Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O verbo perceber no Brasil, é ligado na maioria das vezes ao sistema sensorial, à percepção:

«Você percebeu aquele movimento entre as folhas?»

«Você percebeu aquele ruído na parede?»

«Percebes a corrente de vento frio pela fresta da janela?» etc..

A acepção de «receber», também é usada, principalmente no linguajar jurídico ou mais culto, no sentido ligado à razão, como entender ou compreender, embora veja o seu uso constante em Portugal, soa muito estranho aos ouvidos brasileiros, sabe-se quando se deu essa diferença? Ou mesmo por quê?

Obrigado.

Resposta:

Não foi possível identificar o momento em que perceber passou a significar «compreender, entender» no português de Portugal, uso que se ilustra, por exemplo, com exemplos de Miguel Torga e Júlio Dinis:

1. «Mal apareci em Sendim, intimou-me a comparecer na delegacia, para registar a carta e ser colectado. Tão ignorante que não percebeu o " villaregalensi " do latim. Sem uma palavra de boas-vindas, mesmo hipócrita, deixou-me partir.» (Miguel Torga, A Criação do Mundo)

2. «– Previ essas palavras, prima Madalena; por isso hesitei. Lamento sinceramente ter já perdido no uso do mundo uma tão simpática e adorável boa-fé nos outros, que é a maior prova de candura que se pode dar do próprio carácter.

D. Vitória não percebeu nada deste rápido diálogo; por isso exclamou:

– Mas que estão vocês aí a dizer? De quem falam? Eu, se vos entendo! » (Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, 1868)

No entanto, é também possível detetar este uso em escritores brasileiros do século XIX:

3. «Félix sentiu pungir-lhe um remorso, e teve ímpeto de cair aos pés da bela viúva. Murmurou algumas palavras – que ela não percebeu ou não ouviu, até que o menino chamou a atenção de ambos, dizendo:

– Vamos...

Pergunta:

Qual é a origem do nome da cidade de Elvas?

Muito obrigada pela atenção. Votos de continuação de bom trabalho!

Resposta:

A etimologia do topónimo Elvas, embora possa situar-se num contexto de transmissão árabe e remontar a um estrato pré-romano, continua por esclarecer cabalmente.

A hipótese que parece ter mais aceitação está sintetizada por José Pedro Machado no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«Em árabe parece na forma elbax (Edrici, pp. 186/225), de origem obscura, já que a doutrina de X. Fernandes (II, p. 124) é inaceitável. É daquela forma árabe que provém diretamente a portuguesa. Em 1229, Eluas e Eluis (Leges, pp. 619-620). Em 1263 aparece "Steuan rrodriguiz delvas... Afonso eanes delvas" (Portel, n.º 15, p. 23); em St. Maria: "ena vila d'Elvas" (n.º 399).»

Esclareça-se que Edrici (1100-1165) – ou al-Idrisi – foi um grande geógrafo árabe nascido em Ceuta, que menciona nas suas obras várias localidades portuguesas. Quanto a X. (Xavier) Fernandes, considera este, no seu Topónimos e Gentílicos (vol. II, 1943, pp. 124-125), que Elvas tem origem no antropónimo romano Elvius ou Helvius, mas trata-se de hipótese muito discutível.

Pergunta:

Gostaria de saber se se pode empregar a palavra cozinhação em português.

Resposta:

É uma palavra que, embora não se encontre dicionarizada, é possível – trata-se de um vocábulo bem formado, derivado do tema do verbo cozinhar – e até tem tido uso. O valor que se lhe associa é geralmente um tanto irónico, significando «fazer comida convencional, que até pode ser saborosa, sem chegar ao requinte da arte culinária ou ter preocupações de tipo gastronómico»:

1. «A-Leng revelara uma grande queda para a cozinhação. Confecionava a preceito pratos de culinária chinesa, mas ainda não conseguia o apuramento ideal na comida macaense e na portuguesa.» (Henrique de Senna Fernandes, A Trança Feiticeira).

Observe-se, porém, que não é uma palavra acerca da qual se possa afirmar que tem grande difusão ou que é aceite sem hesitação, ou, ainda, que é sempre adequada a qualquer discurso que verse sobre cozinha – não o será, dada a sua carga irónica ou até depreciativa.

Pergunta:

1. A palavra submunicipal pode ser usada na língua portuguesa ?

2. Em caso afirmativo, e em termos ortográficos, o vocábulo deve ser usado com ou sem hífen?

Resposta:

1. O adjetivo submunicipal  é uma palavra não só possível e legítima mas também usada, como ilustra o seguinte exemplo retirado de um documento jurídico-administrativo:

«3 - Todas as iniciativas locais de prevenção, pré-supressão e recuperação de áreas ardidas ao nível submunicipal devem ser articuladas e enquadradas pelos PMDFCI» (Lei 76/201Diário da República n.º 158/2017, Série I de 2017-08-17). 

2. A palavra não tem hífen, aglutinando-se o prefixo sub- ao segundo constituinte: submunicipal., tal como acontece com subárea, subdesenvolvido ou subsolo. Com sub-,  só ocorre a hifenização quando o segundo constituinte da palavra começa por b ou h: sub-base, sub-bloco, sub-bosquesub-hemisférico, sub-humano (cf. Base XVI do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990).

Pergunta:

Nasci em 1950 e, na então chamada Instrução Primária, aprendi que as palavras pai e mãe se escreviam com letra minúscula, quando nos referíamos a um dos progenitores de uma determinada pessoa. Mas que se escreviam com letra maiúscula quando nos referíamos ao nosso próprio pai ou à nossa própria mãe. Esta regra ainda persiste, ou foi modificada por alguma alteração posterior a 1950?

Resposta:

Não se trata de uma regra, mas, tão-só, de um uso facultativo que marca respeito e que se pode justificar pedagogicamente. Note-se, de qualquer modo, que este uso, além de não encontrar registo na atual norma ortográfica, também não é referido na norma anterior, a do Acordo Ortográfico de 1945.