Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na minha Árvore de Costados o apelido aparece grafado em vários séculos como "Brás" (1665, 1712, 1980...) ora como "Bráz" (1773, 1884, 1960...). Em nenhum registo o Bráz aparece sem acento gráfico.

[...] A que se deverá esta alternância em termos de grafia?

Resposta:

A variação apontada deve-se à confusão gráfica entre as letras s e z, que na pronúncia deixaram de se distinguir a partir do século XVII em várias regiões do país, sobretudo na corte de Lisboa. Esta situação explica que z apareça frequentemente em lugar de s e vice-versa; é este o caso de Brás/Braz, nome que tem origem na forma latina Blasius, «santo martirizado na Arménia em 316» (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). Esta forma latina evoluiu em galego-português como Blas (igual à do castelhano), que tinha como variante Bras, forma que se tornou a portuguesa Brás (a galega é Bras ou muitas vezes Blas). Esta forma tinha um s final que soava como o chamado "s" beirão (que aos lisboetas e à população portuguesa meridional soa como x, mas que não é assim articulado).

Mais tarde, no litoral e no sul de Portugal, o som associado a este s acabou por se confundir com o som marcado pelo -z final de noz e rapaz (que nestas palavras já deveria soar surdo como o ç de caça). Esta confusão fonética levou os falantes a confundirem também o lugar das duas letras nas palavras, de tal maneira que, no século XVIII e XIX, aparece muitas um -z final sem justificação na história linguística anterior (por exemplo, portuguez, que parece suplantar a forma acabada em -s), sem...

Pergunta:

Como se escreve a palavra direito abreviada?

Obrigado.

Resposta:

A palavra direito, usada em referência ao lado em que se encontra um apartamento ou outro tipo de fração num edifício, pode ter várias abreviaturas, mas, dando atenção às que os vocabulários ortográficos têm fixado ao longo de décadas, chega-se a esta breve série: dir., d.ᵗᵒ, D., dto.

Fontes: Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, 1940; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora, 2009 (disponível na Infopédia).

Pergunta:

 «–Vai aceitar os resultados?

– Vou manter-vos em suspense, diz Trump.»

A propósito desta transcrição sobre o terceiro debate entre Hillary Clinton e Donald Trump, em Las Vegas, em 19.10.2016, vi algumas pessoas com dúvida em como pronunciar a palavra suspense. Eu sempre a pronunciei à francesa, mas os meus amigos mais novos estranham tal pronúncia.

Consultei o Google e encontrei estes dois artigos: [...] "A Suspensão do suspense", Língua à Portuguesa, 21/07/2009; [...] "Suspense", Ciberdúvidas, 8/02/2001.

Como a resposta do vosso consultor F. V. Peixoto da Fonseca [...], é muito taxativa, gostaria de ouvir uma nova opinião do Ciberdúvidas sobre este assunto.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra em questão tem uma pronúncia instável, como estrangeirismo com uma história curiosa.

Com efeito, é um anglicismo com origem no francês antigo que, no século XX, foi integrado no francês moderno. O português parece ter recebido esta palavra tanto por via do inglês como por via do francês. É provável até que, em Portugal, tenha sido pelo francês que o anglicismo foi transmitido como termo da crítica cinéfila e literária (e é possível que o nosso consultor F. V. Peixoto da Fonseca tivesse conhecimento direto ou intuição disto, para defender a pronunciação francesa).

Atualmente, a situação é a seguinte:

– em inglês, soa como "sâsspense" – cf. transcrição fonética [səˈspɛns] do Oxford English Dicitionary;

– em francês, soa aproximadamente como "siusspanse" – cf. transcrição fonética [syspɑ̃:s] do Trésor de la Langue Française;

– No português de Portugal, a palavra mantém a grafia suspense, mas a sua dicionarização conhece dois registos fonéticos já de feição portuguesa: "suspanse" (cf. [suʃˈpɐ̃s(ə)] na Infopédia e [suʃˈpɐ̃sɨ] no dicionário da Academia de Ciências de Lisboa) e "suspense" (cf. transcrição fonética do Portal da Língua Portuguesa: [suʃpˈẽsɨ]).

A pronunciação mais de acordo com os princípios de correspondência entre ortografia e fonia, no português, é, sem dúvida, a de "suspense", ou seja com a letra u p...

Pergunta:

Qual seria a frases mais correta? «Com a X podes ser o que queiras» ou «Com a X podes ser o que quiseres»?

Obrigada.

Resposta:

Em referência a um estado de coisas futuro, as orações introduzidas por quando* ou por um pronome relativo (que, o que) têm geralmente o verbo no futuro do conjuntivo, pelo que se afiguram mais correntes a seguintes frases:

1. Com a X podes ser o que quiseres.

No entanto, é também possível e correta a ocorrência do verbo no presente do conjuntivo:

2. Com a X podes ser o que queiras.

 

Atualização – Também o presente do indicativo é correto:

3. Com a X podes ser o que queres.

A opção entre o indicativo e o conjuntivo em orações relativas restritivas já foi abordado noutras respostas (ver Textos Relacionados)- Mesmo assim, convém recordar que, em 3, o indicativo marca um valor de certeza (valor assertivo): o conteúdo da vontade é dado como existente e definido. Em 2, o conjuntivo marca uma eventualidade (valor modal): a vontade pode existir, mas não estar ainda definida numa meta ou num objeto.

Pergunta:

Numa tese de doutoramento em Física da atmosfera li as seguintes frases: «À acumulação de evidências observacionais de uma tendência de subida da temperatura média do planeta ...»; «Após a descrição dos dados observacionais usados para validação dos resultados das simulações histórica e de controlo ...»

Temos em comum nas duas frases a palavra "observacionais", que desconheço existir no léxico da língua portuguesa. Pela leitura das frases, parece-me que o seu autor pretende dizer observados ou observáveis. Face à minha dúvida, pergunto se o termo em causa existe ou até se estamos na presença de um neologismo, ou pelo contrário é uma palavra mal formada e inexistente.

Obrigado pelas vossas explicações.

Resposta:

A palavra observacional está dicionarizada com o significado de «relativo à observação» (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Encontra-se igualmente registado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que a Porto Editora publicou em 2009.

Observacional tem, de resto, registo no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa que a Academia das Ciências de Lisboa editou em 1940, juntamente com outros adjetivos de sentido semelhante como observativo e observável.

N. E. (20/10/2016) – Foram recebidos alguns comentários põem em causa a aceitabilidade de «evidências observacionais» em vários planos (semântico, lexical, estilístico). Na verdade, a expressão suscita reservas por se revelar redundante, também não fugindo ao pleonasmo os casos de «evidências observáveis» ou «evidências observadas». Com efeito, se o vocábulo evidência remete para a noção de visibilidade, o mesmo faz o adjetiv...