Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra contributo pede à/ao/aos/às, ou para o/a/os/as? É correcto escrever «o novo relvado é um contributo ao desporto»?

Resposta:

Como contribuição1, contributo tende geralmente a ser usado com a preposição para. A expressão mais correta é, portanto, «o novo relvado é um contributo para o desporto». No entanto, observe-se que contributo forma com dar uma locução verbal, «dar (um) contributo», que tem um complemento introduzido por a e que marca um complemento indireto.

Atesta-se o uso de contribuição com a preposição a, sem que a palavra se associe ao verbo dar: «Dali irradiaria para o estrangeiro  a notícia dos nossos trabalhos, integrando-nos no movimento universal, e fazendo avultar a nossa contribuição ao tesouro geral da ciência», Ricardo Jorge, Sermões dum Leigo (in Francisco Fernandes, Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, São Paulo, Editora Globo, 1995). Este comportamento do substantivo contribuição e o paralelo de contributo com ele permitem aceitar o emprego de a com contributo, embora de uma forma muito marginal, pelo menos, no português de Portugal.

Pergunta:

Começo por parabenizar o vosso trabalho nesta página, uma vez que tem sido de grande utilidade para todos os que trabalham com a gramática em português.

Dúvida: Qual a função sintática de «com o avô» na frase «A Rita parece-se com o avô»?

A minha dúvida prende-se com a função sintática do constituinte: «com o avô» na frase supracitada «A Rita parece-se com o avô».

Esta dúvida surge pelo facto de o verbo parecer ser um verbo copulativo e pedir predicativo do sujeito, e eu ter visto em várias situações o mesmo exemplo com a função de complemento oblíquo [...].

Desde já agradeço.

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas palavras de apreço.

Trata-se de um caso que pode não revelar-se consensual e que, portanto, terá de ser tratado muito marginalmente no ensino secundário (talvez no ensino básico se mostre muito complicado para os alunos).

Transcrevemos o que se lê na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1314):

«O verbo parecer pode também combinar-se com um sintagma nominal definido ou indefinido, significando, nesse caso, semelhança física, psicológica ou comportamental de dois indivíduos: cf. o Pedro parece o Rui, a Idalina parece uma amiga minha com quem jantei ontem, o João parece o assassino do Smith. Neste caso, contudo, o sintagma nominal pós-verbal não é predicativo, mas, sim, plenamente referencial; ou seja, designa diretamente um indivíduo, e não uma propriedade, sendo, portanto, questionável que parecer seja aqui um verbo de cópula. Corroborando esta conclusão, o mesmo significado de semelhança (mas restringida, para muitos falantes, ao domínio físico) pode ser veiculado por parecer, conjugado reflexamente, em frases nas quais seleciona um complemento preposicional: cf. o Pedro parece-se com o Rui, a Idalina parece-se com uma amiga minha com quem jantei ontem, o João parece-se com o assassino do Smith

Ou seja, a Gramática do Português considera que a estrutura «parecer-se com (alguém)» deve ser analisada como um verbo pleno + um complemento preposicional (ou oblíquo, para usar o Dicionário Terminológico).

Pergunta:

Gostaria que me pudessem elucidar acerca da palavra estantio, no que se refere à sua origem – se se trata ou não de um regionalismo mas, principalmente, se o seu emprego na escrita, a fim de substituir, por exemplo, a palavra estupefacto, é correto e aceitável.

Muito obrigada pela atenção dispensada.

Resposta:

O adjetivo estantio é efetivamente um regionalismo – da região portuguesa do Minho. Nada há que impeça o seu uso, a não ser esse mesmo facto, o de a palavra não ser usada, ao que parece, noutras regiões do mundo de língua portuguesa. É possível que o vocábulo tenha a mesma origem que o castelhano estantío, «fraco, frouxo», que se relaciona com estante,  «relativo ao gado que pasta constantemente no mesmo termo jurisdicional» (cf. dicionário da Real Academia Espanhola). Refira-se que o regionalismo estantio está registado nos Apontamentos acerca do Falar do Baixo-Minho (Lisboa, edição da Revista de Portugal, 1957, p. 150), de F. J. Martins Sequeira, conforme a entrada que seguidamente se transcreve (manteve-se a morfologia do exemplo, típica do falar popular): «ESTANTIO- estacado, pasmado, assarapantado: "Eh, rapariga, parece que ficastes estantia."»

Pergunta:

«Dois pesos, duas medidas», ou «um peso, duas medidas»? Não será a segunda expressão mais apropriada para significar que uma situação não é julgada com imparcialidade, uma vez que o mesmo "peso" poderá ter duas "medidas"?

Obrigado e parabéns pelo excelente trabalho.

Resposta:

A segunda expressão que propõe pode ter toda a lógica, mas na verdade a expressão registada é «ter dois pesos e duas medidas». Esta expressão, ao que se sabe, de origem bíblica, «diz-se de pessoa que não usa de imparcialidade, isenção, equidade em seus juízos, actos, decisões» (Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006; ver também o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s. v. peso: «ter dois pesos e duas medidas julgar de forma parcial duas situações iguais»).

Pergunta:

É comum encontrar termos como «prática curatorial» no âmbito da curadoria de arte. O uso do termo curatorial é correcto?

Muito obrigado pela atenção dispensada.

Resposta:

A palavra é usada em setores ligados ao ensino e à prática das artes plásticas, incluindo a museologia. Não está atestada nos dicionários gerais, mas, se é usada entre os profissionais dos domínios referidos, deve considerar-se um termo especializado e, como tal, aceite. O seu aparecimento em português parece ter-se feito por empréstimo do inglês curatorial.