Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ouvi hoje um termo que já não ouvia há muito tempo: «arramar» com o significado de  «parar de chover»!

Ligeirinho, procurei  na net alguma informação  e não encontrei  qualquer significado que se aplicasse a este sentido! Podem dar-me alguma informação sobre o fundamento para este verbo ter este significado?!

Grato pela atenção, aproveito para vos felicitar pelo excelente trabalho que têm vindo a  produzir em prol da nossa língua!

​Obrigado​.

Resposta:

Encontro registado o verbo arramar com o significado de «espalhar a rama» ou, de modo mais genérico, no sentido de «dispersar-se, espalhar-se» (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa). A. M. Pires Cabral, em Língua Charra (Editora Âncora, 2013), regista, como regionalismo de Trás-os-Montes, a forma arramar com os significados de «derramar, verter (um líquido); espalhar (estrume, cinza, etc.)» e «espalhar as nuvens», ou, mais especificamente, «levar a trovoada para longe». Esta última aceção está também atestada no Tesouro do Léxico Patrimonial Galego e Português. Arramar é também conhecido nos dialetos galegos, conforme se regista no Dicionário Eletrónico Estraviz, no qual o verbo, além de significar «afastar» e «espalhar», também se usa como o mesmo que «escampar», isto é, «parar de chover».

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas palavras finais.

Pergunta:

Na enumeração de páginas e de folhas de um livro, assim como na de casas, apartamentos, quartos de hotel, cabines de navio, poltronas de casa de diversões e equivalentes, empregam-se os cardinais. Ex.: «página sete»; «folha dez»; «cabine oito»; «casa trinta»; «apartamento cento e dois»; «quarto dezoito». Mas, se o numeral vier anteposto, usa-se o ordinal.

No Dicionário Terminológico, devo classificar «sete», «dez», «oito», «trinta», «cento e dois», «dezoito» como numeral/quantificador, ou adjetivo numeral?

Resposta:

Os casos em questão são exemplo do uso dos quantificadores numerais como adjetivos numerais.

No entanto, deve ser tido em atenção que o Dicionário Terminológico (DT) não abrange estes casos, o que se compreende, porque o DT é uma lista de termos e das suas definições, e não uma gramática. É necessário consultar, por exemplo, a Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, pág. 374), na qual Celso Cunha e Lindley Cintra se referem a este uso dos numerais cardinais – ou seja, daquilo a que o DT chama quantificadores numerais –, em lugar dos numerais ordinais – isto é, os adjetivos numerais do DT:

«Na enumeração de páginas e de folhas de um livro, assim como na de casas, apartamentos, quartos de hotel, cabines de navio, poltronas de casas de diversões e equivalentes, empregam-se os [numerais] CARDINAIS [em lugar dos numerais ordinais]. Nestes casos sente-se a omissão da palavra número:

Página 3 (três)                                Casa 31 (trinta e um)

Folha 8 (oito)                                  Apartamento 102 (cento e dois)

Cabine 2 (dois)                              &#...

Pergunta:

Tenho verificado com frequência crescente a utilização da palavra material como pretendendo significar a ideia de relevância, utilizada como a palavra inglesa material (como por exemplo na seguinte passagem legislativa: «... desde que as respetivas atividades profissionais tenham um impacto material no perfil de risco da instituição de crédito»). Poderá considerar-se correta tal utilização? Como preferência pessoal penso que temos múltiplas alternativas para expressar o mesmo sentido (importante, significativo, relevante, considerável, apreciável, sensível).

Obrigado.

Resposta:

O uso em questão é de evitar, porque se trata efetivamente de decalque de uma das aceções do adjetivo inglês material, quando empregado com os significados de «relativo à substância ou ao conteúdo» (por oposição à forma) e «importante» (ver material, usado como adjectivo, significados 1.2 e 2, no Oxford English Dictionary). As soluções apresentadas em alternativa são, portanto, as adequadas.

Pergunta:

Eu repito o substantivo ou o adjetivo que vem após o prefixo («intraurbano e interurbano», «microempresa e pequena empresa»). Mas, para os usuários da língua, ao menos aqui no Brasil, parece aceitável dotar o prefixo de certa autonomia.

Seria recomendável adicionar um hífen, nesse caso: «intra- e interurbano», «micro- e pequena empresa»?

Noto que micro e macro tendem a ter vida autônoma no futuro, pois já leio: «problemas macro», «numa visão micro».

Obrigada!

Resposta:

A escrita do uso em questão não tem ainda regra nem critério normativos.

Na oralidade, quando duas palavras derivadas por prefixação têm a mesma base e ocorrem coordenadas (por exemplo, «intraurbano e interurbano»), tem-se tornado frequente usar sozinho o prefixo da primeira em lugar da sua forma integral (como em «"intra" e interurbano», sendo "intra" uma elipse de intraurbano). Este processo lembra o que se verifica com uma sequência de advérbios de modo coordenados («cómoda e rapidamente», em vez de «comodamente e rapidamente»), com a diferença de, neste caso, a forma reduzida do primeiro advérbio ser marcada pela base da derivação (ou seja, «cómoda», substituindo «comodamente»), e não pelo sufixo (não se diz *«mente e rapidamente»).

Na escrita, a ortografia (tanto a do Acordo de 1990 como a anterior norma, de 1945) não prevê a possibilidade de um prefixo subentender uma palavra derivada inteira, mas, querendo evitar uma sequência coordenada como «intraurbano e interurbano»1, na qual se repete o adjetivo urbano, oferecem-se duas opções:

a) grafa-se o prefixo com hífen como se o mencionássemos («o prefixo intra-»), de modo a indicar o seu estatuto de forma não autónoma (ou presa): «intra- e interurbano»;

b) porém, visto que há prefixos que se comportam como formas autónomas («problemas macro»), pode aceitar-se que o prefixo com função elíptica também pode grafar-se como palavra autónoma, o que legitima «intra e interurbano», sequência em que intra ocorre sem hífen.

Quanto à situ...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem da palavra "usina". Podem ajudar-me?

Muito obrigada.

Resposta:

O termo usina, com o significado de «fábrica», de uso corrente no Brasil, é adaptação do francês usine, que tem a seguinte etimologia: «[...] usine (1732) `estabelecimento industrial munido de máquinas; loja, ateliê, oficina´ "de wisine, vocábulo dialetal do norte, atestado desde 1274 num texto de Valenciennes, alteração, talvez por influxo de cuisine, do picardo ouchine, variante oeuchine, do latim officina", segundo J. Picoche [...]» (Dicionário Houaiss).