Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a diferença entre vocábulo formal e vocábulo fonológico?

Resposta:

Trata-se de uma distinção proposta pelo linguista brasileiro Joaquim Mattoso Câmara Júnior, que a ela se refere do seguinte modo, em Problemas de Lingüística Descritiva, Petrópolis, Editora Vozes, 1971, págs. 34-37 (mantém-se a ortografia do original):

«Tradicionalmente, tôda e qualquer descrição da língua portuguesa leva em conta a existência do "vocábulo", e nisso se baseia.

«Nunca se cogitou, porém, de explicar e claramente definir em que consiste êle [...].

«O grande problema, no âmbito da língua oral é que por "vocábulo" se entendem duas entidades diferentes. De um lado, há o vocábulo "fonológico", que corresponde a uma divisão espontânea na cadeia de emissão vocal. De outro lado, há o vocábulo "formal ou mórfico", quando um segmento fônico se individualiza em função de um significado específico que lhe é atribuído na língua. Há certa correspondência entre as duas entidades, mas elas não coincidem sempre e rigorosamente.»

Um estudo de dois linguistas brasileiros exemplifica a diferença (Emanuel Souza de Quadros e Luiz Carlos Schwindt, "Um estudo sobre a relação entre palavra morfológica e palavra fonológica em vocábulos complexos do português brasileiro", Anais do CELSUL 2008, p. 3):

«Em muitos casos, contudo, não há coinc...

Pergunta:

Sobre a formação da palavra bicharada e a sua classificação, será: forma de base bicho + sufixo -ar + sufixo -ada? Bicharada é uma palavra derivada por sufixação?

Resposta:

A palavra bicharada é efetivamente derivada por sufixação, mas não da forma que se apresenta na pergunta.

O sufixo derivacional é -ada, mas entre a base de derivação (bicha, forma alternativa a bicho, neste caso de derivação) e o referido sufixo ocorre o interfixo ou a vogal de ligação -r-. Sobre esta vogal de ligação, lê-se no Dicionário Houaiss (s. v. -r-):

«[O]corre entre rad[icais] terminados por vogal e sufixos iniciados t[am]b[ém] por vogal, a fim de evitar o hiato; considerem-se como afins os -r- e -rr- de palavras como baforar, bamburral, bicharada, bocarrão, brancarão, brancarrão, catulereiro, chuvarada, cusparada, filharada, laçarada, linguaral, milharal, nomerento, pintarada etc.; cumpre notar que a quase regularidade com que este -r- de ligação ocorre, condiciona a troca da vogal temática da pal[avra] base para -a-: bicharada [< bicho (-o > -a) + -r- + -ada], brancarão [< branco (-o > -a) + -r- + -ão], cusparada [< cuspe (-e > -a) + -r- + -ada], fogaréu [< fogo (-o > -a) + -r- + -éu], milharada [milho (-o > -a) + -r- + -ada], pontareco [< ponto (-o > -a) + -r- + -eco], sumarento [< sumo (-o > -a) + -r- + -ento]».

Pergunta:

Na frase «Patrícia baixou graciosamente o joelho», graciosamente é modificador do grupo verbal, ou modificador de frase?

Obrigada.

Resposta:

A pergunta tem por horizonte a classificação do Dicionário Terminológico (DT), que se destina a apoiar o ensino da gramática nos níveis básico e secundário do sistema educativo de Portugal. Sendo assim, do ponto de vista sintático, considere-se graciosamente como um modificador do grupo verbal, porque marca informação acessória que altera a predicação associada ao verbo e aos seus complementos («baixou o joelho»). Não se trata de um modificador de frase, visto graciosamente não encerrar uma apreciação global do falante (dúvida/probabilidade e atitude afetiva) relativamente ao valor de verdade do conteúdo da frase (ao contrário de talvez, provavelmente ou infelizmente) ou o enquadramento deste conteúdo num domínio de pensamento ou de atividade (ao contrário de matematicamente, no sentido de «do ponto de vista da matemática»). O que graciosamente diz (sem deixar de envolver uma apreciação) é que a ação referida pela frase se verifica de maneira particular – «com graça» –, sendo compatível com a construção de negação (exemplo 1), com algumas alterações, é certo, e de foco (exemplo 2):

1. «Patrícia baixou o joelho não graciosamente, mas energicamente.»

2. «Foi graciosamente que Patrícia baixou o joelho.»

Nestes exemplos, não é possível a ocorrência de talvez, provavelmente, infelizmente ou matematicamente (neste último caso, a substituição é possível, mas atribuindo um significado equivalente ao de um advérbio de modo, ou seja, «de modo matemático»; o * indica agramaticalidade):

3. *«Patrícia baixou o joelho não talvez/provavelmen...

Pergunta:

Continuo sempre com muitas dúvidas no que diz respeito aos advérbios e às suas (novas) subclasses. Por exemplo, na frase «As guerras afastam aproximadamente 43 milhões de crianças da escola», o advérbio utilizado deverá ser classificado como advérbio de predicado, ou, eventualmente, de quantidade (e grau)?

Obrigada, desde já, pelo vosso esclarecimento.

Resposta:

Pode-se incluir o advérbio aproximadamente na subclasse dos advérbios de quantidade e grau, se aceitarmos o relativamente recente Dicionário Terminológico (DT), conforme a pergunta parece pressupor quando menciona «novas subclasses».

A palavra aproximadamente, tradicionalmente um advérbio de modo, tem um comportamento especial, tal como acontece com outros advérbios em -mente (p. ex., provavelmente). Neste caso, verifica-se que é equivalente ao advérbio quase ou às locuções prepositiva cerca de e perto de, em associação a expressões quantificadoras («aproximadamente/quase/cerca de/perto de 43 milhões de crianças»). Dado algumas gramáticas escolares que aplicam o DT classificarem quase como advérbio de quantidade e grau (cf. Domínio da Gramática Portuguesa, Plátano Editora, 2011, p. 146; Gramática da Língua Portuguesa, Areal Editores, 2009, p. 212), acaba por se afigurar legítimo classificar aproximadamente de maneira igual. Observe-se, porém, que esta classificação não é indiscutível, mesmo à luz do DT.

Pergunta:

Qual o significado ou origem da palavra Bardeiras?

Obrigado.

Resposta:

O topónimo Bardeiras ou Bardeira não tem origem clara.

Nas cartas disponíveis no IgeoE-SIG – Visualizador de Informação Geográfica (Instituto Geográfico do Exército) marca-se o topónimo Bardeiras, bem como Monte da Bardeira, Montalvo da Bardeira e Quintas da Bardeira. É possível que o conjunto destes lugares – na verdade, quintas e montes – constitua «as Bardeiras» (não foi possível confirmá-lo localmente). Refira-se que o nome também se usa ou usou como alcunha e eventualmente apelido (ou sobrenome), conforme regista o Tratado das Alcunhas Alentejanas (Lisboa, Edições Colibri, 2003), que assinala a forma dialetal "Bardêra" (com a monotongação típica dos falares alentejanos), alcunha de um indivíduo que morava no monte das Bardeiras, na freguesia do Vimieiro, no concelho de Arraiolos. Também José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista Bardeira, topónimo associado à denominação de algumas propriedades (Monte Novo da Bardeira, Quinta Nova da Bardeira); o referido autor deixa em aberto a possibilidade de este nome ter origem no substantivo comum albardeira, feminino de albardeiro, «que ou aquele que fabrica ou vende albarda ou albardão ("sela grosseira")» (Dicionário Houaiss). Infere-se, portanto, que Bardeira seja o resultado de expressões como «quinta albardeira», em alusão a alguém com o ofício de albardeiro, ou «quinta da albardeira», referente a parente ou relação do sexo feminino. Note-se, contudo, que esta proposta etimológica deixa por explicar a omissão do elemento árabe q...