Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É correcto utilizar apenas a palavra locais (como substantivo) para designar os habitantes de uma zona? Isto é, a expressão inglesa friendly locals pode traduzir-se como «locais amistosos»?

Resposta:

Sente-se ainda como estranho – e, portanto, não se aceita – o uso de locais na aceção de «pessoas que moram num local», porque é claramente um decalque do inglês locals, que tem esse significado. Recomenda-se moradores, «população local», «habitantes locais» (cf. traduções nas páginas do Linguee, apesar de incluírem ocorrências de locais na aceção em apreço). Note-se, porém, que o uso de local como substantivo e sinónimo de lugar está perfeitamente estabelecido na língua portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber se o emprego do verbo distar está correto em frases como a que se segue: «O período que dista entre a entrada de António e o momento atual foi demasiado longo.»

Agradeço a atenção.

Resposta:

O uso em questão não parece reunir consenso, porque o verbo distar, significando genericamente «ficar a (certa distância) de (algo), espacial ou temporalmente» (cf. Dicionário Houaiss), está sobretudo abonado com um complemento1 correspondente à dimensão da distância (que pode ser omitido, ocorrendo apenas um advérbio de quantidade) e um complemento introduzido por preposição (oblíquo), como se pode verificar nos seguintes exemplos:

1. «A entrada do António dista um longo período do momento atual.»

2. «A entrada do António dista muito.»

A frase 1 apresenta um complemento direto («um longo período», que refere a dimensão da distância) e um complemento oblíquo («do momento atual», o ponto em relação ao qual se mede a distância). Em 2, o verbo ocorre intransitivamente, sendo modificado por um advérbio de quantidade (muito).

Regista-se também a possibilidade de uma estrutura de coordenação associar as duas entidades que distam uma da outra, como se exemplifica em 3:

3. «A entrada do António e o momento atual distam entre si um longo período.»

Francisco da Silva Borba, no Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil (São Paulo, Editora UNESP, 1991), dá conta deste comportamento do verbo distar: (confirmado pelo Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, dirigido por J. Malaca Casteleiro, Lisboa, Texto Editora, 2007):

«Constrói-se com sujeito inativo e com complemento da forma de + nome indicativo de lugar e com quantificação ou intensificação da distância. Significa ser ou estar distante ou a certa distância, estar apa...

Pergunta:

Quais são as formas finitas dos verbos?

Resposta:

São todas as que têm flexão de tempo, pessoa e número: canto, cantas, cantava, cantei, cantaremos, etc. As formas não finitas são o infinitivo, o particípio e o gerúndio.

Trata-se de termos que ocorrem, no Dicionário Terminológico (B 2.2.2. Flexão Verbal, Modo), que os define do seguinte modo:

«[Formas finitas são] [t]odas as formas verbais à excepção das do infinitivo, gerúndio e particípio. As formas verbais finitas, tipicamente, podem ocorrer como forma verbal única numa frase simples e admitem variação máxima nas categorias tempo, pessoa e número.»

«[As formas não finitas são as] [f]ormas verbais do infinitivo, gerúndio e particípio. As formas verbais não finitas, tipicamente, não ocorrem como forma verbal única numa frase simples e não variam em tempo.»

Pergunta:

Estou com dúvidas quanto ao modo de introduzir a palavra pirueta numa frase. «Damos uma pirueta», ou «fazemos uma pirueta»? À semelhança de uma cambalhota ou de um salto mortal, por exemplo, «daria» uma pirueta; mas, por outro lado, trata-se de uma figura que se apresenta, daí que também me parece aceitável dizer que se «faz» uma pirueta. Qual é a correcta?

Muito obrigado.

Resposta:

Ao substantivo pirueta podem associar-se quer o verbo fazer quer o verbo dar.

No Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira, e na Linguateca, encontram-se exemplos dos dois usos, muito embora o verbo fazer seja mais frequente. O emprego de dar, se bem que minoritário, é correto e encontra-se noutras expressões relativas a movimento: «dar uma cambalhota/salto/pulo». Perante estes exemplos, não se afigura ilegítima a expressão «dar uma pirueta». E mesmo que se queira definir pirueta como «figura de movimento que se apresenta ou se exibe», basta lembrar que também se usa o verbo dar com exibição – «dar uma exbição» –, mesmo que com menor frequência em comparação com «fazer uma exibição» (cf. fontes referidas).

Pergunta:

Qual a origem do nome próprio Bessa?

Resposta:

O apelido ou sobrenome Bessa, também escrito como Beça, é provavelmente um nome que provém do topónimo espanhol Baeza (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). D. Luiz de Lancastre e Tavora, no Dicionário das Famílias Portuguesas (Lisboa, 2010, p. 99), reitera esta proveniência do seguinte modo: «No tempo do nosso rei D. Fernando I fixou-se em Portugal Juan Alfonso de Baeza, que daquele soberano recebeu as vilas de Alter do Chão e do Vimieiro. Juan, depois João Afonso, casou aqui e teve descendência, que começou por aportuguesar o nome em Baeça e depois em Beça [...].»

Baeza, que é como se chama uma cidade da província de Jaén, na Andaluzia, é topónimo que evoluiu por via do árabe (Bayyāsa) a partir das formas Beatia e Vivatia, atribuídas a uma villa romana e derivadas do nome próprio Vivatius (Jairo J. García Sánchez, Andalucía y sus topónimos IV, Centro Virtual Cervantes). Há autores que contestam que as famílias com este apelido provenham diretamente de Baeza, considerando que com este nome vários cavaleiros procuravam prestigiar-se aludindo à sua participação na conquista da cidade aos árabes; assim se explica que, na Idade média, a família mais conhecida com este apelido procedia de Valdepeñas, na comunidade de Castela-La Mancha (Blasonari. Genealogía e heráldica).

Perante a hipótese de uma origem espanhola, é de assinalar que a grafia mais adequada é a que exibe um ç, uma vez que esta é uma das letras correspo...