pastelaria, barrado ou não de manteiga.

Pergunta:

Certa vez ouvi uma história a respeito de um rei português que certo dia, por altura de uma festa, mandou fazer uns bolos num convento. Como os bolos eram muitos e não havia farinha que chegasse, juntaram palha moída. O rei, sem saber, comeu os bolos e achou-os bons. Depois, mais tarde, veio a saber como tinham sido feitos e que o pasteleiro andava a dizer que «todo o burro come a palha, a questão é saber dar-lha».

Queria saber, se possível, a história completa e o nome do rei.

Desde já fico agradecido.

Resposta:

Não encontramos fontes que permitam identificar tal rei ou contenham o relato da história em questão. Observe-se, no entanto, que o provérbio ou o ditado em questão é bastante conhecido, estando, por exemplo, registado por Maria Alice Moreira dos Santos, no seu  Dicionário de Provérbios, Adágios, Ditados, Máximas, Aforismos e Frases Feitas (Porto Editora, 1999, 332) com formulação praticamente igual: «Todo o burro come palha, o que é preciso é saber dar-lha.» Manuel Madeira Grilo (Dicionário de Provérbios, Casa Véritas, 2009) também o recolhe, atribuindo-lhe a seguinte interpretação: «Toda a gente se deixa cair no logro, o que é necessário é escolher a melhor forma de ser eficiente.»

Pergunta:

Quando se escreve Sol, e quando se escreve sol?

Resposta:

Sol, com maiúscula, designa a estrela que é o centro do sistema planetário de que faz parte a Terra, ou seja, do sistema solar.

sol, com inicial minúscula, é referente a qualquer estrela ou à luz e ao calor emitidos pelo Sol ou por outra estrela.

Note-se que o novo acordo ortográfico não altera os critérios aqui expostos.