Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como fica a vírgula em orações consecutivas com que depois de tão, tanto e tal? Li a instrução de que se deve usá-la sempre, mas há muitos exemplos de boas fontes que não o fazem. Que critério seguir? Dispensar a vírgula nos períodos de fácil entendimento?

Exemplos sem vírgula:

(Machado de Assis Dom Casmurro) «A vida é tão bela que a mesma ideia da morte precisa de vir primeiro a ela... O que cismei foi tão escuro e confuso que não me deixou tomar pé... Continuei, a tal ponto que o menor gesto me afligia...»

Napoleão Mendes de Almeida, Gramática Metódica: «Portou-se tão bem que o elogiaram.»

Dicionário Houaiss: «Tanto repetiu a leitura que conseguiu decorá-la. Bateu tanto que quase matou.»

Resposta:

No contexto escolar e em muitas áreas de atividade em que é necessária a aplicação sistemática das normas, impõe-se o uso da vírgula em todos os casos apresentados. Esta prática tem vantagens didáticas, mas não é seguida universalmente, como bem confirmam os exemplos enviados, até porque é duvidoso que as chamadas orações consecutivas sejam verdadeiras orações adverbiais.

Por exemplo, na Gramática do Português (GP) da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pp. 2168-2173), os exemplos de orações consecutivas nunca apresentam vírgula antes da conjunção que (ou da preposição para em casos como «ele é muito pequeno para conseguir lá chegar»). Esta ausência da vírgula correlaciona-se com a classificação das chamadas orações consecutivas, que, na GP, são construções de grau como as dos comparativos adjetivais, as quais não exibem vírgula antes do segundo termo de comparação:

1 –  «A Maria é mais alta do que a Rute.»

2 – «A Maria é tão alta que bate com a cabeça no teto.»

Concluindo, recomenda-se a vírgula antes das orações consecutivas, mas há quem não a use, e há bons argumentos para defender esta prática.

Pergunta:

Deve escrever-se "vocaliso", "vocalizo", ou é possível usar ambas as palavras?

Resposta:

Regista-se vocalizo, e não "vocaliso".

É o que se verifica nos seguintes vocabulários ortográficos: Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), da Porto Editora; Vocabulário Ortográfico do Português (2010), do Portal da Língua; e Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (2012). O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras regista vocalise, como estrangeirismo) e vocalizo.

Vocalizo e vocalise são termos da área musical, e ambos significam «exercício de canto sobre uma vogal» e «canto sem palavras» (cf. vocalizo, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; ver também Dicionário Houaiss, que define as duas palavras como «exercício vocal cantado, em que a voz se apoia em uma vogal, para percorrer a escala cromática, subindo e descendo»).

Assinale-se que, entre dicionários, o Dicionário Houaiss eDicionário Priberam da Língua Portuguesa registam como estrangeirismo vocalise e, como adaptação deste, acolhem também vocalizo. Por seu lado, o dicionário da Porto Editora (disponível na Infopédia) e...

Pergunta:

Existe uma rua na minha freguesia denominada Monte d'Avó ou Monte Avó. Qual será a origem deste topónimo? Haverá casos semelhantes em Portugal?

Obrigado.

Resposta:

Os elementos que foi possível reunir para esta resposta não são muito conclusivos.

José Pedro Machado (JPM), no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, propõe que, assim como o topónimo Avô (distrito de Coimbra) é derivável de avô, também o topónimo Avó (que ele localiza em Arouca, Oeiras, Penafiel e Resende) terá origem no substantivo comum avó, «em referência a mulher idosa residente nesses locais». Contudo, o mesmo autor não descarta que quer Avô quer Avó tenham origem céltica, «em vocábulo aparentado com o nome do rio Ave».

Consultando o Visualizador de Informação Geográfica do Centro de Informação Geoespacial do Exército (CIGeoE-SIG), verifica-se, porém, que, em Portugal continental (mas não exatamente nos concelhos referidos por JPM), se podem localizar seis topónimos com a forma Avó, figurando esta sozinha ou associada a palavras de classificação toponímica: Avó (Castro Daire), Casal da Avó (Santarém), Fonte da Avó (Póvoa de Lanhoso e Idanha-a-Nova), Lomba da Avó (Castro Daire), Monte Avó (Matosinhos). Regista-se ainda um sétimo topónimo, uma Quinta da Avozinha, em Ponte da Barca. É bem provável que alguns destes casos tenham origem em avó – talvez Casal da Avó, em Santarém, e Quinta da Avozinha, em Póvoa de Lanhoso. Contudo, não se descarta que Avó e Lomba da Avó, que denominam dois lugares vizinhos e situados não longe do curso do rio Paiva (na freguesia de Gafanhão, em Castro Daire), disfarcem outra origem, não necessariamente céltica, como sugere JPM, mas não relacionável com a palavra avó. ...

Pergunta:

Muito grato ficarei se me for prestado esclarecimento sobre a forma correcta de escrever o topónimo onde se localiza a Casa de Camilo Castelo Branco: "Ceide" ou "Seide". Embora não sendo especialista na matéria, choca-me ver que as duas formas se encontram aplicadas nos sinais informativos instalados nas diversas vias de acesso a essa localidade, pois, em minha modesta opinião, tal facto não só contribui para que se tenha uma desfavorável imagem sobre as entidades que deveriam velar, e não velam, pela correcção desta anómala situação, como pode induzir em erro os forasteiros desconhecedores desta dualidade e não os ajudar a chegar ao destino correcto. Por isso me parece que tais entidades deveriam adoptar e aplicar a forma correcta, que penso deverá ser uma e só uma.

Grato pela atenção que me possa ser dispensada.

Resposta:

A forma tida por correta, tanto no contexto do atual Acordo Ortográfico como no da anterior norma, é Ceide, e é esta que deve ser favorecida.

É de notar, porém, que, ao falar-se de topónimos, nem sempre é possível identificar a forma que se pretende apresentar como certa, porque, ainda que se pense que é correta a grafia tradicional de muitos nomes de lugares, vem depois a descoberta de que a tradição não é nem tão antiga como se julga, nem tão rigorosa assim na perspetiva da história da língua tomada globalmente. Esta consideração vem bem a propósito de vacilação entre Ceide e "Seide".

Tendo em conta os princípios da ortografia do português, desde a sua definição (e redefinição) com a reforma ortográfica de 1911 até hoje, a forma mais correta é Ceide. No que concerne ao uso dos grafemas c e s, antes de e ou i, o critério tem sido histórico (etimológico), tendo sobretudo em conta a documentação medieval e a prática de escrita quinhentista, nas quais, geralmente, c e s marcavam segmentos fónicos diferentes (cf. A diferença uma consoante africada e uma fricativa). No caso do topónimo em causa, e não entrando em pormenores grafemáticos nem fonológicos, as atestações medievais do século X ao XV apresentam c e ç iniciais (às vezes, z também), mas nunca s (cf. Ceide, em José Pedro Machado, Dicionário Etimológico Onomástico da Língua Portugues...

Pergunta:

Já entendi que os pontos cardeais se escrevem com maiúscula inicial quando substantivos (ex.: «o Norte») e minúscula quando como adjectivos (ex.: «o litoral oeste», «a região norte»). Resta-me a dúvida para situações como «este lugar está a oeste daquele», «cerca de 100 metros para norte de Lisboa».

Devo escrever com minúscula, tal como fiz, ou com maiúscula?

Desde já, agradeço.

Resposta:

Em relação aos usos de nomes dos pontos cardeais em expressão com função adverbial, deve-se escrever com minúscula, uma vez que não se trata de um «uso absoluto» como acontece na expressão «o Norte». É o que se infere do disposto no Acordo Ortográfico, base XIX, 2, g):

«g) [Usa-se maiúscula inicial] [n]os pontos cardeais ou equivalentes, quando empregados absolutamente: Nordeste, por nordeste do Brasil, Norte, por norte de Portugal, Meio-Dia, pelo sul da França ou de outros países, Ocidente, por ocidente europeu, Oriente, por oriente asiático

Como norte não ocorre como nome de uma região nos casos em dúvida, é de concluir que, nesses mesmos exemplos, a palavra se escreve com minúscula inicial. De qualquer modo, este era já o procedimento adotado no quadro da anterior ortografia (o chamado Acordo Ortográfico de 1945), se atendermos ao que observou uma das figuras que nela interveio – Rebelo Gonçalves –, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (Coimbra, Atlântica, 1947, p. 305; mantém-se a ortografia do original):

«Empregados com o seu valor próprio, isto é, designando direcções, os nomes dos pontos cardeais e dos pontos colaterais têm minúscula inicial: "acamparam ao sul do Porto"; "confina com a Espanha pelo norte"; "povoação situada a noroeste de Lisboa"; "percorreram o território de norte a sul"; "vento do nordeste"; "viagem feita de leste para oeste". Note-se ainda o emprego das mesmas palavras como adjectivos e o uso de minúscula que nesse caso lhes é inerente: "latitude norte"; "latitude sul"; "vento norte".»