Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Diz-se «posar em biquíni» ou «posar de biquíni»?

Muito obrigada.

Resposta:

Quando se subentende o verbo estar («posar estando...»), aceita-se tanto «de biquíni» como «em biquíni», tal como acontece com «estar de calções» e «estar em calções».

Note-se, porém, que, com peças de roupa ou em referência à maneira como uma pessoa se apresenta, nem sempre é indiferente usar uma e outra preposição. Por exemplo, se um adjetivo modifica a peça de roupa, nota-se preferência pela preposição de:

1. Estavam duas crianças a brincar, mas chamei a criança de calções rasgados. (=«a que tinha os calções rasgados»)

Em 1, o adjetivo «rasgados» modifica o substantivo «calções». Se se substituir de por em, é possível que vários falantes achem estranha a sequência «em calções rasgados» («chamei a criança em calções rasgados»).

Mesmo assim, encontram-se casos em que ocorre em, mesmo que o substantivo esteja modificado adjetivalmente:

2. «Tinha uma porta para a escada e outra que dava para uma saleta salpicada de revistas de fotonovelas e com um retrato na parede dum atleta em calções de pele de leopardo» (José Cardoso Pires, A República dos Corvos, in Corpus do Português).

Em 2, também seria possível de de calções de pele de leopardo»), ainda que a sua repetição pudesse ser problemática do ponto de vista estilístico, pela monotonia gerada pelas três ocorrências dessa mesma preposição («

Pergunta:

O método de divulgação oral escreve-se "passa-palavra" ou "passa a palavra"? Ou ainda "passa palavra"?

Resposta:

Escreve-se passa-palavra e passa-a-palavra.

Os dicionários consultados* registam com hífen o composto passa-palavra, que denota uma «forma de comunicação em que a informação se transmite oralmente de uma pessoa para outra; boca a boca» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora; ver também Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Trata-se de uma palavra composta, constituída por uma forma verbal (passa) e um substantivo (palavra); portanto, no quadro da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, é abrangida pela Base XV, n.º 1, da mesma maneira que conta-gotas, finca-pé ou guarda-chuva, palavras que, aliás, já se escreviam assim anteriormente (cf. Acordo Ortográfico de 1945, base XXVIII). Regista-se também a forma passa-a-palavra, (cf. dicionário da Porto Editora e Dicionário Priberam), na qual o elemento a constitui não um elemento de ligação**, mas, sim, um artigo definido, pelo que a palavra é enquadrável na referida Base XV, n.º 1.

Observe-se que o plural de passa-palavra é passa-palavras. Quanto a passa-a-palavra, o dicionário da Porto Edito...

Pergunta:

Como se lê e pronuncia "premium"?

Por exemplo, «este vinho é "premium"».

Resposta:

Recomenda-se que o anglicismo premium se pronuncie "prémium" ou "prèmiume".

O atual uso deste vocábulo de origem latina, que significa e significa «de alta qualidade, extra», reflete o emprego que dele se faz em inglês, língua em que ocorre frequentemente como adjetivo, na aceção de «de grande qualidade». Numa figuração com base na ortografia do português, a pronúncia inglesa corresponde aproximadamente a "prímiâme"; a representação fonológica do Oxford English Dictionary é /ˈpriːmɪəm/. Trata-se da anglicização do latim praemium, ii, «recompensa» (cf. Dicionário Houaiss).

Não obstante, considerando que esta forma praticamente mantém a original latina e que nas culturas de língua portuguesa existe uma maneira tradicional de pronunciar o latim, afigura-se preferível dizer "prémium" (transcrição fonética: [ˈpɾɛ.mjũ]). Para os que prefiram a pronúncia latina restaurada, a palavra soará como "prèmiume", isto é, premium terá um "m" final articulado não como sinal de nasalidade vocálica, mas, sim, como consoante nasal.

Mesmo assim, convém assinalar que a palavra em apreço ainda não foi adaptada à ortografia do português. No Dicionário Houaiss, a forma premium figura em itálico e é acompanhada da transcrição fonética do inglês. De qualquer modo, remontando à origem latina do inglês premium, que é também, obviamente, a de prémio, o termo poderá vir a ser grafado como prémium...

Pergunta:

 «Em sequência» ou «na sequência»?

Resposta:

A expressão mais adequada é «na sequência de...», quando, na correspondência, se situa uma mensagem no contexto de uma discussão prévia:

1. «Na sequência do pedido que nos foi dirigido, informamos que...»

A expressão «em sequência» é usada como locução adverbial para significar «de/em seguida, sem interrupção»:

2. «Classifique os documentos em sequência.»

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista ambas as expressões em subentrada à palavra sequência: «em sequência, loc. adv. por ordem, ordenadamente, sucessivamente; sem interrupções, em seguida»; «na sequência de, locução prepositiva, em consequência de, em resultado de, no seguimento de. O ministro veio à televisão na sequência dos distúrbios de ontem

Pergunta:

O que significa exatamente a palavra eido? Encontrei-a na leitura da seguinte frase da obra Morgadinha dos Canaviais de Júlio Dinis

«Primeiro, trilhou o pavimento mole de um quinteiro ou eido, estradado de altas camadas de mato e embebido de chuva, donde se exalava um cheiro de curtumes, pouco de lisonjear o olfacto mal habituado a estes aromas campesinos.»

É o mesmo que quinteiro, ou tem mais significados?

Resposta:

Trata-se de uma palavra ligada ao mundo rural, sobretudo, a norte do Mondego, que, segundo o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (s. v. eido),  significa genericamente «pequeno terreno junto de casa» e tem como sinónimos pátio, quintal, quinteiro, terreiro. A mesma fonte regista-lhe ainda as seguintes aceções: «recinto para animais, anexo às casas aldeãs» (é sinónimo de corte e curral); e, equivalente a sítio, «lugar que compete a um pessoa ou coisa», uso que se abona na obra de Camilo Castelo Branco (idem, ibidem):

«Dinheiro não tenho; só se queres que eu venda a casa me vá depois pedir um eido nos palheiros dos lavradores, à beira dos cães.» (Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1903, pág. 176)*

Em nota etimológica, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa indica que é vocábulo com origem no «latim adĭtus, us 'ação de ir para, ato ou fato de se aproximar; entrada, acesso, passagem', do verbo adīre 'ir para, chegar até' [...].»

Refira-se ainda que um quinteiro é termo também conotado com a vida do campo, conforme se infere pela suas definições no Dicionário Houaiss: «1 indivíduo que guarda uma quinta ('propriedade', 'terreno') e/ou trata dela; caseiro; 2 Regionalismo: Portugal (dialetismo). pequena horta cercada; 3 Regionalismo: Douro, Minho. pátio ou qualquer recinto a descoberto onde se juntam mato, folhas etc. para adubo; quintã.»

Sobre eido e