Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Encontra-se referência às formas «auto da fé» e «auto de fé», esta última com maior frequência. Qual a forma que deve usar-se?

Obrigada.

Resposta:

Em português, escreve-se auto de*, ao abrigo do novo acordo ortográfico (AO), ou auto-de-fé, segundo as anteriores normas ortográficas (Acordo Ortográfico de 1945, em Portugal, e Formulário Ortográfico de 1943, no Brasil). A forma auto-da-fé é usada em inglês (cf. Oxford English Dictionary) e em francês (cf. Le Trésor de la Langue Française Informatisée, que também admite a variante gráfica aglutinada autodafé).

Cf. os vocabulários ortográficos mais recentes, que aplicam o AO, a saber, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora (disponível na Infopédia), o Vocabulário Ortográfico do Português, no Portal da Língua (ILTEC), e o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia...

Pergunta:

Pretendo saber como deve ser feito o plural de rosa-cruz.

Já me disseram que não forma plural porque é uma ordem ou confraria.

Já me disseram que o plural seria rosas-cruzes (2 nomes, 2 plurais).

Já vi escrito rosa-cruzes.

Por favor, qual é a vossa opinião?

Obrigado.

Resposta:

Não há consenso quanto ao plural de rosa-cruz: as fontes consultadas dividem-se entre rosas-cruzes e rosa-cruzes.

Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), regista como plural do substantivo comum rosa-cruz a forma rosas-cruzes, também consignada no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e a que figura no Vocabulário Ortográfico do Português do Portal da Língua (ILTEC). No entanto, o Dicionário Houaiss, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, todos pluralizam rosa-cruz como rosa-cruzes.

Poderíamos adotar a solução das fontes em maioria, mas acontece que o rigor que se reconhece normalmente ao vocabulário de Rebelo Gonçalves impede a rejeição de rosas-cruzes, pelo que estamos perante uma verdadeiro empate, que nos leva a considerar ambas as formas corretas. Lembremos que, em alternativa ao uso de rosa-cruz como substantivo, existe rosacrucianista e rosa-cruzista, que formam o plural regularmente.

Assinale-se que o Dicionário Houaiss classifica rosa-cruz como substantivo feminino, nas seguintes aceções: «sétimo e último grau ou a quarta ordem do...

Pergunta:

Depois de ler os esclarecimentos prestados pela equipa do Ciberdúvidas em respostas anteriores acerca do plural de apelidos (nacionais ou estrangeiros), continuo com uma dúvida: se optar por fazer o plural de um apelido estrangeiro, devo seguir as regras da língua de origem para realizar esse plural?

Por exemplo, para Lynch, «os Lynches», ou «os Lynchs»? E para Flaherty, «os Flaherties», ou «os Flahertys»?

Muito obrigada pela vossa constante disponibilidade.

Resposta:

Usa-se o plural (cf. The Simpsons), pelo que pluraliza seguindo a regra em inglês: «os Lynches», «os Flaherties».

Dito isto, observe-se que a recente Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 1013) considera que a norma não aceita o plural dos apelidos. Permitimo-nos, no entanto, lembrar que o título de um dos mais famosos romances de Eça de Queirós (1845-1900) apresenta um apelido no plural – Os Maias (e não "Os Maia").

Pergunta:

Brasileiro. Esse sufixo -eiro vem donde?

Resposta:

Trata-se de um sufixo com origem no latim -ARIU-. O sufixo português ocorre em alguns gentílicos, conforme refere o Dicionário Houaiss: «[...] 5) em alguns poucos gentílicos: brasileiro, campineiro, mineiro ´natural de Minas Gerais`, redondeiro, santiagueiro etc.[...]».

Pergunta:

Foi já aqui referido que «as sílabas de carro são ca-rro (o dígrafo rr equivale a uma consoante). Mas, na mudança de linha, deve ficar um erre no final da linha e o outro erre no início da linha seguinte».

Foi também [aí] referido que «se separam as letras com que representamos os dígrafos rr, ss, sc, , xc:

car-ro, pás-sa-ro...»

Então afinal? O que eu percebi da primeira frase é que a divisão silábica de pássaro, por exemplo, faz-se pá-ssa-ro, mas, se fizer a translineação (mudança de linha), é que separo as sílabas? "pás-sa-ro"? É isso?!

Obrigada.

Resposta:

Na  primeira citação, quando se diz que «rr equivale a uma consoante», não se trata de ortografia, mas, sim, da análise silábica de uma palavra tendo por suporte a sua representação ortográfica – embora, para este fim, também se possa recorrer a uma transcrição fonética: [´ka.Ru], [´pa.sɐ.ru]. A segunda citação refere-se apenas às regras de translineação, estas, sim, pertencentes à norma ortográfica (cf. Acordo Ortográfico de 1945, Base XLVIII e Acordo Ortográfico de 1990, Base XX).

Se pretende fazer um exercício de contagem de sílabas, pode fazer a seguinte representação, que nada tem que ver diretamente com a ortografia:

pá.ssa.ro1

 Neste caso, em que se apresenta a forma ortográfica, não se separa o ss, porque o que interessa é representar a organização dos segmentos fónicos em sílabas, e este dígrafo corresponde a um único segmento (daí o [s] da transcrição fonética).

Contudo, quando se trata de translineação, o dígrafo ss tem de ser separado:
 
pás-
saro

Pode usar também o hífen (pá-ssa-ro), mas este tem a desvantagem de trazer alguma confusão, porque já é aplicado à translineação; o uso de pontos parece mais vantajoso porque nos poupa de tais equívocos. Reconheça-se que a fonte de confusões advém do facto de nos próprios acordos ortográficos a expressão «divisão silábica» significar na verdade partição de sílabas ortográficas para fins de trans...