Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber quais as situações em que devemos empregar a preposição «por sobre», e se o correspondente «por sob» existe, se está em uso ou se é aceitável.

Muito obrigado.

Resposta:

As sequências «por sobre» e «por sob» não são preposições, mas, sim, pares de preposições. Com «por sobre», pretende-se marcar a noção de «por cima de um objeto ou de uma superfície, ao longo de toda a sua extensão». Depreende-se que «por sob» signifique «por debaixo de um objeto ou da sua superfície».

A associação de por a sob poderá ser mais rara que «por sobre», porque sob não é preposição com grande frequência, até porque é praticamente parónima de sobre. Contudo, é uma associação de preposições possível e legítima em certos contextos, ocorrendo já em textos menos recentes: «E pela vez primeira, depois de cinquenta anos de aridez, uma lágrima breve escorregou no carão da Titi, POR SOB os seus óculos sombrios» (Eça de Queirós, A Relíquia, in Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira).

Pergunta:

Digam-me, por favor, qual a forma correta de escrever a junção dos adjetivos moral e espiritual na seguinte frase:

«Tendo em conta as condições tanto económicas como moral-espirituais (ou moralo-espirituais [=morais e espirituais]), há que oferecer caminhos concretos.»

Grato.

Resposta:

O caso em questão encontra alguma dificuldade, porque se trata de formar um adjetivo composto cujos constituintes estão coordenados. É que, geralmente, este tipo de compostos seleciona como primeiros elementos formas reduzidas ou alatinadas dos adjetivos, frequentemente terminadas em -o (ex., luso, franco, hispano, etc.), as quais são invariáveis. Acontece, porém, que a moral não corresponde nenhuma forma desse tipo (não se regista "moralo-"). Mesmo assim, tendo em conta exemplos como «(serviços) médico-cirúrgicos» (C. Cunha e L. Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 253: «nos adjetivos compostos apenas o último elemento recebe a forma de plural»), proponho a forma moral-espiritual, cujo plural é moral-espirituais.

Pergunta:

A palavra folhos é da família de folhas?

Resposta:

A palavra folho (plural folhos) é efetivamente da família de folha, porque tem origem num étimo que é comum às duas palavras – o latim folìum, ii, «folha» (Dicionário Houaiss). Do plural de folium – folia – surgiu a palavra folha. Outras palavras desta família, formadas por derivação: desfolhar, folhagem, folhear, folhetim, folhoso.

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da expressão «ter uma língua de prata».

Obrigada.

Resposta:

É expressão que se refere a uma pessoa muito maldizente, conforme o registo de António Nogueira Santos, em Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006). «Língua de prata», com a variante «linguinha de prata», também tem entrada, com o mesmo significado, no Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), de Orlando Neves, e no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1993), de Guilherme Augusto Simões.

Pergunta:

Gostaria de saber se as palavras cinema, teatro, pintura, escultura ou literatura podem ser consideradas merónimos de arte, se a relação existente entre os conceitos é de hiponímia/hiperonímia ou se ambas as situações são consideradas aceitáveis, uma vez que, na minha opinião, a linha de diferenciação desta relação lexical é muito ténue.

Obrigado!

Resposta:

Os conceitos de hiperonímia e hiponímia são os que se aplicam melhor à relação de arte com cinema, teatro, pintura, escultura ou literatura. Neste caso, não se trata de relações de todo-parte (holonímia-meronímia), porque estas, ao contrário das de hiperonímia-hiponímia (ou seja, de hierarquia), impedem a transmissão de propriedades semânticas da palavra semanticamente mais abrangente. Por exemplo, tampo ou perna (merónimos) referem partes de um todo a que se chama mesa (holónimo) sem serem subtipos deste todo. Contudo, se empregarmos cinema, a realidade em referência é um subtipo daquilo que o vocábulo arte designa.

Este comportamento é focado no Dicionário Terminológico, que define assim a relação de holonímia:

«As relações de holonímia/meronímia distinguem-se das de hiperonímia/hiponímia na medida em que nestas há uma transferência de propriedades semânticas que não se verifica naquelas. Por exemplo, "sardinha" é hipónimo de "peixe", porque também é "peixe". Já a palavra "escama" não pode ser encarada como um hipónimo de "peixe", uma vez que, apesar de ser uma parte do peixe (merónimo), não é um subtipo de peixe.»