Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estudando a conjugação do verbo prazer [...], deparei-me com certa discordância entre as possíveis formas de conjugá-lo, assim como as de seus derivados: aprazer, comprazer, desaprazer, descomprazer e desprazer.

Se possível, gostaria que me fossem enviadas as conjugações dos mencionados verbos e de que se esclarecesse por que possuem diferentes padrões de flexão, partindo da premissa que todas, acredito, derivam do verbo prazer.

Obrigado.

Resposta:

O verbo prazer tem potencialmente a conjugação completa, mas a verdade é que as suas ocorrências, que não se distinguem por frequências significativas, se limitam às formas de 3.ª pessoa (singular ou plural), conforme se pode confirmar pela consulta em dicionários e vocabulários ortográficos em linha (ver Infopédia, Dicionário PriberamDicionário HouaissVocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa). Diz-se, portanto, que é um verbo defetivo. Os verbos aprazer, desaprazer  e desprazer, que dele derivam, mantêm a defetividade, mas comprazer e descomprazer são considerados como verbos de flexão completa.

Convém assinalar que, na descrição da flexão de prazer e derivados, o radical destes verbos, que é praz- nos tempos do sistema do presente, muda para prouv- nos tempos do sistema do perfeito: prouve, aprouve, comprouve, desaprouve, descomprouve, desprouve. No entanto, há também registo legítimo da regularização, com a generalização do radical praz- a todo o paradigma: prazeu, aprazeu, comprazeu, desaprazeu, descomprazeu, desprazeu.

Os quadros de conjugação...

Pergunta:

Posso estar muito enganado, mas me parece correto o exato oposto do que o consultor Carlos Rocha, por cuja clareza didática sempre tive, e tenho, muito apreço, respondeu ao consulente Mario Fraga.

O oposto parece-me correto ao menos quando se fala de cidadãos de determinada nacionalidade que têm ascendência parcialmente estrangeira: quando se diz «os ítalo-brasileiros», alude-se aos brasileiros de ascendência italiana.

Talvez por isso tendo a pensar num encontro franco-italiano como organizado na Itália com colaboração de franceses (ou sobre temas ligados à França). É verdade, porém, que o primeiro termo me parece, em qualquer caso, estar em posição de destaque, realçado em relação ao segundo, mas isto se me afigura naturalmente resultante da sua função de qualificador restritivo do adjetivo italiano: não é um encontro puramente italiano, mas franco-italiano, assim como ítalo-brasileiros se destacam do conjunto dos brasileiros por serem descendentes de italianos, ao passo que os demais brasileiros o serão de outros povos. Enfim, talvez haja alguma lógica diferente subjacente à formação dos adjetivos pátrios compostos quando referidos a ascendências. Não sei dizê-lo.

O que, todavia, diria com toda a certeza é que, ao menos no Brasil, um franco-italiano seria, sempre e exclusivamente, um italiano com antepassados franceses, e um ítalo-francês, um francês com antepassados italianos. Se a mesma lógica se aplica à formação dos adjetivos pátrios compostos quando não aplicados à ascendência de pessoas é que não sei dizer.

Resposta:

A resposta em causa foca a formação de compostos com adjetivos pátrios como franco-italiano ou ítalo-francês, que têm uma estrutura de coordenação e são parafraseáveis por «francês e italiano» e «italiano e francês», respetivamente. Os casos em questão – ítalo-brasileiro, franco-italiano e ítalo-francês – têm outro tipo de relação interna entre os seus constituintes, pois são parafraseáveis como «brasileiro descendente de italianos/origem italiana», «italiano de origem francesa» e «francês de origem italiana». Trata-se, portanto, de palavras do mesmo tipo que lusodescendente, «descendente de portugueses», ou afro-americano (ou afroamericano), quando esta forma significa «americano descendente de africanos» (embora a palavra também possa significar «africano e americano»).

Sobre este tipo de palavras, não há preceitos claros para a grafia das chamadas formas reduzidas dos adjetivos pátrios quando estas aludem a questões de ascendência e genealogia. A tendência é geralmente tratar as formas reduzidas (p. ex., luso-) como elementos prefixais sujeitos às regras de hifenização respetivas (ver Base XVI do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990). Os vocábulos assim constituídos devem, portanto, escrever-se sem hífen, cada qual configurado como uma única palavra gráfica.

Neste contexto, poderia até sugerir-se que afro-americano, com hífen, seria a grafia mais adequada para o adjetivo relacional composto parafraseável por «africano e americano», enquanto afroamericano corresponderia ao adjetivo que significa «relativo aos am...

Pergunta:

Vi no cursinho que durante, mediante, senão e salvo podem ser considerados preposições acidentais.

Eu sei que segundo pode ser representado um numeral (2.º) e uma preposição ao ligar palavras («segundo ele, estamos bem»).

Mas qual a outra classe gramatical dessas quatro palavras acima? Seriam substantivos? Não consegui encontrá-las em nenhuma outra classe para fazer a comparação.

Obrigada.

Resposta:

O termo «preposição acidental» é usado por Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998) na sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa (2009, p. 338), com a seguinte definição: «[...] consideram-se as palavras de outras classes, eventualmente empregadas como preposições: conforme, consoante, durante, exceto, fora/afora, mediante, menos, salvante, salvo, segundo, tirante.» Trata-se, portanto, de casos de derivação imprópria ou, para empregar uma terminologia mais recente, de conversão.

Sucede, porém, que o termo nem sempre é descritivamente adequado para o conjunto de preposições em questão, porque muitas vezes a relação dessas palavras com a classe morfossintática original não é acessível à intuição do falante comum. Na verdade, muitas vezes é preciso recorrer a explicações de caráter histórico, raramente ao alcance do conhecimento linguístico mais generalizado. Seria talvez preferível classificar estas preposições como palavras homónimas das formas que estão historicamente na sua origem1.

De qualquer modo, procurando identificar as classes donde provêm as preposições em questão, justifica-se associar a forma preposicional segundo ao numeral segundo, como, aliás, a consulente demonstra, muito embora, historicamente, a relação não seja assim tão direta. Opaco também não será o nexo entre a preposição salvo e o particípio passado salvo, de salvar (na aceção de «retirar, livrar»); também não será obscuro vincular o uso preposicional de senão (ex.: «ninguém me apoiou senão você») ao funcionamento da mesma forma c...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da palavra géneros presente na expressão «pagar em géneros» (exemplo: artigo 1530.º, n.º 3 do Código Civil).

Grata pela atenção.

Resposta:

Pelo menos, desde o século XVI que se usa a palavra género no plural para designar produtos principalmente destinados à alimentação.

É provável que géneros tenham adquirido este sentido subentendendo, por exemplo, hortaliça ou outra designação de produto agrícola, como acontece de forma explícita no seguinte exemplo:

(1) «Também tem uma vinha que dá boas uvas, os melões se dão no refeitório quase meio ano, e são finos, nem faltam couves mercianas bem duras, alfaces, rabãos e outros géneros de hortaliça de Portugal em abundância [...].» (Fernão Cardim, Carta de relação da viagem e missão a Província do Brasil, 1590, in Corpus do Português).

Pergunta:

Encontrei o termo subjectification em texto inglês que se baseia em Foucault e noutros textos pela internet relativos a esse autor encontrei "subjetificação", mas na maioria dos textos encontrei "subjetivação".

Afinal qual a diferença entre os termos? Qual deles eu deveria usar se não fora falar diretamente de Foucault?

Resposta:

Recomenda-se a forma subjetivação.

Consultando textos em francês, de Michel Foucault (1926-1984) ou relativos às ideias deste filófoso, verifica-se que o termo utilizado em francês é subjectivation (ler aqui, em francês), que corresponde ao português subjetivação. Este é um derivado de subjetivar, que significa, como subjetivizar, «tornar subjetivo».

Sendo assim, porque o termo foi cunhado em francês, afigura-se preferível empregar subjetivação, como forma portuguesa homóloga, que de resto é a predominante na tradução e comentário deste conceito proposto e explorado por Foucault (ver resultados de uma pesquisa Google aqui).