Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Não tenho nada que te dar nos teus anos», como se classifica a oração «que te dar nos teus anos»?

Grata pela vossa ajuda.

Resposta:

Trata-se de uma oração subordinada adjetiva relativa de infinitivo.

É uma construção que não costuma ser estudada fora do âmbito universitário, embora seja bastante usada tanto na oralidade como na escrita.

A Gramática da Língua Portuguesa (Editorial Caminho, 2003, pp. 683-685), de Maria Helena Mira Mateus et al., refere este tipo de construção relativa, salientando que:

– pode ter por antecedente certos pronomes indefinidos que podem estar omissos – por exemplo, alguém, algo, nada, ninguém – como se ilustra em 1 e 2:

1 – Eles não têm nada que comer.

2 – Eles não têm que comer.

– é limitado o número de verbos que selecionam este tipo de relativas: ter, arranjar, procurar (também se inclui o verbo existencial haver – cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 2084);

– os pronomes relativos que introduzem estas construções relativas são que, quem, onde;

– estas orações só admitem o infinitivo não flexionado (não é possível *«eles não têm nada que vestirem» – a forma correta é «eles não têm nada que vestir»);

– são equivalentes a outras construções&#x...

Pergunta:

Gostaria de compreender o que é a harmonização vocálica e como funciona.

Obrigado pela atenção.

Resposta:

O fenómeno de harmonização vocálica (ou harmonia vocálica) é o «modo como a articulação de uma vogal é influenciada pelas propriedades de outra(s) vogal(ais) na mesma palavra ou no mesmo grupo de palavras» (Dicionário de Termos Linguísticos).

O Dicionário Houaiss é bastante concreto:

«Tipo de assimilação vocálica, em que as vogais de uma palavra se tornam foneticamente semelhantes a outra vogal da mesma palavra (geralmente a tônica, mas não obrigatoriamente), com a troca de alguns dos seus traços; harmonização vocálica (p. ex., a pronúncia de certos verbos, como [de'ver] dever, mas [di'via] devia, por assimilação ao [i] da desinência).»

Uma obra em inglês – Philip Carr, A Glossary of Phonology (2008), «vowel harmony» – dá um exemplo de harmonia vocálica, recorrendo ao quicuio, língua da família banta falada pelos quicuios do Quénia. Nesta língua, existe um sufixo que tem a forma [ɪr] (a vogal alta [ɪ] é próxima de [i]), ou a forma [er] ([e] é uma vogal menos alta); a seleção de uma destas variantes depende da altura da primeira vogal da raiz – exemplo: [rut-ɪr-a], «trabalhar para», porque [u] é uma vogal alta como [ɪ], mas [ror-er-a], «olhar para», porque [o] é uma vogal menos alta.

Nota: O consultor Luciano Eduardo de Oliveir...

Pergunta:

Sou brasileira e vivo em Portugal há muitos anos. Cada vez mais tenho lido e ouvido na comunicação social portuguesa e brasileira a estrutura irá (verbo auxiliar no futuro simples) + infinitivo (verbo principal), como «irá fazer», «irá apresentar», etc. Já consultei mais de três gramáticas brasileiras, duas normativas e uma descritiva (infelizmente não tenho nenhuma gramática portuguesa, e não encontrei nada acerca desta estrutura de formação de futuro, apenas uma breve menção sem qualquer comentário pertinente no Guia de Uso do Português, de Maria Helena Moura Neves. Minha questão é: trata-se de um desvio da norma e uma inovação da língua? Caso não o seja, poderiam indicar-me uma gramática ou artigo científico que valide esta norma?

Muito obrigada.

Resposta:

Na perífrase ir + infinitivo, aceita-se o auxiliar no futuro («irá apresentar»), sem que a respeito desse uso haja tradição de censura normativa.

Em frases simples, a construção com o auxiliar no futuro pode ter o mesmo significado que tem quando ir ocorre no presente; mas o futuro pode marcar também a redução do grau de certeza acerca da eventualidade do estado de coisas descrito, conforme certos usos do futuro com verbos simples – cf. Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 526). Em orações subordinadas, é também possível o futuro, como se observa na Gramática do Português (p. 1263):

«Quando ocorre na oração subordinada de uma frase complexa, a perífrase exprime futuridade relativamente ao tempo da oração principal, tomado como ponto de referência.

(63) a. A Ana diz que vai ficar em casa.

       b. Porque pensas que a Sofia Loren irá deixar o cinema. [...]

[...] em orações subordinadas, o verbo ir ocorre no presente ou no futuro quando o tempo de referência da oração principal é o presente [...].»

O que transcrevo corresponde a uma descrição de usos linguísticos, e não a um juízo prescritivo. De qualquer modo, nas fontes a que tenho acesso, não acho doutrina normativa que condene os usos acima apresentados. Sendo assim, face à eventual objeção de o auxiliar no futuro gerar redundância, considero que, pelo contrário, é legítimo empregar o...

Pergunta:

Gostaria de saber se esta palavra existe assim escrita – "hidrotermossanitário" – ou se terei de a decompor através de hífenes – "hidro-termo-sanitário".

Muito obrigada e parabéns pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

Atendendo à existência de outros compostos formados por dois ou mais radicais – por exemplo, otorrinolaringologia (oto- rino- laringo- + log-) e eletroencefalograma (eletro- encefalo- gram-) –, considero que são estes bons exemplos para legitimar como grafia mais adequada a forma hidrotermossanitário, sem hífenes. Note-se que sanitário dobra o s inicial, na sequência termossanitário, tal como acontece no derivado prefixal antissemitismo: num caso e noutro, o s segue-se a vogal de radical (termo-) ou de prefixo (anti-), e a sua reduplicação como ss duplo permite indicar que o s não é vozeado, mas, sim, surdo, como se estivesse em começo de palavra.

Pergunta:

Qual é a origem do sobrenome Viríssimo?

Resposta:

Não consegui ter acesso a fontes que esclareçam a etimologia de Viríssimo, mas parece-me possível que seja uma variante de Veríssimo. Como em certos dialetos portugueses se tende a pronunciar o e átono como i ou vogal muito fechada, é plausível que Viríssimo seja uma reinterpretação (ou, se quisermos, deturpação) do nome que, geralmente, se escreve Veríssimo. Outra hipótese será procurar a origem deste apelido (ou seja, sobrenome) no latim vir, «homem, varão» (ver Textos Relacionados, ao lado direito).