Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho uma dúvida em relação à classificação da expressão «Além do mais», nesta frase: «Além do mais, eu entrei aqui.»

Se considerar que «além do mais» equivale a «além disso», segundo um esclarecimento vosso que li, trata-se de um conector adicional. Mas fica a dúvida: classifica-se como locução adverbial conectiva, ou não?

Obrigado pelo vosso tempo.

Resposta:

«Além disso» e «além do mais» são conectores discursivos aditivos (ou sumativos), de acordo com o Dicionário Terminológico (DT), que lista a terminologia a usar nos níveis básico e secundário do ensino em Portugal. Já a expressão «além de» é uma locução prepositiva, conforme classificação tradicional (Nunes de Figueiredo e Gomes Ferreira, Compêndio de Gramática Portuguesa, 1974, p. 304) e mesmo mais recente (cf., entre gramáticas que aplicam o DT, Domínios – Gramática da Língua Portuguesa, da Plátano Editora, 2011, pág. 172, e Gramática Didática de Português, Santillana/Constância, 2011, pág. 138).

Querendo aprofundar esta questão, assinale-se que a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pág. 1504) inclui «além de» entre as locuções prepositivas, embora assinale que é uma locução de base adverbial. Sobre as distinções que é possível definir entre diferentes locuções prepositivas, diz a mesma fonte (pp. 1503/1504)1:

«[..] [A]s locuções prepositivas têm normalmente como termo principal um item pertencente a outra classe, em particular um nome (cf. 10a), um advérbio (cf. 10b) ou uma preposição seguida de um nome, de um advérbio ou, mais raramente, de um verbo (cf. os três exemplos de 10c, respetivamente); nos casos de 10c, a sequência em questão forma um sintagma preposicional menor dentro da locução prepositiva. Consoante o termo principal da locução prepositiva é um nome, um advérbio ou um sintagma preposicional, assim classificamos as locuções como locuções prepositivas de base nominal, de base adverbial e de base preposicional:

(10) a. face a [locução prepositiva de base nominal]

      b. depois de [locução prepositiva de base adverb...

Pergunta:

Depois de ter consultado alguns documentos fiquei com a dúvida da origem do topónimo Murgido. Embora num livro de topónimos apareça como originário de Mauri Gildus, depois de consultar alguns documentos históricos fiquei com a dúvida se não terá origem em Hermenegildo (conde), casado com Dona Mumadona. E Gião terá derivado de Geam, como aparecia na época medieval, ou de Julianus (Juliani), imperador romano? E Sunilanis terá dado origem a Soleiro?

Obrigado.

Resposta:

Entre as fontes a que tive acesso, refiro José Pedro Machado, que, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, a respeito de Murgido, deixa como interrogação a possibilidade de este topónimo se relacionar com a forma Mourigildus, identificada pelo filólogo Joseph-Maria Piel como um antropónimo germânico.*

Contudo, A. de Almeida Fernandes, em Toponímia Portuguesa – Exame a Um Dicionário, 1999) contesta esta etimologia e, em alternativa, apresenta três: a) pode tratar-se de um derivado em -ido de morga, do latim morica, por sua vez, de mora («amora»); b) um derivado que inclui um radical pré-romano – mor-, «acervo», que se aplicaria a um amontoado de pedras; c) um derivado com a forma hipotética Murugido, de morugem, nome de planta. Note-se que a pista de Almeida Fernandes é congruente com a interpretação de -ido como um sufixo de significado abundancial (= «local onde há abundância»), tal como acontece no caso de Carvalhido, derivado de carvalho.

Quanto a Gião, refira-se que tanto esta forma como a medieval Geam parecem remontar ambas a Julianu: Julian(m) > Juião > Gião, Giam. Assinale-se que, na Galiza, se conserva a forma Xiao, que é o resultado contemporâneo do galego para Julianu.

Quanto a Soleiro (no concelho de Amarante), não disponho de fontes que refiram a sua relação direta ou indireta com a forma Sunilanis. Esta costuma estar relacionada com topónimos como Soalhães; e seria lógico pensar que

Pergunta:

Tenho ouvido várias vezes utilizarem a palavra "quiriopata" quando se refere a pessoa que trata das vértebras. Existe esta palavra? Está correta a sua utilização?

Obrigado.

Resposta:

As formas corretas do termo são quiroprática e quiropraxia. Os indivíduos que se dedicam à quiroprática são chamados quiropráticos.(cf. Dicionário Houaiss).

Quiroprática é um termo usado nas chamadas medicinas alternativas para designar o «sistema que sustenta que as doenças se curam pela manipulação das estruturas do corpo, especialmente da coluna vertebral» e o «tratamento das doenças pela manipulação das vértebras» (Dicionário Houaiss; ver também o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, em versão eletrónica, na Infopédia). Trata-se de uma corrente terapêutica criada pelo norte-americano Daniel David Palmer (1845-1913). As pessoas que ministram este tratamento são os chamados quiropráticos, como se atesta em dicionários e pelos nomes de entidades como a Associação Portuguesa dos Quiropráticos.

Pergunta:

Gostaria de ser esclarecida quanto ao género da palavra microbiota, que é o conjunto de micro-organismos de um ecossistema, uma vez que diferentes dicionários a consideram masculina ou feminina. E uma pesquisa em sites de universidades de medicina também não foi mais esclarecedora, dado a palavra ser referida usando os dois géneros.

Obrigada.

Resposta:

Existe a forma biota, «conjunto de todos os seres vivos de uma região» (Dicionário Houaiss), que é palavra dicionarizada como substantivo feminino – cf. Vocabulário Ortográfico do Português do Portal da Língua,  Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia) e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras. Tem, portanto, toda a congruência atribuir o mesmo género a microbiota, analisável como palavra derivada* de biota.

* É também possível considerar microbiota palavra composta. Cf. A formação de microcefálico.

Pergunta:

Em vez de dizer «analisar se o produto tem viabilidade para ser reciclado», será que posso dizer «analisar a "reciclabilidade" do produto»? Em inglês utiliza-se "recyclability".

Resposta:

É possível e legítimo formar o vocábulo reciclabilidade – um derivado de reciclável, à semelhança de probabilidade, que o é de um adjetivo sufixado com -ávelprovável. A palavra também já se encontra dicionarizada, por exemplo, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia).