Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estava procurando saber se é mais correto escrever "mediterrânico" ou "mediterrâneo" quando nos referimos ao clima ou à dieta característicos das margens do mar Mediterrâneo ou dos países mediterrânicos. [...]

Talvez a influência do espanhol se esteja a fazer sentir. No manual de Geografia do 7.º ano da Areal, vem «clima mediterrâneo». Apesar de os dois termos poderem ser usados em português, a mim soa-me melhor «dieta mediterrânica» e «clima mediterrânico» do que «dieta mediterrânea» e «clima mediterrâneo». Gostaria de saber se há razão para usar um dos termos em vez do outro.

Agradeço antecipadamente a vossa resposta e agradeço o vosso precioso trabalho neste site, ao qual recorro sempre que tenho dúvidas sobre o uso do português.

Resposta:

As duas formas adjetivais estão corretas.

É possível que haja alguma interferência estrangeira (como o consulente sugere, mas que não é aqui possível confirmar) favorecedora da ativação da forma adjetival mediterrâneo, cuja configuração, no entanto, permite compreender por que razão mediterrânico tem uso recorrente. Na verdade, a forma sufixada em -ico permite indicar com clareza o adjetivo relacional que denota «aquilo que é do Mediterrâneo», enquanto mediterrâneo o faz de forma ambígua, pois entende-se não só como «(o que é) relativo ao Mediterrâneo» mas também como «(o que é) relativo ao que se situa entre terras, no interior», confundindo-se com o nome próprio Mediterrâneo.

Disto mesmo dá conta uma consideração feita num artigo de A folha, boletim dos serviços de tradução do português na União Europeia:

«O caso do espanhol (ou castelhano) parece-me paradigmático: se o tomo como referência quando estabelece uma diferenciação (vantajosa, para mim) entre o sinónimo de why (por qué) e o sinónimo de because (porque), por outro lado não me sinto nada tentado a segui-lo quando amalgama numa só palavra (mediterráneo) o substantivo que em português tem a forma de Mediterrâneo e o adjectivo que nós exprimimos por mediterrânico.» (Jorge Madeira Mendes, "Por que porque (conclusão)", A folha, verão de 2006, p. 8)

Esta posição parece, portanto, encontrar um argumento de peso, quando defende a opção por mediterrânico, para não confundir o que é conc...

Pergunta:

Gostaria de conhecer a origem da expressão «como o "que"» (ou «como que», não sei ao certo já que o som das duas expressões é muito próximo), muito utilizada em algumas regiões do Brasil no final de algumas frases.

Exemplos: «O chá está quente como o "que"»; «Corri como o "que"».

Obrigado.

Resposta:

Recomenda-se «como o quê», com acento circunflexo sobre o e, para marcar a sua tonicidade em final de frase, de acordo com indicação do Dicionário Houaiss.

No referido dicionário, não se encontra «como o quê», mas regista-se uma variante, a locução «como quê»1, com duas aceções:

(1) «de modo incomparável, muito bem»: «ela declama como quê»;

(2) «em grande quantidade ou intensidade»: «ele fala como quê», «comeu-se como quê», «forte como quê».

Trata-se, portanto, de uma expressão que marca intensidade, como forma «de expressar valores elevados de uma escala a que está associado o significado de adjetivos», conforme se aponta na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 2162), onde se elencam vários exemplos entre os quais se incluem construções introduzidas por como («rápido como um relâmpago», «feliz como nunca/ninguém»).

Não foi aqui possível dispor de informação sobre a origem de «como o quê», mas a sua configuração parece uma simplificação de expressões como «como não sei o quê». Em Portugal, é corrente dizer-se «como sei lá o quê» (ou «como sei lá eu»), no sentido de «muito» ou «muitíssimo»: «O chá está quente como sei lá o quê!»; «Corri (como) sei lá o quê!» (neste último caso, é possível omitir como).

 

1 É possível tratar «como o quê» e «como quê» como variantes concorrentes, tal como acontece com os interrogativos o que e que e as formas tónicas correspondentes o quê e quê. No 

Pergunta:

Tenho uma dúvida relativa à acentuação ou não da palavra "paraparésia".

"Paraparesia" ou "paraparésia"?

Hemiparesia não se acentua.

Grata por toda a colaboração.

Resposta:

Tendo em conta que se diz e escreve paresia1, com o significado de «perda parcial de motricidade» (Dicionário Houaiss), a forma correta é paraparesia. Esta palavra está registada no Dicionário de Termos Médicos da Infopédia, com a definição de «paresia ligeira, em especial, dos membros inferiores».

Paresia provém do grego páresis, eōs, «ação de deixar ir, de relaxar, donde relaxamento, enfraquecimento» (Hoauiss). Paraparesia é um derivado formado pelo prefixo para-, que neste caso marca a noção de «semelhança», e o nome paresia.

 

1 Ver Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) e Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves.

Pergunta:

Não consigo encontrar, em parte nenhuma, a origem do nome Balcão.

Balcão pode ser usado como: nome intermédio ou sobrenome, sendo a sua utilização como nome intermédio o mais frequente.

Alguns dizem que provém duma alcunha, que depois se tornou nome, mas não consigo encontrar a resposta.

Espero que o Ciberdúvidas me possa ajudar.

Resposta:

É possível que se trate de um apelido com origem numa alcunha criada por motivos obscuros, a partir de balcão («varanda», «móvel para definir uma área de atendimento no comércio e nos serviços»)1.

Contudo, pode também ter origem no topónimo Balcão, que se encontra em alguns pontos do centro e do norte de Portugal2 e que parece provir de «vale cão», em que cão é um homónimo de cão (animal) mas com o  significado de «branco», o que se entende, considerando a relação de cão com cãs, «cabelos branco», e encanecer, «ficar branco». «Vale cão» significaria, portanto, «vale branco», no sentido de «bem iluminado»3.

A verdade é que não se dispõe de informação segura sobre a origem de Balcão quer como apelido quer como topónimo.

 

1 Ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003. Recorde-se que, em Portugal, apelido e alcunha são, no Brasil, o mesmo que sobrenome e apelido, respetivamente.

2 Ibidem.

3 A. Almeida Fernandes, Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário, 1999.

Pergunta:

Vi na televisão a seguinte frase numa legenda, que julgo ser incorrecta[*]: «Não vamos ir».

Agradecia um comentário, perante a atitude de um colega que a defendeu e não aceitou os meus argumentos.

Desde já grato.

 

[* N. E. – O consulente adota a norma ortográfica de 1945.]

Resposta:

Do ponto de vista do padrão correto do português, evita-se, como já antes dissemos no Ciberdúvidas (ver Textos Relacionados, infra) o encontro do auxiliar ir com ir usado como verbo pleno. O caso da legenda constitui, portanto, um erro no quadro da norma de Portugal ou na de outros países de língua portuguesa.

Contudo, em vários falares regionais, por exemplo, nos da Madeira, registam-se as formas «vou ir» ou «vamos ir» (sublinhado nosso):

(1) «[...] [E]ncontramos buxo encostado ou buxo voltado, “Entorse na barriga provocado por queda, o que é vulgar em crianças e adultos. – Eu acho, vezenha qu`o piqueno `tá c`o buxo encostado. Vou ir a casa duma milher intendida.”» (Maria Florentina Silva Santos, À luz das Palavras quase Esquecidas, Universidade da Madeira, p. 72).

(2) «"Eu penso que vamos ir a uma coisa paradoxal: o volume, o custo, igual ao que é o orçamento anual da Região Autónoma"» [declarações de Alberto João Jardim, antigo presidente do Governo Regional da Madeira (1978-2015) ao programa Grande Reportagem, citado por Helder Guégués, Assim Mesmo, 26/02/2010].

É verdade que nas legendas se devem evitar padrões regionais, recomendando-se a adoção de uma língua mais neutra. No entanto, é possível que a tradução reflita alguma precipitação, talvez a verter em português a construção inglesa «we are...