Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na expressão «Oh, não, que pouca sorte a minha!» a que classe e subclasse pertence a palavra que?

Obrigada.

Resposta:

Em Portugal, no quadro da terminologia empregada no ensino não universitário, as palavras que acompanham nomes («que sorte!») ou adjetivos («que lindo!») nas frases exclamativas não têm classificação precisa.

O Dicionário Terminológico é omisso sobre o assunto; e em gramáticas escolares, ou se fala em «expressões quantificadas»1, ou não se classifica este que, apenas o mencionando como exemplo de «palavras que traduzem a exclamação»2. Parece, portanto, que no âmbito dos ensinos básico e secundário, não é relevante definir a classe da palavra em apreço.

Num plano extraescolar, são vários os autores de gramáticas tradicionais de referência que consideram que um determinante interrogativo em casos como «que pouca sorte», aceitando que os determinantes interrogativos se contam entre os especificadores dos nomes em frases exclamativas3.

 

1 Cf. Domínios –Gramática da Língua Portuguesa, Plátano Editora, 2011, p.190.

2 É o caso da Nova Gramática Didática de Português, Santilhana/Constância, 2011, p. 157. Noutra gramática consultada, a Gramática Prática de Português (Lisboa Editora, 2011, pp. 98 e 191), não se faz qualquer comentário à classe ou à possibilidade de classificação do que em contexto de frase exclamativa.

3 Cf. Celso Cunha e Lindley Cintra,

Pergunta:

Sou argentina, estudando português, e tenho uma dúvida. Na língua existem algumas palavras como pinheiro, que é contável, e pinho (a sua madeira), que é não contável.

Existe algum outro par que seja do mesmo caso?

Resposta:

O contraste apontado, que não é exclusivo do português, revela-se geralmente pelo uso do mesmo lexema com dois significados diferentes. Por exemplo, carvalho pode ser a árvore e a madeira da árvore: «uma mata de carvalhos» (contável e, portanto, pluralizável) vs. «uma mesa de carvalho» (não contável e pluralizável em condições especiais).

No entanto, também a respeito de termos que denotam árvores e tipos de madeira, pode-se pensar em lexemas que partilham a mesma raiz, mas que se diferenciam quanto às suas terminações, definindo-se pares contrastivos formados por um item mais extenso, designativo da árvore, em que se distingue um sufixo (-eiro, -eira) e outro mais curto, que denota  a madeira:

(1) azinheira (árvore) – azinho («madeira de azinho», «lenha de azinho»)

(2) castanheiro (árvore) – castanho («uma mesa de castanho», ou seja, uma mesa feita de madeira de castanheiro, embora também se diga «madeira de castanho»)

(3) sobreiro (árvore) – sobro (madeira, como em «lenha de sobro»)

Não é este um contraste sistemático, porque o segundo termo de cada par pode ocorrer como denominação da própria árvore (cf. Vasco Botelho de Amaral, Grande Dicionário de de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 2.º volume, 1958, p. 670/671).

Mesmo assim, trata-se de um contraste que pode observar-se em distintos campos lexicais e já entre palavras radicalmente diferentes. Deteta-se assim entre um nome contável que designa uma realidade natural ou produzida por mãos humanas e o nome não contável que se aplica à matéria constitutiva dessa realidade; por exempl...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a regra de acentuação em português para vocábulos que terminem em ditongo, seguido de i ou u.

Por exemplo, o Vocabulário Ortográfico Comum regista Maláui e Piauí. No entanto, um destes acentos parece-me irrelevante. Se acentuarmos Maláui, evitamos que a sílaba tónica seja i, o que parece indicar que o acento em Piauí é irrelevante.

Contudo, se acentuarmos Piauí, evitamos que a sílaba tónica seja au, o que parece indicar que o acento em Maláui é irrelevante.

Poderiam esclarecer esta dúvida?

Obrigado.

Resposta:

A acentuação de Maláui 1 parece decorrer da norma segundo a qual se prevê que casos como os de Piauí tenham acento gráfico sobre o i tónico final. Lê-se no Acordo Ortográfio da Língua Portuguesa de 1990, Base X, 5:

«Levam, porém, acento agudo as vogais tónicas/tônicas grafadas i e u quando, precedidas de ditongo, pertencem a palavras oxítonas e estão em posição final ou seguidas de s: Piauí, teiú, teiús, tuiuiú, tuiuiús. Obs.: Se, neste caso, a consoante final for diferente de s, tais vogais dispensam o acento agudo: cauim.»

Este preceito vem do anterior acordo de 1945, da parte final da Base XV:

«Dispensa-se o acento agudo nas vogais tónicas i e u de palavras paroxítonas, quando elas são precedidas de ditongo; nos ditongos tónicos iu e ui, quando precedidos de vogal; e na vogal tónica u, quando, numa palavra paroxítona, está precedida de i e seguida de s e outra consoante. Exemplos dos três casos: baiuca, bocaiuva, cauila, tauismo; atraiu, influiu, pauis; semiusto. Quando as vogais tónicas i e u estão precedidas de ditongo, mas pertencem a palavras oxítonas e são finais ou seguidas de s, levam acento agudo: Piauí, teiú

Pergunta:

 Sou praticamente de artes marciais e é muito comum em inglês ouvir-se a expressão de-escalate, principalmente quando se trata de potenciais situações de conflito, ou seja, a expressão faz referência a técnicas que servem para baixar os ânimos em situações de tensão ou propensas à violência. É também uma técnica muito usada pelas forças policiais.

Têm referências ou querem sugerir possíveis traduções para português?

Linguee dá algumas sugestões, mas todas muito fracas linguisticamente. Qual será o antónimo do substantivo escalada ou do verbo escalar?

Resposta:

O verbo e nome ingleses de-escalate (ver Dicionário Infopédia de Inglês) são traduzíveis por desescalar e por desescalada, palavras que se encontram registadas e definidas no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa (aqui e aqui), bem como no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e, ainda, já no âmbito da lexicografia do Brasil, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Trata-se, portanto, de antónimos adequados de escalar, no sentido de «atacar cada vez mais (num conflito)», e escalada, na aceção de «tendência para a intensificação de um conflito».

Registe-se também a disponibilidade de alternativas: «abrandar a tensão/o conflito», «atenuar o conflito/os conflitos», «abrandar/atenuar/conter a escalada».

Pergunta:

Caros amigos, encontrei num livro antigo a palavra "asiago", com o sentido de «de mau agouro» (ex: «sexta feira é sempre um dia asiago»).

Não deverá ser "aziago"? Existe "asiago"?

Muito obrigada desde já.

Resposta:

A forma correta é efetivamente aziago.

Note-se, porém, que antes da Reforma Ortográfica de 1911, se escrevia asiago, com s, de algum modo contrariando a etimologia da palavra. Com efeito, do ponto de vista histórico afigura-se mais adequado o z, porque a sibilante correspondente provém de uma antiga africada [ts] em posição intervocálica. Compreende-se melhor este aspeto, tendo em conta que o adjetivo tem origem no «latim tardio *aegytiācu pelo latim Aegyptiăcus, a, um, «egípcio», segundo o Dicionário Houaiss, que esclarece ainda que «o vocábulo era usado na Idade Média para designar dias infaustos, em alusão às pragas do Egito».