Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em termos de classificação gramatical e sintática, encontro bastante dificuldades em distinguir uma colocação e uma locução.

Já que ambas podem ter a mesma combinação de substantivo + adjetivo / verbo + substantivo / substantivo + preposição + substantivo, parace-me algo muito subjetivo e gostaria que me explicassem, por favor, a diferença entre os dois termos, como reconhecê-los e como classificá-los, visto que, existem muitas informações contraditórias.

Muito obrigado pela atenção.

Resposta:

Há de facto alguma oscilação terminológica, mas pode chegar-se a uma distinção entre os conceitos associados aos termos locução e colocação.

Uma locução forma uma unidade linguística que pertence a uma dada classe morfossintática. Por exemplo, «fim de semana» é uma locução nominal e «acerca de» é uma locução prepositiva, porque pertencem, respetivamente, à classe dos substantivos e à classe das preposições.

Uma colocação (ou uma solidariedade lexical) é uma associação mais uma menos fixa de palavras que não pertencem geralmente à mesma classe de palavras. Por exemplo, «tecer comentários», «tecer considerações» e «tecer críticas» são colocações do verbo tecer, quando este verbo se usa como sinónimo de fazer ou proferir.

Pergunta:

Em assentos eclesiásticos, encontramos frases do tipo:

«João de tal, viúvo que ficou de Maria de tal, casou-se com Joana de tal.»

Napoleão Mendes de Almeida, no seu Dicionário de Questões Vernáculas, parece discordar de Vasco Botelho de Amaral quanto à função da conjunção que com valor temporal. Qual a função sintática da conjunção que nesse contexto?

Muito obrigado!

Resposta:

O que se pode aqui apurar não se afasta do que refere o consulente: é uma estrutura de análise não consensual.

Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2003, p. 525) menciona de algum modo esta estrutura quando fala da construção de particípio passado seguido de que e do verbo ser; ex.:

«Acabado que foi o prazo destinado à revisão, os candidatos continuaram insatisfeitos.»

Bechara assinala que há discordância quanto à natureza deste que posposto ao particípio, e cita dois autores:

– é conjunção (Maximino Maciel), e a oração em que ocorre é um caso especial de oração reduzida de particípio;

– é pronome relativo (Epifânio da Silva Dias, Sintaxe Histórica Portuguesa, §91, c).

Bechara prefere a segunda perspetiva, que parece considerar a possibilidade de que ter como antecedente um adjetivo ou um particípio passado.

É, portanto, uma questão difícil, sem uma resposta inequívoca.

Pergunta:

Em relação à sintaxe do verbo pedir, para além das regências habituais (que, para, por), parece-me possível dizer-se «Vou pedir COMO presente uma bola».

No entanto, a mesma frase com a preposição de é possível?

«Vou pedir DE presente uma bola.»

Obrigado.

Resposta:

Ambas as preposições são possíveis e corretas, no sentido de «como oferta» e associadas a «dar/receber/trazer/levar alguma coisa».

A expressão «de presente» tem atestação literária, mesmo em Portugal:

(1) «... a compensação dos muitos amargos de boca que a vida lhe dera de presente..» (Alexandre Cabral, Margem Norte, 1979, em Corpus do Português)

(2) «Jorge trouxera-lhe como presente seis pratos de louça da China [...].» (Eça de Queirós, O Primo Basílio, 1878, ibidem)

Pergunta:

Gostaria de saber se existe alguma diferença no uso dos advérbios respeitosamente e atenciosamente no fecho de uma carta formal no português europeu.

No Brasil, por exemplo, o Manual de Redação da Presidência da República estabelece o emprego de dois fechos diferentes para todas as modalidades de comunicação oficial:

a) para autoridades superiores, inclusive o Presidente da República: «Respeitosamente»;

b) para autoridades de mesma hierarquia ou de hierarquia inferior: «Atenciosamente».

Desde agradeço a atenção dispensada.

Resposta:

Em Portugal, usam-se geralmente fórmulas como «Com os melhores cumprimentos» ou «Cumprimentos», mesmo em ofícios, ou seja, na correspondência administrativa interna1.

Na correspondência de caráter mais comercial, emprega-se também «Atentamente» e «Atenciosamente».

 

1 Ver exemplos de escrita burocrática em Falar Melhor, Escrever Melhor (Lisboa, Seleções do Reader's Digest, 1991, pp. 258-264). Consultar também José Calvet de Magalhães, Manual Diplomático, (Lisboa, Editorial Bizâncio, 2005, pp. 138-144).

Pergunta:

Quanto ao verbo terminar, em português europeu padrão se diz «terminar por», à semelhança de «acabar por» ou terminar seguido de gerúndio, por exemplo:

«Ele terminou confessando a verdade.»

«Ele terminou por confessar a verdade.»

Muito obrigado!

Resposta:

No português de Portugal, tem preferência a construção «terminar por» seguida de infinitivo, à semelhança de «acabar por»: «terminou por confessar» = «acabou por confessar».

Contudo, é preciso notar que a construção terminar + gerúndio («terminou confessando») pode tornar-se ambígua, confundindo-se com um outro uso, o do verbo terminar seguido de um gerúndio pra exprimir o modo como termina um discurso ou uma intervenção:

(i) «Com pavor triste, recordava os piores tempos do Absolutismo, a inocência soterrada nas masmorras, o prazer desordenado do Príncipe, sendo a expressão única da Lei! E terminava perguntando ao Governo se cobriria este seu agente [...]» (António Patrício, Serão Inquieto, 1910, in Corpus do Português)