Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Dado que as gramáticas, inclusive as mais credenciadas dos 2.º e 3.º ciclos e secundário, são omissas e/ou ambíguas, agradeço que me ajudem a clarificar a seguinte questão (talvez uma questão-tipo):

Numa frase com sujeito composto ou também com complemento direto composto (ex.: «O João e a Ana ofereceram livros e jogos»), devemos considerar apenas um grupo nominal (GN) na sua globalidade (GN – «o João e a Ana»/GN – «livros e jogos»), dois grupos nominais (GN – «o João» + GN «a Ana»...), ou um GN constituído por dois grupos nominais (do tipo GN = GN1 + GN2)?

Há outras situações em que este dilema se coloca: com grupos adjetivais (com dois ou mais adjetivos...), mas não quero ocupar-vos muito do vosso precioso tempo, pois prestam um serviço público de excelência.

Muito obrigado pela vossa atenção e pelo muito que esclarecem.

Resposta:

Trata-se de um grupo nominal complexo que integra uma estrura de coordenação.

Com uma estrutura de coordenação, obtém-se uma unidade complexa com as mesmas funções dos grupos iniciais, ou seja, a coordenação de dois grupos nominais constitui um grupo nominal complexo, tal como a coordenação de duas orações (na verdade, frases) constitui uma frase. O mesmo se pode dizer acerca da coordenação de grupos adjetivais ou preposicionais.

As gramáticas não abordam este tema, pelo que terá de o consultar, por exemplo, em M. H. Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa Editorial Caminho, 2003. pág. 551 e ss.) e na recém-publicada Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, págs. 1762/1763). Note que nesta última gramática se considera que a coordenação liga elementos que tanto podem pertencer à mesma classe de palavras como à mesma classe sintagmática (estas identificáveis com o termo grupos, que são constituintes sintáticos no Dicionário Terminológico).

Pergunta:

Gostaria que me informassem da origem da expressão: «arrumado como o Caldas».

Muito obrigada.

Resposta:

Parece que a expressão tem origem nos campeonatos de futebol dos anos 60 do século passado, conforme se pode ler numa página eletrónica:

«Querem fazer de nós palermas, mais uma vez, só falta dizer como nos anos 60, quando o Caldas, na segunda divisão, perdia – "este está arrumado como o Caldas".»

O significado desta expressão parece acessível à intuição: «estar perdido, sem saída, arruinado».

Pergunta:

Gostaria de saber como se escrevem as palavras vector e carácter com o novo acordo ortográfico, uma vez que os meus professores insistem em dizer que o c permanece, mas, no dicionário Priberam, o c desapareceu.

Obrigada.

Resposta:

Não parece haver consenso quanto à pronúncia e à grafia das duas palavras – e esta falta de acordo é anterior à aplicação do acordo ortográfico em Portugal.

Assim, o Vocabulário Ortográfico do Português regista caráter, mas também acolhe carácter como variante do português de Portugal. Por outras palavras, aceitam-se ambas as formas.

Quanto a vector/vetor, a pronúncia tradicional é "vetor", com e aberto e sem o som de c na palavra carro (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e António Emiliano, Fonética do Português Europeu, 2009, p. 178), o que sugere que a grafia mais adequada, no quadro do novo acordo ortográfico, é sem c – vetor. No Brasil, também se prefere vetor, muito embora os dicionários também consignem vector, com grafia e pronúncia de c (dado que, na fonte consultada, esta entrada remete para vetor, presume-se que seja considerada pouco importante entre os falantes do Brasil). Em suma, recomenda-se vetor em Portugal, mas não faltará quem considere que vector também é forma legítima, uma vez que há falantes que pronunciam o c.

Pergunta:

Gostaria e saber a origem das seguintes expressões:

– «mariquinhas pé de salsa»;

– «pobre diabo».

Obrigado.

Resposta:

Nas fontes a que tive acesso, não encontrei a génese factual das expressões em apreço. Sobre a primeira, resultado da associação de mariquinhas, «indivíduo efeminado, medroso», e pé de salsa (antes do Acordo Ortográfico de 1990, pé-de-salsa) «efeminado» (cf. Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes, Diário de Notícias, 2000), é plausível que as palavras constituintes tenham valor metonímico (maricas, do hipocorístico Marica, de Maria, como o mesmo que mulher, dada a grande frequência do referido antropónimo) e metafórico (pé de salsa, como alusão à noção de «delicadeza»), aos quais se associam conotações depreciativas, que assentam em estereótipos sobre a masculinidade e a feminilidade (como se fosse dito: «um homem não deve ser medroso, porque isso é próprio das mulheres»).

Quanto a «pobre diabo», não é de excluir a possibilidade de a expressão ter entrado no português por via do francês «pauvre diable», locução nominal que não deveria ser infrequente nos livros que no século XIX a França exportava para todo o mundo, incluindo o Brasil e Portugal (com as suas colónias).

Pergunta:

Tenho-me deparado em alguns textos com a expressão e. a., utilizada da seguinte forma: «ver e. a. in Oliveira Marques 1984». Percebo que é usada para remeter para uma fonte/referência, mas o que significa? E é correcto usar esta forma escrita?

Obrigada!

Resposta:

A abreviatura e. a. está registada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa como o mesmo que et alia, locução latina que significa «e outros». O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras também regista E. A., mas com maiúsculas, como abreviatura de «esquerda alta», expressão usada na marcação teatral. Ora bem, o caso em referência não parece aceitar nenhuma destas interpretações, pelo que se afigura aconselhável atender ao contexto de ocorrência. Sendo assim, é plausível interpretar a abreviatura em questão como «este assunto», devendo a frase ler-se como «ver este assunto in Oliveira Marques 1984».