Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Não consigo encontrar nenhuma fonte bibliográfica que contenha o significado do nome Noronha (apelido/sobrenome).

Solicito ajuda e antecipo agradecimentos.

Resposta:

Pouco se sabe ao certo da origem deste apelido (ou sobrenome) que terá aparecido em Portugal no final da Idade Média.

O filólogo português José Pedro Machado (1914-2005) atribui-lhe origem toponímica (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, s. v. Noronha):

«Oriundo de Castela, séc. XIV do conde de Gijon (e Noroña...) [...]. O frequente uso da prep[osição] de a anteceder este apeli[ido] pode confirmar a sua origem toponímica, mas qual, concretamente? Pueblos [Nomenclátor Comercial. Pueblos de España... Madrid, 1970] regista ainda Norón, Noreña, Loroñe, todos na prov[íncia] de Oviedo. E qual a origem do voc[ábulo]? No séc. XV era frequente a forma dissimilada Loronha [...]; Noronha no mesmo século [...].»

A hipótese da origem castelhana ou asturiana é reiterada no Dicionário das Famílias Portuguesas (2010), de D. Luiz de Lencastre e Távora:

«Noronha – Nome de raízes toponímicas, pois que tirado da vila com tal designação, outorgada em condado por D. Henrique II de Castela a seu filho bastardo D. Afonso, havido com D. Elvira Iñigues de la Vega. D. Afonso, que foi conde de Noronha e de Gijón, foi casado com D. Isabel, filha natural do rei D. Fernando I de Portugal. Os filhos deste casal passaram todos ao nosso país na primeira metade do século XV, aqui sendo providos de grandes casas e ricos senhorios, a começar no primogénito, D. Fernando, que D. João I casou com a filha herdeira do primeiro conde de Vila Real. A chefia desta ilustríssima casa está na dos condes de Povolide.»

Este apelido/sobrenome terá, portanto, origem num nome de lugar provavelmente situado no norte de Espanha. Contudo, como observa Macha...

Pergunta:

Na frase «O homem finalmente levantou os olhos...», a palavra finalmente desempenha função de modificador do grupo verbal?

Resposta:

Não é claro o estatuto de finalmente quanto à diferença entre advérbios de frase e advérbios de predicado. Contudo, verifica-se a impossibilidade de serem negados (o asterisco indica agramaticalidade):

(1) *«Não finalmente, mas tardiamente o homem...»

Também não podem ocorrer numa construção de foco:

(2) *«Foi finalmente que o homem levantou...»

Tudo isto sugere que se trata de um advérbio de frase.

Pergunta:

Em espanhol, eu posso usar a estrutura gramatical: verbo ir conjugado + verbo infinitivo + verbo particípio (na função adjetiva) e gostaria de saber se em português também posso usar essa estrutura gramatical, por exemplo:

«Com o sono que eu tenho e essa sala tão escura, eu vou ficar "dormida" na palestra.»

Resposta:

Não se usa «ficar dormida» – o que se emprega é «ficar dormindo»/«ficar a dormir».

Em português, pode empregar geralmente a estrutura em questão com verbos transitivos, como, por exemplo, inundar:

(1) «Com tanta chuva, as ruas vão ficar inundadas.»

No entanto, com o verbo dormir, como com qualquer verbo intransitivo, não é possível, porque não se usa «ficar dormido»1. A construção é «ficar dormindo» ou «ficar a dormir»:

(2) «Vou ficar dormindo/a dormir na palestra.»

Outra solução é usar adormecer:

(3) «Vou adormecer.»

Mesmo que os dicionários registem dormido com o significado de «adormecido», a verdade é que não se usa a expressão «ficar dormido/dormida» nem «completamente dormido/dormida». Observe-se, no entanto, o facto curioso de ser possível usar dormido como adjetivo na expressão «uma noite bem/mal dormida», em referência a uma noite em que se dormiu bem ou mal. Mas, observe-se também, mesmo neste caso, dormido não qualifica a pessoa que dorme, mas, sim, o período de sono.

1 Nem sempre é exatamente assim, porque almoçar ou jantar, suscetíveis de serem usados como intransitivos, permitem o uso do particípio passado em referência ao agente da ação: «já estou almoçado/jantado». Trata-se, apesar de tudo, de um emprego só possível coloquialmente (cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 1489, nota 170).

Pergunta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, e exceto pertencem à mesma classe de palavras (advérbio de inclusão e de exclusão). Tradicionalmente, era um advérbio de inclusão, e exceto, um advérbio de exclusão. Agora, devemos dizer que é um advérbio de inclusão e de exclusão, ou devemos continuar a classificá-lo como advérbio de inclusão?

Grata pela atenção.

Resposta:

Tradicionalmente, é um advérbio de exclusão, conforme se atesta em J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira, Compêndio de Gramática Portuguesa, Porto Editora, 1976, pág. 301. Nesta gramática, não se refere exceto, mas, tendo em conta fazer-se aí a inclusão de salvo, advérbio semanticamente equivalente, é possível afirmar que, há mais de três décadas em Portugal, se classificavam , salvo e exceto como advérbios de exclusão, pelo menos, no contexto escolar.

No Dicionário Terminológico, as palavras e exceto são referidas em exemplos referentes à classe dos advérbios de inclusão e exclusão, sem indicar se lhes é dado este ou aquele valor, embora se diga que tem caráter exaustivo em «Só a Maria faltou à aula» (cf. também João Costa, O Advérbio em Português Europeu, Lisboa, Edições Colibri, p. 65, onde o autor propõe classificá-lo entre os advérbios focalizadores de caráter exaustivo). Não obstante, no quadro da aplicação do DT, a Gramática Prática de Português (Texto Editora, 2010, pág. 258), de M. Olga Azevedo et al., apresenta , apenas, exceto e unicamente em exemplos de advérbios de exclusão.

Refira-se, por último, que a Gramática do Português da Fundação C. Gulbenkian (2013, pág. 1667-1671) classifica entre os advérbios focalizadores exclusivos, enquanto considera exceto uma preposição.

Pergunta:

A grafia das palavras começadas pelo prefixo co- não é pacífica. O VOLP prefere a ausência do hífen tais como coerdeiro, e não co-herdeiro, e coóspede, e não co-hóspede. Vamos admitir que o VOLP estebelece a regra correta, até porque é o único vocabulário verdadeiramente oficial.

Pergunta: Um oócito é uma célula do filo germinal feminino dos animais, sem terem sofrido ainda as duas fases da miose. Oócito é sinônimo de ovócito. Há ocasiões em que os oócitos surgem aos pares. Nesse caso deveremos grafar cooócito (com três oo seguidos)?

Resposta:

Deve escrever-se cooócito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 1990), mas a grafia será co-oócito se seguirmos o Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945) ou o Formulário Ortográfico de 1943 (FO 1943).

Se o consulente tem em mente o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (VOLP-ABL), necessário é lembrar que, ao prefixo co-, o AO 1990 dedica uma observação especial na Base XVI, 1.º, logo depois da alínea b):

«Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.»

Parece que a referência a esta aglutinação se deve ao facto de muitas das palavras que apresentam a forma co- terem origem em palavras introduzidas em português como cultismos latinos. Mas nada se diz quanto à supressão do hífen antes de h (p. ex., co-herdeiro); a generalização da aglutinação é opção da Academia Brasileira de Letras conforme esta declara na nota explicativa da 5.ª edição do VOLP-ABL:

«São as seguintes as principais medidas tomadas por esta Comissão:[...]