Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

[Sobre] «tá quente pra c...»

«Tem estado "um calor e ananases", como diria Fradique Mendes, pela pena de Eça de Queirós. Por estes dias, podem usar-se outras frases castiças caídas em desuso como “está de rachar” ou “derrete os untos!” Denise e Raimundo, brasileiros de Santa Catarina, chegaram esta semana a Lisboa. Pouco dados à leitura de Eça, escolheram tiradas como “tá quente pra caracá” e “tá quente pra dedéu!”, para terminarem com um estrondoso “tá quente pra c…!” […]

Victor Bandarra, "Calores Luso-brasileiros", Correio da Manhã / Revista Domingo, 26.8.2018, p. 25

Todos sabemos de antemão com o que  «c...» está conotado. Que nome se dá a esta arte de abreviar palavras com reticências?

Obrigado.

Resposta:

Não temos conhecimento de um termo genérico para o uso das reticências que o consulente descreve.

Pode dizer-se que se trata de um tipo de elipse ou supressão, mas há até quem ache que, neste caso, se trata não de reticências mas de simples sinal tipográfico de supressão de texto ou letras. Nas várias fontes consultadas para  esta resposta não se encontra descrição do uso em questão, mas, em espanhol, há referências a casos homólogos – por exemplo, nesta passagem de um artigo da Wikilengua del español:

«A veces [los puntos suspensivos] se colocan tras la letra inicial del término que se insinúa. Vete a la m... No te aguanto más.» [Tradução livre: Às vezes [as reticências] colocam-se depois da letra inicial do termo que se insinua: Vai à m... Já não te aguento.»]

Pergunta:

Gostaria de saber se substantivos combinados com o prefixo inter- e que servem como adjetivo ficam sempre no plural. Por exemplo: «transação intercompanhia» ou «transação intercompanhias»? «Serviço intercidade» ou «serviço intercidades»? «Reconciliação interempresa» ou «reconciliação interempresas»? «Descanso interjornada» ou descanso «interjornadas»?

Muito obrigada.

Resposta:

Se associar o prefixo inter- a um substantivo, este passa ao plural, uma vez que o prefixo pressupõe uma dualidade, que no português é sempre marcada pelo plural. O adjetivo resultante é uniforme tanto em género como em número. Sendo assim, em relação aos casos apresentados, temos como formas corretas: «transação/transações intercompanhias», «serviço/serviços intercidades», «reconciliação/reconciliações interempresas», «descanso/descansos interjornadas». Por outras palavras, assim como se emprega interarmas, adjetivo derivado, que ocorre nos dois géneros e nos dois números («movimento/força interarmas»/«movimento/forças interarmas», cf. Dicionário Houaiss), também se usarão intercompanhias, intercidades, interempresas e interjornadas.

Cabe aqui assinalar que este aspeto está descrito em obras mais especializadas, por exemplo, na Gramática Derivacional da Língua Portuguesa, publicada em 2016, em Coimbra, por Graça Rio-Torto: «Por denotarem ‘posição no meio de’, entre- e inter- caracterizam-se por subcategorizarem uma base de sentido (pelo menos) dual (entredentes, intercidades).»

Pergunta:

Tendo encontrado em registo escrito as expressões conteudística e conteudismo, gostaria que me esclarecessem sobre se é possível, e, já agora, correto, o recurso a estas expressões, tanto na expressão escrita como oral.

Muito obrigada.

Resposta:

Ambas as palavras são possíveis e corretas quer na oralidade quer na escrita, em qualquer variedade do português contemporâneo.

Está bem formada e tem uso legítimo a palavra conteudística, feminino do adjetivo conteudístico, o qual significa «relativo a conteúdo» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001, e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013) e «relativo a conteudista ou conteudismo» (Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2003-2018).

Quanto a conteudismo, é este vocábulo igualmente correto, empregado como nome comum no contexto da literatura e das belas-artes com o significado de «tendência a valorizar mais o conteúdo do que a forma» (cf. dicionários acima mencionados). Também se regista o adjetivo conteudista, no sentido de «relativo a conteudismo», «que ou o que defende o conteudismo» e «pessoa que tem a seu cargo o conteúdo editorial técnico de uma obra» (esta última aceção é dada como característica do Brasil no Dicionário Houaiss e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

Apesar de ocorrerem como adjetivos por vezes sinónimos, é preferível usar conteudístico na aceção de «relativo ao conteúdo», deixando conteudista denotar a noção de «relativo ao conteudismo; que defende o conteudismo».

Pergunta:

IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) é sigla ou acrónimo?

Resposta:

IPMA  é interpretável e pronunciável quer como sigla quer como acrónimo.

Se a abreviação IPMA (isto é, Instituto Português do Mar e da Atmosfera) for proferida letra a letra, isto é, soletrando – i-pê-eme-á –, trata-se de uma sigla. Contudo se pronunciarmos a mesma sequência como se fosse uma única palavra, fazendo soar "ípema", com três sílabas, ou "ipma", com duas, estamos perante um acrónimo. Ambos os usos são corretos, embora a comunicação social documente ocorrências do acrónimo (cf. "Rocha e a meteorologia/ Cinco para Meia-noite/ RTP", Youtube, de 1 min 4 s a 1 min 14 s).

É de admitir que o uso acronímico de IPMA se afigure estranho, porque encerra um encontro consonântico – [pm] – nada frequente em português. Contudo, na variedade europeia, conhecida pela redução do vocalismo átono, não é impossível articular tal encontro, como bem atesta outra sigla, IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação –, que, em Portugal, se articula geralmente como palavra simples, com a aberto e acento tónico na última sílaba, numa pronúncia sem tradição de censura normativa.

Pergunta:

Como se diz corretamente: «fui ao pilates» ou «fui aos pilates»?

Resposta:

Deve dizer «fui ao pilates», empregando pilates como nome no singular, uma simplificação das expressões «método de Pilates» e «método Pilates».

No caso em questão, o singular afigura-se adequado, porque se denota assim um método de exercício físico que se chama "pilates". Note-se, porém, que se pode utilizar pilates no plural, quando com este termo se quer fazer referência aos exercícios que fazem parte desse método: «Fiz os pilates.»

O nome comum pilates tem origem no nome de Joseph Pilates (1883-1967), criador do conhecido método de exercícios físicos.