Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual é o feminino de frei/freire (monge). Será freira (sóror)? E nesse caso freira será também a forma feminina de padre?

Obrigado.

Resposta:

A forma frei usa-se geralmente como título e tratamento: «Frei Lucas de Santa Catarina».

O vocábulo freire é sinónimo de frade, mas este é mais usado que aquele. De qualquer modo, ambas as palavras ocorrem como apelativos, referencialmente, sem funcionarem como títulos: «O Algarve foi conquistado pelos frades/freires da Ordem de Santiago.»

Quando se trata de uma freira, o título e tratamento é irmã, soror ou sóror (plural é sempre sorores): «Bom dia, Irmã Lúcia», «Nunca li as cartas de Soror/Sóror Mariana Alcoforado».

Nem freira, nem soror (ou sóror) são os nomes femininos homólogos de padre, porque este último termo se aplica a um indivíduo que tem geralmente a seu cargo a vida religiosa de uma comunidade muitas vezes não clerical (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Existem, é certo, os termos madre e madre superiora/madre abadessa, mas estes referem-se a cargos desempenhados por mulheres que lideram comunidades de religiosas, ou seja, de freiras (ibidem).

Pergunta:

Estou a fazer uma pesquisa sobre o meu apelido materno Charneco e vejo que em Portugal, para além de ser um apelido, também é usado como alcunha. Gostaria de saber a etimologia ou origem desta palavra.

Muito obrigado

Resposta:

Charneco é apelido português, muitas vezes com origem no uso como alcunha.

É um derivado ou uma conversão do nome comum charneca, que em português significa «terreno pouco fértil onde cresce vegetação rasteira, de tipo arbustivo». É vocábulo que, na toponímia, ocorre sobretudo a sul do rio Mondego e da Serra da Estrela, o que não quer dizer que tenha origem árabe.

É possível que charneco seja uma maneira de dizer que alguém é oriundo de uma aldeia ou vila chamada Charneca. Contudo, pode haver outras razões, o que significa que quem tem o apelido Charneco pode dever essa forma de apelido a razões que variam de família para família.

A etimologia mais remota de charneco é a de charneca, palavra que parece ter-se desenvolvido no sul de Portugal e na Estremadura espanhola, provavelmente no período moçárabe, isto é, entre falantes de latim que viviam nos territórios controlados pelo poder árabo-muçulmano1. Charneca talvez tenha que ver com um termo de origem ibérica ou basca, de acordo com a proposta dos fiólogos espanhóis Coromines e Pascual2: «podria suponerse que del ibero-vasco sarna, *txarna, ‘arena’, viniera un adjetivo charneca, y que de ahí saliera el sustantivo portugués (< terra charneca) y castellano (< planta charneca)». Esclareça-se que se aceita que o espanhol charneca, sinónimo de "lentisco", encontre origem no português, língua onde a forma charneca se atesta desde finais do século XII.

 

1 Ver charneca em Joan Coromines e José Antonio Pascual, Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico (ve...

Pergunta:

Obrigado pelo excelente site.

Queria saber se me poderiam esclarecer quanto ao significado e origem da palavra "timpeira", muito em voga aqui no Nordeste de Portugal.

É nome de uma zona de Vila Real e também de várias quintas.

Obrigado, Rodrigo Vaz

Resposta:

Nas fontes aqui consultadas, não se encontra explicação para o topónimo em questão.

O único comentário disponível sobre a sua origem, é o de José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico, e resume-se a considerar que o topónimo é de origem obscura: reconhece-se o sufico -eira, frequente na toponímia (sobretudo com nomes relativos à flora e à fauna), mas, sobre o radical timp-, não há informação.

Pergunta:

Ouço regularmente falar de enclave a respeito de Gaza.

Para ser enclave tem de estar totalmente rodeado, sem saída para o mar, pelo que qualquer pessoa que queira sair tem de passar por outro território. É o caso Nagorno-Karabak, sempre bem denominado como enclave.

Agradecia um esclarecimento

Resposta:

Não foi possível aqui chegar a resposta direta a adequação do termo enclave na referência à Faixa de Gaza. Na linguagem corrente, não se pode dizer que constitua um claro erro chamar enclave à faixa de Gaza.

A pergunta é de natureza técnica, e a informação recolhida para este parecer é de origem anglo-saxónica e parece muito estrita quanto à definição de enclave, que tem a mesma forma que o português  – cf. Wikipedia e Online Etymology. No entanto, consultando as versões da Wikipedia em francês, espanhol e, paradoxalmente, até em inglês, verifica-se que se usam homógrafos sinónimos do português enclave como apelativo da Faixa de Gaza, o que se compreende, porque o uso do termo mais adequado semienclave (dado que é território com litoral) poderá configurar um preciosismo dispensável, pelo menos, em contextos em linguagem corrente.

Dito isto, nota-se que, inclusivamente em textos mais especializados, se usa enclave mesmo que o território assim designado se encontre junto à costa, como é o caso do território de Kaliningrado, nome retomado pelo inglês enclave no seguinte título: Diener, Alexander, and Joshua Hagen. "Geopolitics of the Kaliningrad exclave and enclave: Russian and EU perspectives." Eurasian Geography and Economics 52.4 (2011): 567-592.

De qualquer modo, é de notar que, pelo menos, em português, não há claro juízo normativo que impeça o emprego de enclave para referir um território de um país que se encontra rodeado por território de outro país ou outros países, havendo ou não saída para o mar.

Pergunta:

Entre adstringido e adstrito só a primeira pode ser particípio passado do verbo adstringir?

Resposta:

Embora a maioria dos dicionários e das gramáticas não o refira, o verbo adstringir tem duplo particípio.

Ou seja, tem a forma regular adstringido, que se usa com o auxiliar ter em tempos compostos, e adstrito, que ocorre na voz passiva (com ser e nas variantes com estar e ficar)1.

O facto de adstringir ter duplo particípio passado é assinalado por Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa, publicado em 1966: «adstringir, verbo. Particípio passado: adstringido e adstrito.»; «adstrito, particípio passado de adstringir (coexistente com adstringido)».

1 Sobre o uso de adstringir, consultar também o comentário de Helder Guégués no blogue Linguagista.