Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «por causa do temporal, choveram reclamações na MEO», considerando que o sujeito é «reclamações», poderemos classificar o verbo «choveram» como defetivo pessoal ou unipessoal? Para mim, seria defetivo pessoal, já que tem sujeito,embora não se conjugue em todas as formas.

Agradeço a explicação.

Resposta:

Tendo em conta o contexto do ensino básico e secundário em Portugal, o verbo chover é classificável como verbo defetivo impessoal, ou seja, só se conjuga na terceira pessoal do singular (chove, choveu, chovia, choverá, etc.), na perspetiva do Dicionário Terminológico,. Pode ser, no entanto, usado eventualmente como verbo defetivo unipessoal, isto é, também com flexão na terceira pessoa do plural (chovem, choveram, choviam, choverão, etc.). É neste último caso que se enquadra a frase «choveram reclamações».

Pergunta:

O plural de enfermeiro-chefe, é "enfermeiros-chefe" ou "enfermeiros-chefes"?

Resposta:

Enfermeiro-chefe é uma palavra composta, formada por dois substantivos ligados por hífen. Tal como acontece com médico-chefe, cujo plural é médicos-chefes, também enfermeiro-chefe pluraliza ambos os constituintes – portanto, enfermeiros-chefes. (consultar o Vocabulário Ortográfico do Português no Portal da Língua Portuguesa). Sobre o uso de chefe em palavras compostas, transcreva-se a observação do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (edição de 2009): «colocado após outro substantivo, ao qual se liga por hífen, é um determinante específico e geralmente flexiona-se no plural; significa 'dirigente', 'hierarquicamente superior a outro(s)', 'principal' (engenheiros-chefes, comandante-chefe ou comandante em chefe, carro-chefe).

Pergunta:

A expressão «hoje está de chuva» é correta?

Resposta:

«Está de chuva» é o comentário que se costuma fazer em Portugal a um dia chuvoso. É uma expressão correta, mas pertence a um estilo mais popular, mais informal, ou seja, não se usa em situações que requeiram formalidade.

Não encontramos o seu registo em dicionários gerais, mas, curiosamente o dicionário português-italiano da Porto Editora (na Infopédia) recolhe «está de chuva», a par de «é tempo de chuva». É possível que a expressão se tenha desenvolvido do uso adjetival de «de chuva» em «dia de chuva», equivalente a «dia chuvoso». Outra hipótese que pode complementar a anterior é «estar de chuva» ter surgido por analogia com expressões como «estar de molho» (no seu significado literal – «de molho» = mergulhado em água –), que é muitas vezes usadas metaforicamente como o mesmo que «está doente», também num registo muito informal, se não mesmo vulgar.

Pergunta:

No Brasil, dizem e escrevem que uma pessoa é «de menor». Até nos jornais se lê esta expressão e julgo que terá a ver com os Juizados de Menores porque a expressão refere "de menores" e deve ter-se disseminado o seu uso. O problema é que em Portugal já ouvi várias vezes esta expressão em portugueses... e julgo ser incorrecta. É incorrecta? Em Portugal e no Brasil?

Obrigado.

Resposta:

O uso em causa está registado em fontes brasileiras, por exemplo, no Dicionário Houaiss: «ser de menor Regionalismo: Brasil. Uso: informal. ser menor de idade». Note-se, contudo, que, mesmo no padrão culto brasileiro, não se recomenda essa locução, como observa Maria Helena Moura Neves , no seu Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora UNESP, 2003), no artigo dedicado a menor: «[...] Para indicação de menoridade legal, a expressão recomendada, no padrão culto, é «menor (de idade)», e não "de menor". Segundo a polícia, Ruiz disse quer era MENOR e deu um nome falso [...].»

Pela mesma lógica, não se aceita «de maior», em lugar das expressões «maior de idade» e «de maior idade», muito embora o Dicionário Houaiss registe igualmente este uso, que classifica de informal, com a indicação de que pode ainda ser usado noutra aceção: «de maior Regionalismo: Brasil. Uso: informal. 1 mesmo que «maior de idade»; 2 de grande relevância Ex.: foi um debate de maior, que não deve ser esquecido». Mais uma vez, Maria Helena Moura Neves, na obra atrás referida, assinala que o padrão culto não aceita «de maior», com o significado de «maior de idade».

Sendo assim, digamos que as expressões em causa, que ocorrem no registo informal, não se recomendam no português culto e formal, seja em Portugal, seja no Brasil.

Cf.:  «Mais grande» é erro?

Pergunta:

Gostaria de saber se se pode definir ditongo como sendo uma sequência de exatamente duas vogais (consecutivas) na mesma sílaba. Em caso negativo, gostaria de conhecer contraexemplos, ou seja, exemplos de palavras com uma sequência de exatamente duas vogais na mesma sílaba, mas que não seja um ditongo. Em caso negativo, gostaria ainda de saber se a sequência oi da palavra depois (de-pois) é um ditongo.

Obrigada.

Resposta:

Para se falar de ditongo ou hiato, as vogais têm de ser sempre consecutivas: pais (ditongo ai) vs. país (hiato a-í).

Sem entrar em pormenores teóricos ou terminológicos, pode dizer-se que um ditongo é uma sequência de duas vogais, ou melhor, de uma vogal e uma semivogal – o ai de pai – ou de uma semivogal e uma vogal – ua de quatro – em que uma das vogais fica mais breve ou menos tensa do que a outra (caso do i do ai em pai, ou do u de ua em quando). Trata-se, portanto, de uma sequência vocálica que ocorre na mesma sílaba. Assim, a sequência oi é um ditongo quando ocorre em depois, em boina ou goivo. Note que, em certas palavras, quando o ditongo faz parte de sílaba tónica, é a vogal o que recebe o acento, e não a semivogal: corrói.

Duas vogais consecutivas que não formam ditongo constituem um hiato – a sequência a-i de rainha ou ainda – e, como tal, pertencem a sílabas diferentes – "ra.i.nha", "a.in.da" –; ou seja, as vogais pronunciam-se separadamente, não ficando uma delas mais breve ou menos tensa do que a outra . A sequência oi é um hiato, por exemplo, em moinho (mo.i.nho), em heroína (he.ro.í.na) e em ventoinha (ven.to.i.nha). Quando a sequência oi se lê como hiato e a segunda vogal faz parte de sílaba tónica, pode ocorrer em certas palavras um acento gráfico que recai sobre esse i, como é o caso, já apontado de heroína