Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Peço que os consultores do Ciberdúvidas voltem a pronunciar-se sobre a concordância do verbo ser com nomes predicativos no plural, apesar de o sujeito ser singular. As respostas já existentes são poucas, e algumas delas geram dúvidas. É importante sublinhar este aspecto porque a concordância com o nome predicativo se afasta da regra geral e, por isso, suscita alguma renitência dos falantes (em rigor, dos escreventes, porque a expressão oral mais facilmente segue as intuições). Além disso, como o inglês e o francês, em estruturas semelhantes, fazem a concordância com o singular do sujeito, agrava-se a tendência para escrever da mesma maneira em português. Nalguns jornais portugueses, chega a acontecer que os autores dos texto utilizem correctamente o verbo no plural, a concordar com o nome predicativo, e os revisores mudem o verbo para o singular. Assim, é preciso sublinhar que as seguintes expressões são gramaticalmente correctas – e intuitivas – e que seriam incorrectas se o verbo surgisse no singular:

- O que ela levou foram as romãs.

- Se a política se tivesse mantido, esta turma seriam 25 alunos.

- Muitas vezes, o problema das crianças são os maus exemplos dos pais.

- A chave do Totoloto foram os seguintes números.

- Uma vez não são vezes.

- Nesse tempo, a população de Portugal eram dois milhões de pessoas.

- O direito são as regras que os tribunais aplicam.

- O alvo deles somos nós.

É certo que, nalguns casos, o verbo ser é usado no singular apesar de o nome predicativo estar no plural, mas não é essa a regra.

Obrigado!

Resposta:

1. O tipo de construção em apreço descreve-se como uma frase em que duas expressões nominais ficam ligadas pelo verbo ser: «o professor da turma é aquele homem alto». A este tipo de frase, os estudos gramaticais e linguísticos têm atribuído várias designações: «frases identificacionais», «frases equativas», «frases copulativas», entre outros termos (ver Textos Relacionados). Deixando de lado a questão da identificação rigorosa do sujeito, acontece que o verbo ser concorda em várias situações não com a expressão à esquerda – convencionalmente, o sujeito –, mas, sim, com a expressão nominal que se encontra à sua direita – também por convenção, o predicativo do sujeito. Assim, por exemplo, numa frase como «a maior riqueza do mundo são as crianças», observa-se que o verbo está no plural, a concordar com a expressão «as crianças», e não com a expressão que se encontra à cabeça da frase («a maior riqueza do mundo»), posição habitual do sujeito da frase no português. Este comportamento do verbo ser manifesta-se em três situações (as referências autor/data são as que acompanham as obras mencionadas em nota1):

I – Concordância com o predicativo do sujeito que está no plural

A concordância com a expressão nominal à direita – isto é, com o "predicativo do sujeito" (quer o seja realmente quer não) – ocorre sobretudo no plural, em casos como os seguintes1:

(a) quando o sujeito é realizado pelos demonstrativos invariáveis isto, isso, aquilo bem como pelo pronome indefinido tudo e pelo pronome relativo o que , enquanto o predicativo do sujeito corresponde a um grupo nominal no plural:

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo desarriscar pode ser usado no sentido de «apagar algo que foi escrito», ou se esta forma é um regionalismo.

Resposta:

Não se trata de regionalismo, uma vez que os dicionários gerais acolhem desarriscar, com o significado não propriamente de «apagar», mas antes de «riscar o que está escrito» e, por extensão, «desobrigar alguém»*. Tais dicionários registam desarriscar e derriscar como o mesmo que «riscar aquilo que estava escrito» e «pôr uma nota no nome dos que já cumpriram um preceito a que estavam obrigados», «riscar o nome de um devedor ou o montante de uma dívida» e «tirar o nome de uma lista, de um elenco» (cf. Dicionário Houaiss e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa**).

*N. E. (atualização) – Contudo, desarriscar evoca a religiosidade popular como verbo associado ao substantivo desarrisca, «nota de desobriga quaresmal» (isto é, a dispensa do jejum quaresmal), e à expressão «ir à desarrisca», entendida como «confessar-se», conforme regista o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Esta fonte atribui assim a desarriscar, além do sentido genérico já mencionado, a aceção de «fazer com que o pároco ponha a desarrisca no caderno, desobrigar-se».

** N. E. (atualização) – Trata-se da 1.º edição do Dicionário Houaiss, de 2001; a edição de 2009 não acolhe desarriscar. O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa remete a entrada desarriscar para derriscar, que além de ser sinónimo de riscar, é igualmente apresentado como sinónimo de desobrigar.

Pergunta:

Pergunta semelhante foi já respondida em 2003, por Marta Pereira, mas não tendo (eu) ficado convencido... decidi insistir. Espero que não levem a mal até porque, seguramente, nem todos os especialistas (não é o meu caso) estarão, sempre, de acordo sobre tudo.

Aqui vai: quando alguém pretende rogar perdão, solicitar indulgência, mostrar arrependimento ou suscitar absolvição por motivo de uma falha por si cometida, por algo que lhe pesa na consciência ... deve, forçosamente, «pedir desculpas»... ou pode, tão-somente, «apresentar desculpas»? «Apresento o meu mais profundo pedido de desculpas pelo acto que cometi», ou «apresento as minhas mais profundas desculpas pelo acto que cometi»?

Eu diria que só a primeira é que estará correcta... pois entendo, de forma empírica, que somente o sujeito ofendido é que pode, se assim entender, apresentar/outorgar as suas desculpas ao sujeito ofensor. Desculpá-lo, portanto. Perdoar. O sujeito ofensor deve solicitar/pedir que lhe concedam/outorguem/apresentem as respectivas desculpas ... mas deve, antes disso, pedir/rogar/requerer as mesmas. Porque se for o ente ofensor a «apresentar desculpas», diria até que se invertem os papéis, pois fica a clara impressão de que o ofendido é que está a precisar, ou à espera, de que alguém lhe transmita/dê/apresente/conceda as respectivas desculpas (por algo que, manifestamente, não cometeu). Uma completa inversão da realidade, no meu entender. Mas isto sou eu, um leigo na matéria, a pensar.

Qual é, por favor, o vosso entendimento?

Obrigado.

Resposta:

A expressão «apresentar desculpas» é tão legítima como «pedir desculpas», porque a palavra desculpa não se comporta como perdão.

Com perdão, apenas quem foi paciente ou alvo de ação danosa pode «dar perdão», «conceder perdão».Com desculpa, o agente da ação danosa (ou quem tenha ou sinta responsabilidade por isso) tanto pode «pedir desculpa» como «apresentar desculpas», porque no primeiro caso «desculpa» é equivalente a «perdão», enquanto  no segundo é equivalente a «justificativa».

Note-se que o próprio verbo correspondente permite esta dualidade:

1. Ele desculpou o filho do mau comportamento/desculpou o mau comportamento do filho. [= «perdoou»]

2. O filho desculpou-se pelo mau comportamento. [= «justificou-se»; neste caso, o verbo torna-se reflexo]

Acrescente-se que o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista como subentradas associadas a desculpa tanto a expressão «pedir desculpa» como «apresentar desculpas», dando-se a esta última, registada como equivalente a «solicitação de perdão», um tom mais formal. Semanticamente próximas, são ainda as locuções coloquiais «dar uma desculpa» e «arranjar uma desculpa», nas quais desculpa é sinónimo de escusa ou pretexto (cf. idem, ibidem).

Pergunta:

As palavras geral/gerais e general/generais são semanticamente equivalentes nos seguintes contextos ?

«O aspeto geral/general dessa ciência é...»

«Os aspetos gerais/generais dessa ciência é...»

E "geralidades"/"generalidades"?

«As geralidades/generalidades da mecânica clássica são...»

Resposta:

Apesar de, como sinónimos, no sentido de «não específico», geral e general terem registo nos dicionários (ver o Dicionário Houaiss, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) , a forma que se usa adjetivalmente é geral, e não general, que nessa aceção se tornou arcaísmo: «O aspeto geral/os aspetos gerais dessa ciência...» No entanto, quando se trata do superlativo absoluto de superioridade, diz-se e escreve-se generalíssimo, cujo radical é general-. Como palavra autónoma, emprega-se o substantivo general, referente ao posto militar logo abaixo de marechal (cf. Dicionário Houaiss). Observe-se que o adjetivo geral e a variante general remontam ao latim generālis, e, «que pertence a uma espécie, particular; geral, universal, que convém a tudo, de gênero» (idem, ibidem).

Quanto a "geralidade", é forma teoricamente possível que não se usa. O substantivo que está consagrado é generalidade, com  os significados de «maior parte» e «princípio geral»: «na generalidade dos casos, não há razões para alarme»; «só disse generalidades».

Pergunta:

A minha pergunta pode ser simples, mas é para mim uma dor de cabeça, e já tentei, sem sucesso, pesquisar a resposta. É a seguinte:

Os atratores da próclise atraem todos os clíticos da frase, ou apenas o mais próximo? Exemplo, qual destas frases seria correta:

a) «Nunca se dignou a aproximar-se», ou b) «Nunca se dignou a se aproximar»?

Qual destas é a correta?

Desde já agradeço a vossa colaboração!

Resposta:

Os chamados atratores de próclise1 só afetam os pronomes átonos (também chamados clíticos) que estão mais próximos.

Quando se trata de construções de auxiliar + verbo principal no infinitivo (p. ex., vai aproximar-se) ou verbo principal + oração com verbo no infinitivo (p. ex., deseja aproximar-se), os chamados atratores de próclise1 só afetam os pronomes que estão ou podem estar ligados ao verbo auxiliar ou aos verbos principais:

1. Nunca vai aproximar-se.

2. Nunca se vai aproximar.2

Em 1, o advérbio nunca não afeta o pronome átono (clítico) se que está associado ao verbo principal (aproximar-se). Contudo, em 2, já exerce a sua atração, porque o clítico se está associado ao auxiliar, como comprova a afirmativa equivalente: «vai-se aproximar» > «nunca se vai aproximar».

No caso de verbos como desejar ou dignar-se (podendo este último ter preposição ou não), seguidos de uma oração com o verbo no infinitivo, também o advérbio nunca e as palavras de comportamento semelhante só têm ação sobre os clíticos que apareçam associados a esses verbos (o ? assinala problemas de aceitabilidade):

3.a. Nunca desejou aproximar-se.

   b. ?Nunca se desejou aproximar.3

5. a Nunca se dignou aproximar-