Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por que se dá preferência ao ç em palavras de origem indígena?

Ex.: Piraçununga, juçara e açaí.

Resposta:

A preferência1 por ç (antes de a, o, u, sempre no meio de palavra) ou c (antes de e e i, em qualquer posição) tem que ver com o facto de o som incluído nessas palavras ser parecido ao som que nos séculos XVI e XVII se escreviam com ç ou c (este, como se disse, antes de e e i). Em português, tratava-se da chamada sibilante pré-dorsal, que hoje é a maneira normal de pronunciar qualquer /s/ na maioria das variedades do português.

Um artigo do filólogo R. F. Mansur Guérios ("Transcrição portuguesa de um fonema tupi", Revista Letras, 29, 1980, p. 131) apoia o que atrás foi dito: «A representação gráfica c (ce, ci), ç apoia-se, de modo inconteste, na articulação de um fonema tupi, uma africada sibilante surda, [...]. Ora, sucede que também no português arcaico havia esse fonema, símile ao tupi, e fazia-se, portanto, distinção entre c (ce, ci), ç e s (ss).»

Note-se que, nos referidos séculos, o s de saber e os ss de assar representavam uma fricativa apical, um som sibilante que não se pronunciava do mesmo modo que o som representado pelo ç de caça ou o c de aceitar (ver Textos Relacionados).

 

1 No começo de palavra e seguido de a, o ou u, escreve-se sempre s, uma vez que, de acordo com os princípios da ortografia do português, não há palavra com...

O léxico do combate aos incêndios florestais
A vaga de calor de julho de 2022 em Portugal

Alguns termos e expressões mais correntes na comunicação pública a respeito da grave crise dos incêndios florestais e rurais em Portugal, sobretudo nas regiões do Centro, durante a intensa e prolongada vaga de calor da primeira quinzena de julho de 2022.

Pergunta:

Um "conceito" de algo (seja o que for) é, por definição, singular... Assim, sendo religião um conceito antropológico, admitir o plural "religiões" será erróneo...

Resposta:

Sem prejuízo da análise crítica do conceito de religião, não está errado, do ponto de vista estritamente linguístico, empregar o plural religiões, porque religião também se define como «doutrina» – «cada uma das diferentes doutrinas humanas que propõem uma explicação para a origem, ordenação e destino do universo» (Infopédia).

Sendo assim, sabendo que se distinguem termos como cristianismo, islamismo ou budismo como denominações de diferentes doutrinas religiosas, é legítimo empregar religiões.

Pergunta:

«Estamos a contar que ele chegue ao aeroporto cedo» ou «Estamos a contar com que ele chegue ao aeroporto cedo»? O «com» é necessário? De outro modo, o sentido de contar não será diverso?

Obrigado, desde já.

Resposta:

O com, que é uma preposição, é possível, mas não é necessário.

Se a preposição for omitida, como muitas vezes acontece, não há diferença semântica. Na verdade, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 1870-1872) evidencia a possibilidade de o verbo contar, no sentido de «esperar, acreditar», poder usar-se sem a preposição com antes de uma oração completiva (exemplos retirados da fonte referida):

(1) «O Pedro conta com [que eles venham por volta das dez].»

(2) «O Pedro conta [que eles venham por volta das dez].»

A frase 2 mostra que a omissão da preposição com não lhe retira gramaticalidade.

Pergunta:

Como já foi escrito neste sítio, na Resposta a "Taquicardia" (dada por Carlos Rocha, 13 de novembro de 2013), o consenso académico coloca taquicardia, com o acento [tónico]em di, como a pronúncia correta.

Contudo, a minha dúvida vai no sentido de que o segundo elemento desta palavra provém do étimo grego κᾰρδῐ́ᾱ (kardíā); ao passar esta palavra para o latim científico (fonte de infinitos termos médicos), colocamo-la sob a regra da penúltima, que nos diz que a penúltima sílaba, por ser breve (a sílaba grega original é um iota breve), perde o acento, que passa para a antepenúltima sílaba.

Deste modo, o termo médico em latim científico tachychardia passaria a pronunciar-se com acento na antepenúltima sílaba, como o seu termo cognato em português, taquicardia, do mesmo modo como ocorre na pronúncia espanhola de taquicardia?

(Nota: na Resposta a "A pronúncia e o acento de ambrósia" (Carlos Rocha, 18 de maio de 2021), o iota breve de ἀμβροσία (ambrosía) também faz com que, na transposição latina, o acento passe para a antepenúltima sílaba.)

Resposta:

A questão dos termos científicos formados por radicais gregos não tem tido um tratamento uniforme, e, portanto, há muitas exceções, como parece ser o caso das palavras terminadas em -ia, incluindo a diferença prosódica entre taquicardia e ambrósia.

É verdade que muitos termos cultos e científicos formados por elementos de origem grega passam pela sua adaptação ao latim, donde depois foram ou são transmitidos ao português, conforme observa M.ª Helena T. C. Ureña Prieto et al., em Do Grego e do Latim ao Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 11):

«Regra geral e tradicional é a de supor sempre, real ou teoricamente, os nomes [gregos] recebidos por mediação do latim e aplicar-lhes a regra da acentuação latina. Deste modo serão graves ou paroxítonos os polissílabos que tenham a penúltima sílaba longa; serão esdrúxulos ou proparoxítonos os que tenham a penúltima sílaba breve.»

Contudo, a mesma fonte assinala que «a acentuação das palavras terminadas em -ia em português é oscilante» (ibidem, p. 37), fundamentando-se nos critérios formulados em 1940, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (mantém-se a ortografia do original consultado):

«A prosódia dos sufixos de origem grega é regulada, como convém, pela quantidade etimológica. Recebe, porém, tratamento especial o sufixo -ia, cuja prosódia depende das várias condições históricas do seu uso, o que faz que em muitos casos seja tónico e noutros seja átono. Temos, por exemplo:

a) com acentuação n...