Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sou brasileira e vivo em Portugal há muitos anos. Cada vez mais tenho lido e ouvido na comunicação social portuguesa e brasileira a estrutura irá (verbo auxiliar no futuro simples) + infinitivo (verbo principal), como «irá fazer», «irá apresentar», etc. Já consultei mais de três gramáticas brasileiras, duas normativas e uma descritiva (infelizmente não tenho nenhuma gramática portuguesa, e não encontrei nada acerca desta estrutura de formação de futuro, apenas uma breve menção sem qualquer comentário pertinente no Guia de Uso do Português, de Maria Helena Moura Neves. Minha questão é: trata-se de um desvio da norma e uma inovação da língua? Caso não o seja, poderiam indicar-me uma gramática ou artigo científico que valide esta norma?

Muito obrigada.

Resposta:

Na perífrase ir + infinitivo, aceita-se o auxiliar no futuro («irá apresentar»), sem que a respeito desse uso haja tradição de censura normativa.

Em frases simples, a construção com o auxiliar no futuro pode ter o mesmo significado que tem quando ir ocorre no presente; mas o futuro pode marcar também a redução do grau de certeza acerca da eventualidade do estado de coisas descrito, conforme certos usos do futuro com verbos simples – cf. Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 526). Em orações subordinadas, é também possível o futuro, como se observa na Gramática do Português (p. 1263):

«Quando ocorre na oração subordinada de uma frase complexa, a perífrase exprime futuridade relativamente ao tempo da oração principal, tomado como ponto de referência.

(63) a. A Ana diz que vai ficar em casa.

       b. Porque pensas que a Sofia Loren irá deixar o cinema. [...]

[...] em orações subordinadas, o verbo ir ocorre no presente ou no futuro quando o tempo de referência da oração principal é o presente [...].»

O que transcrevo corresponde a uma descrição de usos linguísticos, e não a um juízo prescritivo. De qualquer modo, nas fontes a que tenho acesso, não acho doutrina normativa que condene os usos acima apresentados. Sendo assim, face à eventual objeção de o auxiliar no futuro gerar redundância, considero que, pelo contrário, é legítimo empregar o...

Pergunta:

Gostaria de saber se esta palavra existe assim escrita – "hidrotermossanitário" – ou se terei de a decompor através de hífenes – "hidro-termo-sanitário".

Muito obrigada e parabéns pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

Atendendo à existência de outros compostos formados por dois ou mais radicais – por exemplo, otorrinolaringologia (oto- rino- laringo- + log-) e eletroencefalograma (eletro- encefalo- gram-) –, considero que são estes bons exemplos para legitimar como grafia mais adequada a forma hidrotermossanitário, sem hífenes. Note-se que sanitário dobra o s inicial, na sequência termossanitário, tal como acontece no derivado prefixal antissemitismo: num caso e noutro, o s segue-se a vogal de radical (termo-) ou de prefixo (anti-), e a sua reduplicação como ss duplo permite indicar que o s não é vozeado, mas, sim, surdo, como se estivesse em começo de palavra.

Pergunta:

Qual é a origem do sobrenome Viríssimo?

Resposta:

Não consegui ter acesso a fontes que esclareçam a etimologia de Viríssimo, mas parece-me possível que seja uma variante de Veríssimo. Como em certos dialetos portugueses se tende a pronunciar o e átono como i ou vogal muito fechada, é plausível que Viríssimo seja uma reinterpretação (ou, se quisermos, deturpação) do nome que, geralmente, se escreve Veríssimo. Outra hipótese será procurar a origem deste apelido (ou seja, sobrenome) no latim vir, «homem, varão» (ver Textos Relacionados, ao lado direito).

Pergunta:

«O tabaco é prejudicial à saúde.»

Qual a função sintática da expressão «à saúde»?

Muito obrigada.

Resposta:

O grupo preposicional «à saúde» tem a função de complemento do adjetivo.

O adjetivo prejudicial constrói regência com a preposição a: «Estás a fumar de mais, homem! Bem sabes que o tabaco é prejudicial à saúde» (Énio Ramalho, Dicionário Estrutural Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, Livraria Chardron e Lello e Irmãos Editores, 1985; ver também Dicionário de Regimes e Substantivos e Adjetivos, de Francisco Fernandes).

N. E. – Resposta atualizada em 10/05/2016.

Pergunta:

Agradeço a tradução do termo capitonné, ou seja, algo acolchoado ou estofado e picado rebaixado em alguns pontos.

Com os meus agradecimentos antecipados.

Resposta:

Sobre esta palavra, assinalo que Vasco Botelho de Amaral (Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1958) regista capitonné, considerando que se trata de um galicismo em alternativa do qual o filólogo Cândido de Figueiredo (1846-1925) propunha barbilhado e cadarçado. Botelho de Amaral observa que almofadado pode também corresponder a capitonné. O certo é que a palavra francesa é conhecida e está registada, por exemplo, no Dicionário Houaiss, (1.ª edição, de 2001)* que não lhe dá equivalente vernáculo: «acolchoado em tecido de algodão, seda, lã ou outro material (couro, plástico), formando desenhos geométricos (diz-se de estofamento).» Mas, não querendo empregar o galicismo, parece que almofadado ou, para usar uma das palavras do consulente, acolchoado podem ser bons equivalentes, se se achar que barbilhado ou cadarçado são termos já datados. E, se, ainda assim, quisermos empregar o galicismo, não será descabido aportuguesá-lo e dar-lhe a grafia capitonê.

* A edição de 2009 do Dicionário Houaiss já consigna o aportuguesamento capitonê..