Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

De acordo com a gramática que consultei, os complementos oblíquos nas seguintes frases:

a) «Fui a Lisboa.»
b) «Adiei isso até Março.»
c) «Ela sentiu-se mal.»

Transmitem as ideias de...

a) lugar
b) tempo
c) modo

O que corresponde grosso modo aos antigos complementos circunstanciais. Posso concluir que todos os complementos oblíquos transmitem uma ideia que corresponde a um antigo complemento circunstancial (de companhia, etc.)?

Ainda no seguimento das ideias transmitidas por complementos oblíquos, a frase

d) «Dirigi-me a Paris»

transmite a ideia de lugar.

E nas frases seguintes, que ideia transmitem os complementos oblíquos?

e) «Dirigi-me ao gerente.»
f) «Suspeitei da Maria.»
g) «Simpatizei com ele.»

Resposta:

Em Portugal, a terminologia gramatical antiga (cf. Nomenclatura Gramatical Portuguesa, de 1967) não tinha termo especial para referir os valores semânticos associados aos complementos oblíquos que ocorrem nos últimos exemplos apresentados. No entanto, recuperando a classificação apresentada por J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira, em Compêndio de Gramática Portuguesa (1976, p. 62-66), poderíamos dizer que em e) a circunstância é de direção ou destino ou até companhia, se pensarmos na possibilidade de «dirigir-se a» ser quase sinónimo de «falar com» («dirigiu-se aos jornalistas» = «falou com os jornalistas»); em f), origem ou causa, se «suspeitar de» for parafraseado por «fiquei desconfiado por causa de»; em g), embora o valor se revele mais difícil de definir, não seria impossível considerar que o valor era de relação ou favorecimento. Em suma, não se pode dizer que haja uma tipologia bem definida de valores semânticos a associar aos complementos circunstanciais, havendo muitos casos em que a interpretação será muito subjetiva.

Pergunta:

Li algures que o Conselho de Administração da RTP estaria «a equacionar a externalização dos serviços de manutenção dos emissores das rádios públicas...)».

"Externacionalização"? Que raio de neologismo é este?

Obrigado.

Resposta:

Trata-se de um erro, porque tal forma pressupõe um verbo "externacionalizar", que não se atesta nem se afigura correto, porque não existe o adjetivo do qual deveria derivar (o * indica agramaticalidade) – *"externacional". No entanto, regista-se externalizar, verbo que significa «tornar externo» ou, de modo mais específico, no domínio da economia, «atribuir tarefa ou serviço a uma entidade externa ou privada» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Note-se que a forma deste verbo é discutível: o adjetivo eventualmente na base da sua derivação – "external" – atesta-se não em português, mas em inglês (external, «externo). Mesmo assim, estando externalizar atestado, é possível derivar do seu tema (externaliza-) o substantivo externalização.

Pergunta:

Diz-se «vou enviar por mail», ou «vou enviar por e-mail»?

Resposta:

É uma questão de registo linguístico. Informalmente, pode dizer «vou enviar por mail». Se pretende usar o estrangeirismo correto, dirá «vou enviar por email» (ou e-mail). E, num português mais vernáculo, dirá «vou enviar por correio eletrónico».

Pergunta:

Gostaria de saber como é formada a palavra sinalética, de acordo com o novo acordo ortográfico, por favor.

Resposta:

O novo acordo ortográfico não se refere à formação de palavras, apenas diz respeito à ortografia. O que a pergunta visa é a análise morfológica da palavra sinalética, a qual pode ser encarada de duas maneiras:

a) como conversão do feminino de um adjetivo derivado de sinal: sinal + ético (cf. fonético);

b) um empréstimo do francês: signalétique" (cf. Dicionário Houaiss, s. v. sinalética, nota etimológica).

Refira-se que, como substantivo, sinalética significa «uso de sinais» e «processo de registar marcas, cicatrizes, sinais pelos quais se possam identificar as pessoas» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Gostava que alguém me pudesse esclarecer numa dúvida em relação a orações. Ando no 9.º ano.

Tenho tido muitas dificuldades em conseguir distinguir orações subordinadas substantivas completivas e relativas sem antecedente. Será que alguém pode ajudar-me a distingui-las melhor?

Resposta:

O tema a abordar não é fácil porque há contextos em que os dois tipos de oração se confundem, mas vamos procurar evidenciar a diferença.

Uma oração completiva segue-se geralmente a um verbo ou a uma locução verbal e desempenha a função de sujeito ou de complemento direto na frase em que esse verbo ocorre:

1. «Sei [QUE é tarde].»

2. «É sabido [QUE é tarde].»

Nos exemplos apresentados, a palavra que é um elemento de ligação (trata-se de uma conjunção) entre um verbo e o resto da frase, que é uma oração que lhe completa o sentido: em 1, a oração «que é tarde» tem a função de complemento direto; em 2, essa oração é sujeito, visto o verbo se encontrar na voz passiva. A parte da frase que começa por que pode ser substituída por «isso», conforme o teste utilizado em 4:

3. «Sei isso.»

4. «É sabido isso.» = «Isso é sabido.»

Note-se que, em 4, neste caso, a completiva que é substituída tem a função de sujeito de «é sabido». Ao usarmos o pronome isso, convém que este apareça à cabeça da frase, visto ser essa a ordem mais habitual com sujeitos por expressões formadas por substantivos ou pronomes (isso é um pronome demonstrativo).

Passando ao outro tipo de oração, é preciso notar que uma oração relativa sem antecedente é introduzida por um pronome relativo, geralmente quem ou o que:

5. «[QUEM vai ao mar] perde o lugar.»

6. «Detesto [QUEM se arma em esperto].»

7. «[O QUE fizeste] está errado.»

8. «Não perceb...