Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, e exceto pertencem à mesma classe de palavras (advérbio de inclusão e de exclusão). Tradicionalmente, era um advérbio de inclusão, e exceto, um advérbio de exclusão. Agora, devemos dizer que é um advérbio de inclusão e de exclusão, ou devemos continuar a classificá-lo como advérbio de inclusão?

Grata pela atenção.

Resposta:

Tradicionalmente, é um advérbio de exclusão, conforme se atesta em J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira, Compêndio de Gramática Portuguesa, Porto Editora, 1976, pág. 301. Nesta gramática, não se refere exceto, mas, tendo em conta fazer-se aí a inclusão de salvo, advérbio semanticamente equivalente, é possível afirmar que, há mais de três décadas em Portugal, se classificavam , salvo e exceto como advérbios de exclusão, pelo menos, no contexto escolar.

No Dicionário Terminológico, as palavras e exceto são referidas em exemplos referentes à classe dos advérbios de inclusão e exclusão, sem indicar se lhes é dado este ou aquele valor, embora se diga que tem caráter exaustivo em «Só a Maria faltou à aula» (cf. também João Costa, O Advérbio em Português Europeu, Lisboa, Edições Colibri, p. 65, onde o autor propõe classificá-lo entre os advérbios focalizadores de caráter exaustivo). Não obstante, no quadro da aplicação do DT, a Gramática Prática de Português (Texto Editora, 2010, pág. 258), de M. Olga Azevedo et al., apresenta , apenas, exceto e unicamente em exemplos de advérbios de exclusão.

Refira-se, por último, que a Gramática do Português da Fundação C. Gulbenkian (2013, pág. 1667-1671) classifica entre os advérbios focalizadores exclusivos, enquanto considera exceto uma preposição.

Pergunta:

A grafia das palavras começadas pelo prefixo co- não é pacífica. O VOLP prefere a ausência do hífen tais como coerdeiro, e não co-herdeiro, e coóspede, e não co-hóspede. Vamos admitir que o VOLP estebelece a regra correta, até porque é o único vocabulário verdadeiramente oficial.

Pergunta: Um oócito é uma célula do filo germinal feminino dos animais, sem terem sofrido ainda as duas fases da miose. Oócito é sinônimo de ovócito. Há ocasiões em que os oócitos surgem aos pares. Nesse caso deveremos grafar cooócito (com três oo seguidos)?

Resposta:

Deve escrever-se cooócito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 1990), mas a grafia será co-oócito se seguirmos o Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945) ou o Formulário Ortográfico de 1943 (FO 1943).

Se o consulente tem em mente o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (VOLP-ABL), necessário é lembrar que, ao prefixo co-, o AO 1990 dedica uma observação especial na Base XVI, 1.º, logo depois da alínea b):

«Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.»

Parece que a referência a esta aglutinação se deve ao facto de muitas das palavras que apresentam a forma co- terem origem em palavras introduzidas em português como cultismos latinos. Mas nada se diz quanto à supressão do hífen antes de h (p. ex., co-herdeiro); a generalização da aglutinação é opção da Academia Brasileira de Letras conforme esta declara na nota explicativa da 5.ª edição do VOLP-ABL:

«São as seguintes as principais medidas tomadas por esta Comissão:[...]

Pergunta:

Fernão Mendes Pinto, na sua Peregrinação, refere com alguma frequência tecidos de damasco roxo. Na altura, parece-me, obtinham-se tons de púrpura e vermelho, através de processos naturais, e indigo também, sendo ambos utilizados separadamente, mas não o roxo, que eu saiba. Por outro lado, parece-me que, quando ele fala de dignitários, seria o vermelho intenso a cor a utilizar, pois é a cor, por exemplo na China, reservada a classes altas.

Estou a fazer um trabalho de pintura sobre seda utilizando a linguagem dos vários lados por onde andou Fernão Mendes Pinto, e queria saber se o termo roxo, nele, e no séc. XVI, não seria o equivalente do rouge, em francês, do rojo, em espanhol.

Agradeço antecipadamente a resposta.

Resposta:

O substantivo e adjetivo roxo, geralmente designação da cor «tirante a rubro e violáceo» (Cândido de Figueiredo, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1913), já foi sinónimo de vermelho ou encarnado – e, de facto, ainda hoje há dicionários que registam roxo com esse significado, embora assinalando tratar-se de um arcaísmo semântico. Refira-se, por exemplo, que o mar atualmente denominado como mar Vermelho era chamado, no século XVI, mar Roxo, uso que a obra de João de Barros (c. 1496-1570) atesta (Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira):

«Espedidas estas pessoas e postas as cousas do governo de Goa em estado seguro, e o mais que convinha pera guarda das outras fortalezas da costa da Índia, como Afonso de Albuquerque tinha já apercebido as vinte velas da frota, em que esperava ir ao mar Roxo, foi-se embarcar na barra de Goa [...]» (João de Barros, Décadas da Ásia – Década Segunda I-X).

Em Camões (c. 1524-1580) encontramos roxo como sinónimo de vermelho, por exemplo, na expressão «roxo sangue», embora a respeito desta não seja de excluir certa intenção literária, podendo tratar-se de um emprego não representativo do português mais corrente de Quinhentos (ver mais abaixo comentário de Bluteau):

«Tanto que estas palavras acabou
O Mouro, nos tais casos sábio e velho,
Os braços pelo colo lhe lançou,
Agradecendo muito o ...

Pergunta:

Qual é a etimologia da palavra Faria?

Resposta:

Se a pergunta se refere ao apelido/sobrenome Faria, diga-se que este tem origem num nome de lugar em Portugal, Faria (Braga), famoso pelo seu castelo. A origem deste topónimo é obscura, para não dizer desconhecida – por exemplo, José Pedro Machado não o menciona no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa. Sobre este topónimo, a Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura da Editorial Verbo refere o seguinte:

«[...] o documento mais antigo relativo a esta freguesia data de 1059. As Inquirições de 1220, 1258, 1290 (neste ano aparece pela 1.ª vez parrochia Sancte Marie de Faria Antiga), 1320, 1371 referem-se-lhe com pormenores de grande interesse. Em 1528, Santa Maria de Faria estava anexa à Igreja Colegiada de Barcelos.»

Pergunta:

Gostaria que esclarecessem a minha dúvida acerca da forma correta de escrever "Eufêmia" – ou será "Eufémia"? Eu sempre pronunciei "ê". Por uso julgava que esta era a forma correta, mas será que existem as duas grafias?

Resposta:

Com o novo acordo ortográfico pode escrever Eufémia ou Eufêmia, conforme se estipula na Base XI, 3.º:

«Levam acento agudo ou acento circunflexo as palavras proparoxítonas, reais ou aparentes, cujas vogais tónicas/tônicas grafadas e ou o estão em final de sílaba e são seguidas das consoantes nasais grafadas m ou n, conforme o seu timbre é, respetivamente, aberto ou fechado nas pronúncias cultas da língua: académico/acadêmico, anatómico/anatômico, cénico/cênico, cómodo/cômodo, fenómeno/fenômeno, género/gênero, topónimo/topônimo; Amazónia/Amazônia, António/Antônio, blasfémia/blasfêmia, fémea/fêmea, gémeo/gêmeo, génio/gênio, ténue/tênue

As grafias Eufémia e Eufêmia não resultam de nenhuma arbitrariedade, porque já no anterior acordo (o de 1945) se considerava que este nome podia ter vogal tónica aberta ou fechada, apesar de apenas se admitir a forma Eufémia. Com efeito, esta grafia, consagrada pelo acordo de 1945, tem a particularidade de o acento agudo não indicar timbre aberto da vogal, mas apenas a tonicidade da sílaba em que ocorre. Refira-se que, em 1947, Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (págs. 168/169), se referia a esta particularidade do uso do acento agudo:

«As palavras proparoxítonas em que as...