Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Escreve-se «16 avos de final», «16 avos-de-final», «dezasseis avos-de-final», ou «dezasseis avos de final»? Ou todas as expressões são incorrectas?

Resposta:

Tendo em conta que se escreve «oitavos de final» (antes oitavos-de-final) e «quartos de final» (antes quartos-de-final), deve escrever-se «dezasseis avos de final» (no Brasil, «dezesseis avos de final»), por extenso, sem hífen. Esta grafia segue a Base XV, 6.º, do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), em que se prevê que os compostos com elementos de ligação perdem o hífen (exceto alguns casos1 e as denominações de espécies botânicas e zoológicas). Ao abrigo do acordo anterior (o de 1945), é de supor a grafia «dezasseis avos-de-final». Note-se que, tradicionalmente, o fracionário avos não se liga com hífen ao numeral que o precede («dezasseis avos»), apesar de ambos os acordos serem omissos quanto a este ponto.

1 Sobre a controvérsia que rodeia a interpretação da Base XV, 6.º, do AO 90, ler Acerca de ´cor de rosa` e cor-de-laranja.

Pergunta:

Sempre uma viagem ao Alentejo tem os seus impactes na cadência da nossa fala. Apercebemo-nos de que nos falares desta região não só o ritmo estranha, como também há uma tendência à monotongação do “ditongo” (depois do rol de mensagens a este propósito, as aspas são compreensíveis) [ɐj] em [e]. Ilustrativamente, vejamos pasmaceira > "pasmacêra". Também há regiões do país onde não menos frequente é ouvir-se "mê" em vez de meu. Há gente que pronuncia "côsa" em vez de coisa e "na" [nɐ] em desproveito de não [nɐ~w~]*. Em contraponto, noutras regiões do país, há uma tendência à ditongação (arquipélagos e Norte, a bem dizer).

Impõem-se a seguintes perguntas:

♦ O caso alentejano faz prova da fragilidade das semivogais em português (veja-se, porém, que nunca ouvi dizer [pa] por pai – penso nomeadamente no timbre vocálico/na abertura vocálica...)?

♦ Como justificar esta tendência (biológica?) à monotongação ou, vice-versa, à ditongação?

Quaisquer outros comentários a este propósito serão bem-vindos.

* Por razões técnicas, não foi possível sobrepor o til aos símbolos fonéticos ɐ e w, de modo a representar a representar o ditongo nasal.

Resposta:

É próprio das línguas variarem, e é próprio da sua institucionalização como veículos da administração de um país reduzir essa variação, com a elaboração da chamada norma-padrão. Os casos de monotongação1 apresentados são característicos de grande parte dos falares centro-meridionais de Portugal: sul da Beira Baixa, parte da Estremadura, Ribatejo, Alentejo e Algarve. Não há razão biológica especial para a monotongação: esta pode ser devida a uma situação histórica (um substrato, isto é, uma língua anterior à implantação do latim ou do português, que não tinha ditongos) ou à pópria deriva do sistema fonológico do português nessas regiões.

Refira-se ainda que a perda de ditongo em meu e a sua manutenção em pai não parece traduzir uma fragilidade que se generalize a todos os ditongos nos falares do Sul de Portugal. O que acontece é mais a fragilidade dos ditongos em palavras que não têm acento próprio e que se subordinam ao de outras, como sejam os pronomes átonos e muitas formas de determinantes, entre elas, a do possessivo no género masculino da 1.ª pessoa do singular, ou seja, meu: daí dizer-se, com frequência nos dialetos centro-meridionais, «o mê pai», em lugar de «o meu pai». A palavra pai conserva melhor o ditongo, pelo menos, antes de pausa, não se sujeitando à monotongação que pode ocorrer em meu: «Viste o mê pai?» (e não «viste o mê pá»).

Por último, importa dizer que os dialetos portugueses que incluem ditongos não têm propriamente uma «tendência a ditongar»; talvez seja mais adequado dizer que tendem a conservar os ditongos. Nestas variedades, que em Portugal se identificam sobretudo com os chamados dialetos setentrionais, os ditongos são resultado da evolução dos ditongos do latim (AURU > ouro) ou da deslocação de segmentos na palavra, ou ...

Pergunta:

Pelo novo acordo ortográfico, os meses passam a escrever-se com a inicial minúscula. O que pergunto é se a mesma regra se aplica no caso de datas comemorativas, como sejam os casos do 25 de Abril e o 1 de Maio.

Resposta:

Tendo em conta a Base XIX, 2.º e) do Acordo Ortográfico de 1990, dir-se-ia que nos casos apresentados os meses se escrevem com maiúscula, tal como acontece com os dias da semana (Quarta-Feira de Cinzas; Sexta-Feira Santa):

«e) Nos nomes de festas e festividades: Natal, Páscoa, Ramadão, Todos os Santos.»

Mas reconheça-se a utilidade de as entidades que monitorizam a aplicação do AO deixarem claro se alargam ou não o critério acima apresentado às designações das festividades que incluam datas.

Pergunta:

Existe esta locução: «À eterna memória...»? Eu pergunto porque não achei esta locução com crase em minhas consultas. O correto seria dizer: «Em memória de...»?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

A expressão «à memória de...» não é propriamente um locução, é antes uma fórmula de um tipo de texto geralmente breve, a que se chama dedicatória. Trata-se de uma fórmula correta. Já a expressão «em memória de...» é uma expressão fixa que ocorre em frases e textos de tipos diversos; p. ex.: «fazei isto em memória de mim»; «fez-se um minuto de silêncio em memória dos soldados caídos no último conflito».

Pergunta:

Na frase: «Ficámos satisfeitos com o resultado», pedindo para indicar a classe de cada uma das palavras da frase, a palavra satisfeitos é um adjetivo, ou é o particípio passado de satisfazer?

Resposta:

Pode dizer-se que, no contexto apresentado, satisfeito é ainda o particípio passado do verbo satisfazer, mas esta é uma uma classificação pouco consensual. Com efeito, no contexto do ensino básico e secundário, embora me pareça aproveitável para uma atividade formativa, o caso em questão é capaz de levantar dificuldades a corretores de exames e provas sumativas.

Há autores que consideram tratar-se de um particípio passado, numa construção passiva que exprime estado resultante. Trata-se de uma passiva resultativa, conforme descrição e terminologia da Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 440). No entanto, a mesma gramática adverte (idem, p. 1478):

«A função predicativa em orações com os verbos ficar e estar é, sem dúvida, o contexto em que os particípios se aproximam mais dos adjetivos, sobretudo do ponto de vista semântico e lexical. Esse esbatimento de diferenças entre as duas classes reflete-se na oscilação das gramáticas relativamente ao estatuto de algumas dessas formas, bem como à terminologia usada para a descrever: nalguns casos, a sua origem participial é praticamente ignorada, sendo considerados adjetivos simples; quando são reconhecidos como particípios, são por vezes chamados "particípios adjetivais", outras vezes de "adjetivos de particípio" (ou "participiais"). [...]

«Do que ficou dito, podemos concluir que não existe uma separação nítida e estanque entre a classe dos adjetivos e a dos particípios passados. Antes, os particípios, dependendo do contexto em que ocorrem e também do seu sentido mais ou menos previsível a partir do verbo com que se relacionam, podem ocupar um determinado número de posições numa escala gradativa na qual um dos extremos corresponde ...